Comissão do BES: galhofa, venda de metralhadoras e uma coisa um bocadinho salgada

Luís Horta e Costa, gestor da Escom, ouvido na comissão do BES sobre venda de submarinos.

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Horta e Costa na comissão BES Nuno Ferreira Santos

Luís Horta e Costa foi nesta quinta-feira ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao caso BES e teve algumas frases enigmáticas.

"Esses tipos da administração da Escom [onde Horta e Costa se inclui] nunca tiveram uma palavra a dizer sobre a avaliação da Escom." Classificou-a de insuflada. "O que me pareceu uma coisa um bocadinho salgada", observou Luís Horta e Costa, que prestou esclarecimentos na comissão parlamentar de inquérito ao colapso do GES-BES. 

Horta e Costa voltou-se depois para a deputada do CDS-PP Cecília Meireles, perguntando-lhe, após uma intervenção da parlamentar, se se estava "a referir à galhofa entre os rapazes lá do conselho superior". "Eles queriam vender metralhadoras e mais não sei o quê. Acho isso muito engraçado", comentou Horta e Costa.

"Nunca fomos chamados a pronunciar-nos [sobre a avaliação da empresa, nem sobre se] era defensável", prosseguiu o gestor da Escom, avaliada em 2010 pelo GES em 500 milhões de euros. "[E] das únicas vezes que tivemos oportunidade de chamar a atenção do GES [para o facto de o valor (500 milhões) estar muito insuflado], não ligaram."

Confirmou que a empresa só tinha passivos, de 600 milhões, e os credores eram o BES e o BESA. Horta e Costa salientou que era o representante do GES na Escom e que o contrato de venda da empresa à Newbrook-Sonangol tinha uma cláusula que previa que a gestão se mantivesse. "E eu tinha dificuldade em aparecer junto de um novo accionista a defender números sobre os quais nunca foi chamado a pronunciar-se."   

Horta e Costa garantiu ainda: "Não estamos a sacudir água do capote.” “Achamos que pôr prémios de controlo em cima de uma avaliação [que não foi validada pela gestão da Escom] era difícil de sustentar.” “Era uma coisa um bocadinho salgada, e isto não tem nada de sarcástico." Inquirido pela deputada do CDS/PP Cecília Meireles sobre quem fez a avaliação respondeu: "Foi o BESI."

O gestor da Escom explicou que a empresa iniciou a sua actividade, em 1993, com o objectivo inicial de operar em África, em especial Angola, com vista à exportação de produtos portugueses e dando apoio a empresas portuguesas que pretendiam estabelecer-se na região. A Escom, realçou, "chegou a ter grande presença em África, e ainda hoje emprega mais" de mil pessoas. 

"O que os accionistas decidem fazer nós não sabemos. Mas sabemos que o contrato [de venda da Escom] foi assinado a 28 de Dezembro de 2010 com uma empresa chamada Sonangol. E achámos que a empresa teria sido vendida e entrámos em gestão corrente. E de 28 de Dezembro de 2010 até à implosão do nosso accionista, GES, em Julho de 2014, estivemos na esperança de que alguma coisa acontecesse."

"Nunca nenhum decisor político levou um tostão da Escom"
O gestor, que na Escom representava o accionista GES (que tinha 67% da empresa), confirma que teve "várias conversas com membros do GES". "Perguntei-lhes se a Escom já tinha sido vendida, pois queria saber quem é que eu representava."

E teve conversas "com o dr. Ricardo Salgado em que ele se mostrava realmente convencido de que a Escom tinha sido vendida".

"Para não dar em maluco, o que me interessava era o seguinte: compram ou não compram" a Escom, afirmou ainda.

"Nunca nenhum decisor político levou um tostão da Escom", garantiu Luís Horta e Costa, adiantando: "se houve corrupção, não sei… Se houve não teve nada a ver com a Escom."

A uma questão do PSD, sobre que funções desempenhou no início no GES, explicou: "Eu era um faz de tudo: atender às portas, facturas, faxes, fotocopiava." O gestor notou ainda que "o GES era todo off-shore."

"Estou um bocadinho cansado de ouvir as pessoas dizerem que não sabiam de nada", do se passava no GES, como se fosse "um bocado um jogo. Como o Sudoku", disse Luís Horta e Costa, referindo-se às declarações dos vários responsáveis do GES na CPI. "Eu na minha empresa trabalhava." 

Sobre o processo de venda da Escom revelou que no Verão de 2010 começou a ouvir falar do tema, mas era "tudo conversa de casa de banho, até mais de corredor do que de casa de banho". "E fomos postos no caminho de uma realidade: temos de passar a Escom para a Rioforte pois a venda é fundamental para o aumento de capital do BES."

Em seu entender "o GES estava convicto" desta solução, mas assegura que a gestão da Escom "nunca foi consultada" sobre o negócio ou sobre a avaliação da empresa que voltou a classificar de irrealista. "Discordámos que [a avaliação] fosse entregue ao BESI", depois "ouvi dizer que a Newbrook pagou 85 milhões de dólares de sinal" pela Escom.

"O dr. Ricardo Salgado pode ser o DDT, o responsável disto tudo, é o que quiser. Mas se as pessoas que estão a volta dele, não ficarem pela omissão, e apresentarem pontos de vista diferentes ele é capaz de ouvir. As pessoas dizem agora que não sabiam de nada, mas não por que ele não quisesse que soubessem."

Adianta uma explicação: como "ninguém" no GES "tomava decisões, ele habituou-se a tomar decisões por eles". E conta: "Sempre que me dirigia a alguém para que tomasse uma decisão, eles diziam: o melhor é ires falar com o Ricardo Salgado". (...) Não vejo ninguém, com mais capacidade do que ele".

Sobre o ex-presidente do BES observa que tem "um sentimento de admiração e de profunda desilusão: "Não sei de quem é a culpa, mas dificilmente a culpa é só de uma pessoa." "A maneira como o GES olhava para certas empresas" era com se fosse o único dono, defende Horta e Costa.

Recordou que "o GES tinha um sócio minoritário, o Hélder Bataglia [presidente da Escom e vice-presidente do BESA], mas disse duvidar "que alguma vez lhe tenham perguntado" alguma coisa, nomeadamente, sobre a atribuição de 5 milhões de euros ao Conselho Superior (CS) do GES, provenientes da comissão do negócio dos submarinos.

À deputada do BE Mariana Mortágua, Horta e Costa avançou que "ele [Ricardo Salgado] tratava a Escom como se fosse dele, mas pergunte-lhe porque é que ele" atribuiu ao Conselho Superior do GES cinco milhões de euros, e "ainda se queixou". 

Arguido no caso dos submarinos
Horta e Costa foi arguido no processo da venda de dois submarinos alemães ao Estado português que deu origem também a um inquérito parlamentar que foi inconclusivo.

Os deputados procuram agora saber detalhes sobre a venda não consumada da Escom, a empresa do GES para os negócios que não se realizam na praça pública, à empresa Newbrook do ex-presidente do BES Angola Álvaro Sobrinho. Sobrinho, que já esteve nesta comissão a prestar esclarecimentos, interveio a pedido de Ricardo Salgado, substituindo na transacção o Governo de Angola/Sonangol, e pagou um sinal de 52 milhões de euros pela Escom (entretanto desactivada) que chegou à ES Resources (a empresa do GES vendedora), suspeitando agora o Ministério Público de que parte terá entretanto desaparecido.

Quando esteve a depor na anterior comissão de inquérito à compra dos dois submarinos alemães, em 2004, pelo Governo de Durão Barroso, Horta e Costa revelou que a Escom, que prestou consultoria ao negócio, gastou 2,1 milhões de euros para constituir e gerir um fundo secreto nas Bahamas. O objectivo era ocultar o destino final da verba entregue pelo vendedor, o consórcio alemão German Submarine Consortium (GSC). "Quisemos dificultar o acesso a essa informação e esperar por uma oportunidade para regularizarmos os impostos com melhores condições fiscais", admitiu Luís Horta e Costa, administrador da Escom.

"Além disso, achámos que seria complicado que se viesse a saber que houve uma distribuição de bónus à família Espírito Santo", acrescentou. "O momento no país era diferente. Se fosse hoje, não faríamos isso."

Os alemães pagaram 27 milhões à Escom, tendo esta entregue cinco milhões aos cinco membros do conselho superior do GES (Ricardo Salgado, António Ricciardi, José Maria Espírito Santo, Mosqueira do Amaral e Manuel Fernando Espírito Santo). Já os três administradores da Escom (Luís Horta e Costa, Pedro Neto e Hélder Bataglia) e um seu consultor (Miguel Horta e Costa) terão facturado 16 milhões. Na altura, Horta e Costa, a propósito do pagamento da comissão ao CS do GES, observou: “Suponho que Ricardo Salgado tinha preponderância nas decisões tomadas no GES, mas não sei se era apenas ele ou Ricardo Salgado mais duas ou mais três pessoas, isso está muito em discussão.”

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