Draghi, omnipresente em Davos e no foco das críticas de Merkel

Chanceler alemã avisa que o plano do BCE não pode afastar os países do euro de avançarem com reformas estruturais.

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“Cada dia que adiamos as reformas é um dia perdido”, afirmou a chanceler alemã nesta quinta-feira em Davos Ruben Sprich/Reuters

Enquanto em Frankfurt Mario Draghi se preparava para anunciar o tão esperado programa de compra de dívida pública na zona euro, em Davos já se discutiam os desafios da estabilidade e do crescimento na Europa, tema incontornável dos debates desta quinta-feira no Fórum Económico Mundial.

Primeiro, foi Christine Lagarde a antecipar que os efeitos da acção do Banco Central Europeu (BCE) já se fazem sentir. Depois, foi a vez de a chanceler alemã, Angela Merkel, insistir que não é por haver um plano de compra de dívida de grande dimensão (60 mil milhões de euros por mês) que os países podem deixar de levar a cabo reformas estruturais. A mensagem foi directa para os governos da zona euro. E visando a estratégia a que Mario Draghi deu rosto, Merkel não escondeu a resistência de Berlim na criação de mais liquidez na economia da zona euro.

Independentemente do que o BCE faz, os governos têm de pôr em marcha as reformas que puxem pelo crescimento, sustentou Merkel, numa declaração vista também como uma mensagem para a opinião pública alemã, apoiada tanto pela Confederação da Indústria Alemã (BDI) como pelo influente instituto económico de Munique Ifo.

Mario Draghi – ou melhor, o resultado da sua acção, desde que em 2012 garantiu que o BCE faria tudo o que fosse preciso para salvar o euro – foi nesta quinta-feira uma figura omnipresente em Davos. Larry Elliott, editor de economia do Guardian, notou como o presidente do BCE, que este ano não fala no Fórum Económico Mundial, continuou no centro das atenções, com todos a quererem discutir o impacto e as consequências do programa de compra de dívida.

A chanceler alemã deu corpo às renitências de Berlim em relação ao impacto da acção do BCE. O Governo germânico nunca escondeu os seus receios de que a compra de dívida potencie um problema de inflação na zona euro e desencoraje os governos a realizar reformas estruturais e a cuidar da consolidação das contas públicas.

Essa foi a mensagem que Merkel repetiu em Davos. “Cada dia que adiamos as reformas é um dia perdido. Temos de promover o crescimento e o emprego”, insistiu, considerando que a Europa ainda não é suficientemente competitiva.

Merkel fez questão de sublinhar que o BCE actua com “plena independência” e lembrou implicitamente a falta de unanimidade na votação, dizendo que não é uma surpresa que o debate do BCE seja “controverso”. Uma decisão vista por analistas como uma aproximação do BCE às pretensões da Alemanha é o facto de os bancos centrais nacionais assumirem 80% do risco na compra da dívida agora anunciadas pelo BCE.

Num outro debate em Davos, o primeiro-ministro da Irlanda, Enda Kenny, defendeu a sua dama, sublinhado que o país realizou reformas com a implementação do programa da troika.

Num claro apoio à decisão do BCE apareceu o Fundo Monetário Internacional (FMI), partilhando ao mesmo tempo das preocupações de Merkel sobre as reformas estruturais. Para a directora-geral do fundo, Christine Lagarde, a compra de activos do sector privado e público é uma boa notícia para a zona euro, mas tem de ser complementada por acções noutras áreas. Num comunicado, Lagarde considerou que as medidas vêm “ajudar a baixar os custos do financiamento na zona euro, aumentar as expectativas de inflação e reduzir o risco de haver um período prolongado de baixa inflação”.

Paralelamente à intervenção do BCE, diz Lagarde, é “essencial” que esta “política acomodatícia” seja suportada por outras “medidas abrangentes e tomadas em devido tempo noutras áreas” – por reformas estruturais que aumentem o crescimento potencial dos países da zona euro e por medidas que promovam a procura.

De manhã, ainda antes de ser conhecida a decisão do BCE, amplamente antecipada nos mercados, com as bolsas a subir e o euro em queda, Lagarde mostrou-se convicta de que o plano vai vingar – porque, diz, já está a ter resultados. “Até certo ponto podemos dizer que já funcionou”.

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