O regresso do medo numa Europa com medo

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Esta quarta-feira os europeus acordaram para uma nova estirpe de terrorismo islâmico que não viram chegar, pelo menos em todas as suas dimensões. Ainda não se sabe ao certo qual foi a organização que cometeu o atentado contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo, a não ser a sua natureza islâmica.

A irreverência do semanário francês sobre o Islão (ou outra religião qualquer, incluindo a católica) fizera dele um alvo de muitas ameaças. Em 2011 a sua sede foi vandalizada. Esta quarta-feira, em Paris, o estado de choque não impediu que muita gente fosse para a rua defender a liberdade de expressão. O mesmo já tinha ocorrido quando um grande diário dinamarquês resolveu publicar, em Setembro de 2005, 13 caricaturas de Maomé. Houve manifestações da comunidade islâmica em Copenhaga. Os protestos ocuparam a rua árabe nos países do Norte de África. Bandeiras foram queimadas e algumas representações diplomáticas da Dinamarca atacadas. Numa Europa onde vivem grandes comunidades de origem islâmica, houve um intenso debate sobre se valia a pena pagar um preço político tão elevado em nome da liberdade de expressão.

Foi um debate sem conclusões legais, como acontece nas democracias. Nessa altura, ainda se sentiam as ondas de choque do 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, do 11 de Março de 2004 em Madrid e do 7 de Julho de 2005 em Londres, com as duas guerras de Bush e o debate sobre a melhor maneira de conseguir equilibrar segurança e liberdade. Hoje, já ninguém estranha a nova normalidade que passou a vingar nos aeroportos ou noutros pontos vulneráveis. As forças de segurança adaptaram-se, evitando um número elevado de atentados, dos quais nem sequer houve notícia. O medo foi ficando para trás.

Agora, é uma outra forma de terrorismo islâmico que desafia as democracias europeias. A Al-Qaeda transformou-se em pequenas “Al-Qaedas” nacionais e regionais que agem no Médio Oriente, no Magrebe ou na África subsariana. Por um tempo, as primaveras árabes fizeram-nas esquecer. A ameaça surge agora também sob a forma do Estado Islâmico, que irrompeu com uma violência extrema no Iraque e na Síria, ocupando o território do alegado califado, munido de uma forma de propaganda mais sofisticada, dirigida às opiniões públicas ocidentais. As decapitações em directo chocaram o mundo. O apelo aos jovens jihadistas europeus para que se juntem à jihad, no Iraque ou no seu próprio país, anunciou uma nova forma solitária e artesanal (os “lobos solitários”) de terrorismo. O atentado de Paris deu uma nova dimensão a esta ameaça. Pode ser brutal e visa alvos específicos, mais uma vez destinados a multiplicar o seu efeito. É mais difícil de controlar ou de impedir. É ideal para lançar o medo. Apanha a Europa na sua pior fase para resistir. Hoje, na Alemanha ou na França, na Suécia ou na Dinamarca ou na Holanda, crescem os movimentos e os partidos xenófobos, quase todos visando directamente a imigração islâmica. Na Alemanha, nos últimos dias, assistimos a uma forte mobilização de cidadãos que foram para a rua desafiar o novo movimento anti-islâmico que nasceu em Dresden e se espalhou por outras cidades. Hoje, os seus organizadores vão dizer: quem é que tinha razão?

Mais uma vez, a Europa é confrontada com a defesa dos seus princípios e do seu modo de vida. Desta vez, em circunstâncias bem mais difíceis.

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