Hospitais públicos perdem quase 700 camas num ano e privados ficam com 30% do total

Capacidade de internamento dos hospitais privados é neste momento igual a metade da que existe no Serviço Nacional de Saúde. Sector já faz 13% das urgências de todo o país, 30% das consultas e 20% dos internamentos.

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A região de Lisboa e Vale do Tejo vai ter disponíveis 135 novas camas na área dos cuidados continuados Nelson Garrido

Com a progressiva redução de camas nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e a expansão e inauguração de mais unidades privadas, 30% das camas disponíveis para internamento nas instituições de saúde de todo o país estão já nas mãos do sector privado, que consegue ter agora o equivalente a metade da capacidade de resposta dos hospitais públicos. De acordo com os dados da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP), os seus hospitais contam com mais de 9000 camas e os números da Administração Central do Sistema de Saúde apontam para que o sector público somasse em Setembro do ano passado uma lotação de 20.857 camas, quando em igual período de 2013 tinham 21.546 – o que corresponde a uma quebra de 689 vagas no espaço de um ano.

O presidente da APHP confirma ao PÚBLICO que “todos os parceiros privados registaram um crescimento assinalável em 2014” e atribui parte da oportunidade de melhoria “às reformas que o Serviço Nacional de Saúde sofreu”. No entanto, para Artur Osório, o sucesso da oferta privada deve-se, sobretudo, a uma conjugação de palavras: liberdade de escolha. “O cidadão hoje é cada vez mais cioso de poder decidir e de não estar sujeito às redes definidas”, diz, numa altura em que como também presidente do Grupo Trofa Saúde se prepara para inaugurar nesta segunda-feira mais uma unidade com 100 camas: o Hospital Privado de Gaia. Do lado dos profissionais de saúde, considera que o comportamento também é diferente quando estão nas unidades privadas, “pois são vistos como parceiros e o efeito da cenoura ainda é importante e estimulante”.

Em termos globais, os dados de 2014 ainda não estão fechados e a recolha dos números “precisa de ser afinada”, mas a APHP estima que o sector privado conte já com 50 unidades com categoria de hospital e mais de 100 se incluirmos os hospitais sem internamento. Entre os maiores grupos de saúde do país está a José de Mello Saúde com 1430 camas, seguida pela ES Saúde com 1179 camas, a Lusíadas Saúde com mais de 740 e o Grupo Trofa Saúde, que passa a partir desta segunda-feira a deter mais de 500 camas.

No total, somada toda a actividade privada, o sector já atende um milhão de urgências por ano (o que corresponde a 13% do total do país), dá mais de cinco milhões de consultas (30% do global do país), interna 200 mil doentes (quase 20% do total) e gera uma facturação na ordem dos 1,5 mil milhões de euros anuais. No entanto, no que diz respeito ao número de camas, Artur Osório ressalva que nem todas estão abertas e que a oferta é ajustada à procura em cada momento. “Ao contrário do sector público nós abrimos as camas em função da procura, de forma gradual, o que torna tudo mais racional. O ambulatório começa a funcionar em pleno muito mais cedo e o internamento é sempre gradual no crescimento”.

A presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares, Marta Temido, ressalva que “a capacidade de resposta dos serviços de saúde cada vez menos deve ser avaliada à luz do número de camas disponíveis”, sobretudo tendo em consideração que há efectivamente cada vez mais procedimentos feitos em ambulatório e sem recurso a internamento do doente. Para Marta Temido o olhar deve concentrar-se nas “ofertas a montante e a jusante”, isto é, nos cuidados primários de saúde e na oferta de cuidados continuados – e é nestes campos que considera que a resposta pública pode ser melhorada para retirar pressão desnecessária dos serviços hospitalares.

Ainda assim, a administradora hospitalar alerta que a redução de camas nos hospitais públicos, na ordem das quase 700 no período de um ano, tem “sido uma mera resposta a razões economicistas”, insistindo que as camas de agudos que estão a ser fechadas nem sempre são as que estavam de facto a mais, lamentado que com estas falhas o sector privado acaba por sair favorecido, “como se vê pelo consecutivo aumento do número de camas”. Marta Temido lembra também que, neste campo, Portugal conta com menos camas que outros países. Aliás, de acordo com os dados da OCDE, o país tinha em 2011 um total de 337,9 camas por cada 100 mil habitantes, quando na média da União Europeia o valor estava nas 535,2. A liderar a tabela surgia a Alemanha, com 829,9 camas por cada 100 mil habitantes, seguida pela Áustria e Bélgica. Na causa da tabela surge a Irlanda, Reino Unido e Suécia, esta última com pouco mais de 270 camas.

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