“Porque nos querem fazer mal?”, pergunta-se nas ruas de Paris
No quarteirão onde o jornal Charlie Hebdo tem a sua sede, a vida poderia continuar como se nada se tivesse passado. Mas Paris está paralisada de medo.
Na esquina da Rue Nicolas Appert há quase tantas câmaras de televisão quanto jornalistas, os únicos autorizados a passar o cordão policial que cerca a rua onde o jornal satírico Charlie Hebdo tem sede. Mas junto à grade de segurança uma mulher espera por mais explicações do que as que o porta-voz da polícia vai transmitindo aos jornalistas e que repetem aquilo que já há várias horas se sabe: “um ataque terrorista”, como disse François Hollande, “como a França não merece”, acrescenta Emmanuel Quemener, visivelmente emocionado.
Sem se querer identificar, a mulher diz que espera pela sobrinha, de seis anos, que está na creche em frente ao edifício do jornal. A polícia não avançou com informações relativamente à saída das crianças de uma das quatro creches que existem à volta da rua. “Moro aqui na zona e estou paralisada de medo”, diz ao PÚBLICO. Está à espera há mais de uma hora, desde que a irmã viu na televisão o que se estava a passar. E apesar de há já algum tempo não serem perceptíveis movimentos na rua, é ainda assustada que acrescenta: “Do outro lado da rua, no seguimento, há ali uma ponte que atravessa a avenida e que está cheia de sangue.” A mulher não sabe porque não viu as notícias, mas esse sangue é do polícia que foi baleado na perna e depois, à queima-roupa, na cabeça. “Isto não foi uma coincidência”, ouve do porta-voz da polícia e pergunta-nos: “Mas porque nos querem fazer mal?”
As mais de vinte ambulâncias que ocupam a Avenida Richard Lenoir, desde a Praça da Bastilha até à Passagem de Saint-Anne Popincourt, não têm autorização para sair e os jornalistas de várias nacionalidades que vão relembrando os factos tentam saber mais informações, sem sucesso. É das redacções que lhes vão chegando as notícias que vão partilhando. A polícia começou entretanto a inspeccionar os restantes edifícios de uma rua banal, que nunca tem grande trânsito e onde é proibido jogar à bola, apesar dos passeios largos.
À volta do quarteirão, e não fosse a presença dos jornalistas e as sirenes de algumas ambulâncias que sobem a Avenida Beaumarchais, não haveria nada a registar. Apesar do metro interrompido na estação de Richard-Lenoir, na Rue Saint-Sains, os restaurantes estão abertos, a galeria de arte prepara a próxima exposição, a gráfica tem as portas abertas. À porta de uma outra escola, uma das educadoras fuma um cigarro. Diz-nos que “as crianças estão calmas, não sabem o que se passou e só perguntam porque não podem ir para o pátio”. Deram-lhes o almoço na sala de aula e disseram-lhes que se tratava de um jogo. Ninguém saiu da escola e, para já, os pais foram avisados de que não precisam de os ir buscar. Mas a polícia que interdita o acesso na Rua Saint-Sains diz que se estão a preparar para “passar ali a noite toda”. São 14h25 mas “vai ser a noite toda”, repete.
Há quem ainda esteja na varanda dos prédios em frente, de câmaras de televisão e perches de som apontadas à entrada do jornal, à espera de mais desenvolvimentos. E se do canto mais afastado do n.º 10 da Rue Nicolas Appert a polícia vai fazendo pontos da situação, mais perto, a mesma polícia diz não ter nada para dizer e pede aos jornalistas que abandonem a rua. Há mais mulheres que esperam autorização para ir buscar os filhos ou sobrinhos e uma que diz: “Não saberia o que fazer se fosse comigo. Acho que me matavam por não saber o que fazer.”
“É preciso, é preciso, é preciso”, diz uma outra parisiense, mais à frente, no quiosque da Praça da Bastilha onde comprou os últimos quatro exemplares da última edição do Charlie Hebdo. “Isto é um atentado contra todos nós. Isto é um atentado contra toda a França.”