Charlie Hebdo esgotado. Talvez amanhã”

Semanário satírico esgotado em toda a França. Tiragem vai ser aumentada de três para cinco milhões.

Semanário esgotou rapidamente em vários quiosques de Paris
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Semanário esgotou rapidamente em vários quiosques de Paris Philippe Huguen / AFP
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Filas para comprar o Charlie Hebdo Martin Bureau / AFP
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Philippe Huguen / AFP

Uma semana depois do atentado sobre a sua redacção, nunca o Charlie Hebdo esteve tão vivo. Em poucas horas na manhã desta quarta-feira os 27 mil pontos de venda em França ficaram sem qualquer exemplar do jornal satírico. A forte procura levou o distribuidor a aumentar a tiragem para cinco milhões de exemplares.

A três euros por exemplar, a edição número 1178 do Charlie Hebdo chegou às bancas precisamente uma semana depois do ataque de dois fundamentalistas islamitas que matou nove membros da redacção. Tudo nesta edição é histórico e são muitos os franceses que querem guardar o jornal.

Pelas 8 horas (7h em Portugal continental) já eram várias as bancas sem exemplares para decepção de muitos clientes, como constataram os jornalistas da AFP e do Le Figaro. Na estação de Auber, no centro de Paris, o Charlie Hebdo aguentou dez minutos no quiosque de Sarah. “Talvez amanhã…”, lê-se num cartaz afixado.

Na Gare de l’Est, o quiosque abriu às 6h e bastaram 40 minutos para os 125 exemplares do semanário se esgotarem, conta o Le Monde. “Algumas pessoas levaram dez, cinco…”, disse a responsável. Num quiosque em frente à estação, às 6h35 ainda não tinha chegado nenhum dos 75 exemplares, mas o vendedor não estava preocupado. De qualquer forma seriam poucos os que poderia vender esta manhã. “As pessoas reservaram o seu número com antecedência, tenho 70 encomendas”, explicou ao Le MondeUm dono de um quiosque de uma estação de metro em Paris contou ao Libération que um cliente lhe pediu 70 exemplares de uma só vez. "Recusei. Se é para revender, então não vale a pena", justificou.

Numa página do Facebook sobre a compra do número especial do Charlie Hebdo trocavam-se histórias de árduas conquistas nos quiosques franceses ou lamentos por quem não conseguiu e manifesta esperança que nos próximos dias a corrida seja menos frenética.

Foram impressos três milhões de exemplares do Charlie Hebdo, mas independentemente das quantidades presentes nos quiosques franceses, a resposta parece ser sempre a mesma. “É incrível, tinha uma fila de 60, 70 pessoas à frente da loja quando abri. Nunca vi algo assim, os meus 450 exemplares esgotaram-se em 15 minutos”, contou à AFP uma vendedora.

A procura sem precedentes levou a distribuidora a anunciar esta manhã que vão ser impressos mais dois milhões de exemplares. A totalidade das receitas das vendas vai reverter para o jornal, que já antes do ataque passou por graves problemas financeiros e esteve perto de falir. Até à próxima segunda-feira, os quiosques franceses vão receber novos carregamentos de jornais, segundo o Le Monde. O objectivo é que o preço dos exemplares não seja alvo de especulação no mercado virtual. No entanto, esta quarta-feira no site de leilões virtuais eBay já havia centenas de exemplares da “edição dos sobreviventes” do Charlie Hebdo a ser comercializadas, e a elevada procura já tinha atirado o valor das licitações para cima dos mil euros.

O preço do Charlie Hebdo em banca é de três euros, mas por norma esse não era o valor base para a licitação das cópias do número 1178 no eBay: os interessados na edição histórica “Je suis Charlie” podiam ter de pagar dez, cem ou até mil vezes acima do preço de capa, conforme o desenrolar do leilão. Ao início da noite, já havia licitações que ultrapassavam os 12 mil euros.

capa do semanário foi revelada no início da semana. Uma caricatura do profeta Maomé, sobre fundo verde, com uma lágrima no olho e a segurar um cartaz com o lema das manifestações de solidariedade para com o jornal – “Je suis Charlie”. Em cima pode ler-se “Tudo está perdoado”.

O profeta do Islão é caricaturado apenas na capa, mas no interior da edição há vários desenhos de extremistas. Num dos cartoons, dois terroristas chegam ao paraíso e perguntam pelas 70 virgens, enquanto os cartoonistas mortos do jornal se envolvem numa orgia.

O editorial faz uma forte defesa da laicidade. “Não a laicidade positiva, não a laicidade inclusiva, não a laicidade não-sei-bem-o-quê, a laicidade, ponto final. Apenas ela permite, porque defende o universalismo dos direitos, o exercício da igualdade, da liberdade, da fraternidade, da irmandade”, escreveu o director Gérard Biar. O texto refere ainda a onda de solidariedade que se formou um pouco por todo o mundo após os ataques – “o Charlie está cheio de amigos” –, mas há igualmente uma condenação das posições que criticavam a postura do jornal que, por criticar o Islão, estaria a desafiar as reacções mais extremas.

Mas a marca de água de ironia do jornal mantém-se. “Desde há uma semana que Charlie, jornal ateu, conseguiu mais milagres que todos os santos e profetas reunidos”, começa Gérard Biar por escrever. “O que nos faz rir mais é que os sinos da [catedral] de Notre Dame tenham tocado em nossa honra”, lê-se ainda.

A edição especial conta apenas com oito páginas – em vez das 16 normais – e é distribuída em 25 países, incluindo Portugal, e traduzida em seis línguas, incluindo árabe e turco, algo inédito na história da imprensa francesa, nota o Le Monde. Do Reino Unido ao Japão, são mais de 300 mil exemplares do semanário que vão circular nos próximos dias. O Charlie Hebdo chega às bancas portuguesas na sexta-feira, data em que serão postos à venda 500 exemplares da edição especial, revelou a distribuidora International News Portugal à agência Lusa.

 

Notícia actualizada às 20h08 para acrescentar informação relativa à venda de exemplares do Charlie Hebdo no eBay.

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