“Quando eu sair fingirão que não me conhecem”, vaticinou Jardim

Novela da sucessão começou em 1982. Jardim ficou 14.030 dias na liderança do PSD e quase 37 anos na chefia do governo, batendo o recorde de Salazar.

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Jardim no congresso regional do PSD na Madeira Daniel Rocha

Alberto João Jardim apresenta esta segunda -feira o pedido de demissão do governo Regional da Madeira, o segundo oficialmente formalizado, embora em 2007 tenho sido para provocar a antecipação de eleições regionais e reforçar a sua maioria em desagregação.

Mas, entre avanços e recuos, é a décima terceira vez, desde 1982, que promete deixar o cadeirão da Quinta da Vigia, onde, a ser aceite a exoneração, permanecerá em gestão corrente por mais dois ou três meses, até à entrada em funções do novo executivo.

Entretanto, alguns dos delfins que lançou e trucidou por ingenuamente se atreverem a entrar na corrida à sucessão, já atingiram a reforma. E quer Miguel de Sousa quer Cunha Silva podem acompanhar Jardim no gozo da subvenção vitalícia a que têm direito, mesmo em acumulação com o vencimento de algum cargo político que possam continuar a exercer, uma das peculiaridades do regime de excepção em que a Madeira viveu sob a chefia de Jardim, para tal contando com a complacência das instituições da República que sucumbiram as desvarios do líder madeirense, designado “o mestre do insulto” pelo jornal espanhol El Mundo.

Para justificar os anteriores adiamentos da saída, Jardim invocou dificuldades políticas de momento. Para prosseguir na “luta democrática e autonomista”, o político insular alegou o “período complexo e difícil da construção europeia, com particulares repercussões na ultraperiferias da Europa”; o regime político da III República que “não serve aos portugueses, dada a sua corporização em detrimento dos efeitos pela soberania popular”; a autonomia política da Madeira que, por não corresponder “ainda à pretendida”, justifica desencadear a revisão constitucional e iniciativas legais de combate anticolonialista” e, ainda, por pretender “reforçar e alargar, ainda mas, a justiça social e distributiva” no arquipélago que governa desde 1978.

Delfim só no Sporting
Em 1991, Jardim garantiu que ficaria “só mais um mandato”. Em 1998, rompeu a promessa de não se recandidatar no ano e ficou mais quatro anos “só para castigar a oposição de esquerda” que queria a sua saída. Também para “castigar” os seus companheiros que se lançaram na corrida à sucessão. “Cuidado que quem der uma falsa partida será desclassificado”, avisou. “Delfim só conheço o médio do Sporting”, ironizou.

Em 2000 exortou ao eleitorado para, em sinal gratidão pela obra realizada, pedir para continuar. “Ajudei, ajudem-me”. Mas prometeu sair no penúltimo ano da legislatura. “Na altura faço 25 anos do governo e 60 anos de idade, é tempo de ter juízo”.

Passados quatro anos, Jardim disse estar “num drama: Saio ou não saio”. Mas continuou, alegando o não pretender sair à Cavaco Silva ou à Mota Amaral.

Em 2007, demite-se da chefia do governo, em protesto contra a nova lei de finanças regionais aprovada por José Sócrates, e provoca eleições antecipadas que transformou num plebiscito contra a asfixia financeira  imposta pelo poder “colonialista de Lisboa”. Apesar de recuperar a maioria absoluta, entra depois em curva descendente: entre as eleições regionais antecipadas de 2007 e as autárquicas de 2013, em que perdeu sete de um total de 11 municípios com que dominava o poder local, a votação dos sociais-democratas caiu para quase metade, ao passar dos 90 mil para 47 mil votos.

“Com milhões faço inaugurações, com inaugurações ganho eleições”. Por ironia do destino, as suas últimas inaugurações foram de obras financiadas pela lei de meios (financeiros) aprovada pelo governo de José Sócrates, depois do “basta” ao regabofe das contas públicas regionais para apoiar as vítimas e recuperar equipamentos danificados pelo temporal de 2010. Com a falta de milhões e acossado pelo plano de resgate imposto por Lisboa para travar o excessivo endividamento da região, Jardim não teve outra saída. A saída da Rua dos Netos e da Quinta da Vigia.

Jardim esteve 14.030 dias na liderança do PSD na Madeira. No dia da eleição do seu sucessor, completou 38 anos e 15 dias à frente do partido que governa a região desde 1976.

Há quatro décadas
Jardim foi eleito presidente da comissão política regional do então PPD a 21 de Agosto de 1976, quase um ano depois da sua adesão, internamente pouco pacífica, à estrutura regional do partido, ocorrida após a retumbante vitória (61,9%) dos sociais-democratas nas primeiras eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975. A facção da Frente Centrista, por si liderada, integrou-se no partido e assumiu a sua direcção regional, afastando sociais-democratas que tinham aderido desde a primeira hora à força política fundada por Sá Carneiro.

Afastado temporariamente por divergências internas, Jardim regressou a tempo de integrar a lista de candidatos a deputados nas primeiras legislativas regionais, disputadas a 27 de Junho de 1976. Ascendeu logo a líder do grupo parlamentar e, dois meses depois, a presidente do partido. Só a 17 de Março de 1978 assumiu a chefia do governo, sucedendo a Ornelas Camacho.

Está, portanto, a dois meses de completar o tempo recorde nacional de 37 anos no poder, ultrapassando o tempo de Oliveira Salazar que esteve de 36 anos e 84 dias como chefe de um governo, e, já com eleições livres, de Cavaco Silva, o primeiro-ministro com mais tempo no cargo, com nove anos e 356 dias.

 “Quando eu sair fingirão que não me conhecem”, vaticinou um dia com amargura.

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