Os que morreram

Philippe, Ahmed, Frédéric, Elsa, Michel, Bernard, Franck e Mustapha são os outros mortos do ataque contra o Charlie Hebdo. Retratos das 12 vítimas.

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Por todo o lado multiplicam-se as homenagens às vítimas GENT SHKULLAKU/AFP

Cabu
Desenhador e caricaturista, Jean Cabut faria 77 anos no dia 13 e afirmava-se politicamente à esquerda. Apaixonado pelo jazz – era a única música que ouvia , cumpriu o serviço militar na Argélia e não comia carne. Membro da equipa do Charlie Hebdo desde a sua fundação, em 1970, também publicou nas revistas Hara-kiri Hebdo (a precursora do Charlie Hebdo) e Pilote, onde criou em 1963 uma das suas mais bem conhecidas personagens, Le Grand Duduche, um jovem utópico de jeans e óculos redondos. Pacifista e antimilitarista como o seu autor. Trabalhou também na televisão e desenhou capas de álbuns, tendo editado o seu trabalho em mais de duas dezenas de livros. Era também autor de reportagem em banda desenhada. Foi no Charlie Hebdo que se focou na caricatura política, tendo colaborado ao longo da sua carreira com os principais diários franceses, do Le Monde ao France Soir, passando pelo Le Figaro e por publicações como o Nouvel Observateur ou a revista Rock & Folk. Tinha “um golpe de lápis sem igual que lhe permitia caricaturar com uma facilidade desconcertante qualquer personalidade”, como o descreveu quarta-feira o Le Monde. “Deixa um vazio aberto no mundo dos ilustradores da imprensa.”


Georges Wolinski
A sua mãe era franco-italiana e o pai um judeu polaco. Nasceu em Tunes e mulheres e sexo eram os traços identitários do trabalho de Wolinski, visita constante da cidade do Porto, cidadão honorário da Porto Capital do Cartoon. Começou a desenhar na revista Action, mas na sequência do Maio de 1968 fundou com o cartoonista francês Siné o jornal de curta vida L’Enragé. Colaborou com o Nouvel Observateur e ainda fazia parte da equipa da Paris Match. Esteve na Hara-kiri Hebdo e também escreveu para o cinema. Editou vários álbuns, tendo lançado em Setembro de 2014 o seu último livro, que foi também o seu primeiro romance gráfico – Le Village des femmes, editado pela Le Seuil. Recebeu o Grande Prémio de Angoulême em 2005, algo que provocou discussão. “Eu próprio não sei se sou um verdadeiro autor de BD. Comecei pela banda desenhada (nos anos 60 fiz La Reine des Pommes, a partir de um livro de Chester Heims), mas depois tornei-me desenhador de imprensa por acaso”, disse Wolinski ao PÚBLICO na altura. Era assim que se definia. E sabia bem o que era o humor e uma boa piada. “Um bom desenho tem de fazer rir, mas também tem de obrigar os leitores a pensarem, depois de se rirem: ‘Ele tem razão.’”
Ao PÚBLICO disse também em 2009: “Na verdade, não há nem humor francês, nem humor judeu, nem humor americano. Há só o humor, and humour is the same everywhere.”

Tignous
Todos os seus colaboradores, como escreveu na quarta-feira o diário francês Le Figaro, o descreviam como “terno mas mordaz”. Bernard Verlhac, aliás "Tignous", era também colaborador da revista Marianne e era um devorador de notícias, um ponteiro sempre atento à actualidade. Fazia cobertura de acontecimentos lado a lado com os redactores – um dos seus trabalhos editados em livro é exactamente a compilação do acompanhamento diário do caso Colonna, um militante independentista corso que assassinou um prefeito (equivalente a um governador civil) da Córsega. Trabalhou também no segmento dos comics, sendo autor de oito álbuns editados. Tignous tinha um pseudónimo que homenageava a avó – “pequeno tinhoso” era o que lhe chamava.


Charb
Stephane Charbonnier era director do Charlie Hebdo desde 2009. Descontente com a proximidade do seu antecessor com o poder, o ilustrador e cartoonista rompeu com a sua herança e afirmou-se sempre um autor sem medo. Tinha duas personagens de uso frequente: o cão Maurice e o gato Patapon, unidos pelo seu anticapitalismo e pelas piadas a puxar à escatologia. O seu traço distintivo eram as personagens de tez amarela e olhos esbugalhados e moral a condizer. Odiava cigarros e também não tinha grande apreço por Nicolas Sarkozy. O seu último cartoon fez-se de uma figura amarela, com os olhos esbugalhados e desencontrados, vestido como um guerrilheiro e que atentava, perante a verdade que o titulava, “Ainda não houve atentados em França”: “Esperem, temos até finais de Janeiro para dar os votos de ano novo.” Acreditava que todas as religiões, e as respectivas piadas sobre as mesmas, devem ser banalizadas. 

Honoré
Philippe Honoré tinha 73 anos e era conhecido pelo seu apelido. Era seu o último cartoon que o Charlie Hebdo partilhou na sua conta de Twitter antes do ataque dos homens armados à redacção do jornal satírico. Era o menos conhecido dos cinco desenhadores de imprensa vitimados e foi encontrado com vida, mas a gravidade dos seus ferimentos acabou por causar a sua morte. Um “artista imenso”, como titula a revista Paris Match, que trabalhou com o Le Monde, o Libération, a revista Les Inrockuptibles ou o Hara Kiri que viria a dar lugar ao Charlie Hebdo. Autodidacta, publicou pela primeira vez aos 16 anos, sendo seus os traços a preto e branco que criavam ambientes sombrios e dichotes como aquele com que se despediu: o líder do autoproclamado Estado Islâmico, o iraquiano Abu Baqr al-Baghdadi, e a sua mensagem de ano novo em que deseja “especialmente muita saúde”. Um “enraivecido, mas um enraivecido muito polido e doce” nas palavras do desenhador Plantu. Estava no Charlie desde 1992 e o seu maior prazer era “provocar prazer intelectual nas pessoas que procuram soluções". "E um prazer visual, porque tento ao máximo realizar uma verdadeira imagem que viva por si só, sem texto.”

Franck Brinsolaro
Franck Brinsolaro, de 49 anos, era o polícia encarregado da protecção do director e cartoonista Charb. Estava sentado na redacção quando os terroristas dispararam contra os cartoonistas e os jornalistas. Não teve tempo de reagir. Pertencia há muitos anos ao Serviço de Protecção de Altas Personalidades. Era casado com Ingrid Brinsolaro, jornalista editora do L'Eveil Normand, jornal da Normandia, onde tinha residência. Deixa dois filhos.

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O último cartoon de Honoré

Ahmed Merabet
Foi o polícia executado na rua. O segundo polícia a morrer. Ahmed Merabet, muçulmano de origem tunisina, tinha 42 anos. Era casado e vivia em Paris. Estava a patrulhar o 11.º bairro, onde fica o Charlie Hebdo, quando tudo aconteceu. Acorreu ao local e foi apanhado pelos terroristas. É o homem que vemos, num vídeo amador, já deitado no chão a pedir para não dispararem contra si. É atingido à queima-roupa.

Michel Renaud
O fundador do Festival de Cadernos de Viagem de Clermont-Ferrand estava na reunião de redacção do Charlie Hebdo por acaso. Não pertencia ao jornal e tinha sido convidado para estar naquele dia porque precisava de devolver a Cabu os desenhos que este lhe tinha dado para a última edição do festival, em Novembro passado. Michel Renaud tinha 69 anos e tinha sido jornalista na Europe 1 e no Le Figaro. Em 1982, aos 37 anos, mudou de profissão ao aceitar um convite para ser director de comunicação na Câmara de Clermont-Ferrand. Reformou-se em 2010 e, conta o Le Monde, sendo um “viajante insaciável”, dois dias depois embarca com a mulher e o filho numa viagem de um ano pela Ásia Central. Gérard Gaillard, co-organizador do festival de Clermont-Ferrand, estava também na reunião, mas deitou-se no chão na altura em que os terroristas dispararam e salvou-se.

Elsa Cayat
A psicanalista Elsa Cayat foi a única mulher vítima do atentado contra o Charlie Hebdo, onde escrevia, duas vezes por mês, uma crónica chamada O Divã de Charlie. É também autora dos livros Un homme+Une femme=Quoi? sobre as relações entre os dois sexos, e Le désir et la putain, com Antonio Fischetti.

Mustapha Ourrad
Nascido na Cabília, Argélia, Mustapha Ourrad era copydesk no Charlie Hebdo, depois de ter trabalhado numa editora e noutros jornais. Ficou órfão cedo e viajou para França quando tinha 20 anos, numa viagem paga com o dinheiro reunido pelos amigos. O Le Monde descreve-o como autodidacta e também como um “homem discreto que impressionava os amigos pela sua cultura, nomeadamente no que dizia respeito aos filósofos, e a Nietzsche em particular”.

Bernard Maris
Chamava-se Tio Bernard a coluna que o jornalista e economista Bernard Maris escrevia todas as semanas no Charlie Hebdo. Para além desta colaboração, Maris era também membro do conselho geral do Banco de França e professor na Universidade de Paris-VIII, depois de ter passado pela Universidade do Iowa, nos Estados Unidos e pelo banco central do Peru. Figura habitual na televisão, participava em debates sobre questões económicas e era conhecido pelas suas posições antiglobalização. Maris era também autor de um livro sobre o economista John Maynard Keynes. Em 2002 tinha sido candidato nas legislativas pelo partido Os Verdes.


Frédéric Boisseau
Estava na recepção do Charlie Hebdo quando os terroristas entraram. Terão disparado imediatamente contra si antes de subirem à recepção onde estava a acontecer a reunião semanal do jornal. Era ali que trabalhava há 15 anos, responsabilizando-se pela manutenção do edifício. Tinha 42 anos. Era casado e pai de duas crianças de 10 e 12 anos.
 

Notícia corrigida às 15h21

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