Cocaína ganha terreno entre "consumidores problemáticos"

Em 2013 houve um recorde de processos de contraordenação por consumo ou posse de drogas, revela relatório que será apresentado nesta quarta-feira na Assembleia da República.

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A cocaína é a droga mais referida por quem procura pela primeira vez uma comunidade terapêutica Daniel Rocha

Em cada mil portugueses entre os 15 e os 64 anos, sete são “consumidores recentes” de pelo menos um destes tipos de substâncias psicoactivas: opiáceos, cocaína, anfetaminas ou metanfetaminas. E, por isto, levam o carimbo de “consumidores problemáticos”. Há uma tendência para a diminuição destes utilizadores recentes, de alto risco. Mas há também uma novidade: “Pela primeira vez, o número de consumidores problemáticos de cocaína é maior do que os de heroína.”

Quem assinala a mudança é Manuel Cardoso, subdirector-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), em declarações ao PÚBLICO, a propósito da apresentação do relatório anual A Situação do País em Matéria de Drogas e Toxicodependências — 2014. A apresentação acontece nesta quarta-feira de manhã, na Assembleia da República.

Com a perda de terreno da heroína, ganha protagonismo a cocaína, mostram as estimativas feitas pelo SICAD — e que são referentes a 2012. O chamado “consumo de alto risco de cannabis” também foi medido. Resultado: sete em cada mil habitantes encaixam no perfil de consumidores regulares com risco elevado.

O relatório inclui outros indicadores mais recentes — de 2013, no máximo — no que diz respeito, por exemplo, ao capítulo do tratamento da toxicodependência. “No ambulatório da rede pública estiveram em tratamento 28.133 utentes, inscritos como utentes com problemas relacionados com o uso de drogas”, lê-se numa síntese disponibilizada aos jornalistas.

No ano anterior tinham sido pouco mais de 29 mil. O número dos que iniciaram tratamento em 2013 também baixou (neste caso, uma descida maior, de cerca de 30%).

Cannabis leva a tratamento
No que diz respeito a internamentos nas redes pública e licenciada, registaram-se 1631 internamentos em Unidades de Desabituação e mais de 3500 em Comunidades Terapêuticas.

A cannabis foi a droga mais referida pelos que procuraram pela primeira vez os serviços de ambulatório e a cocaína já é a que predomina nos que buscam as Comunidades Terapêuticas públicas. Acrescenta o relatório do SICAD: “Nos últimos três anos, face aos anos anteriores, verifica-se um aumento nas proporções de utentes que referem a cannabis e a cocaína como drogas principais.”

Por outro lado, e sobretudo nos quatro últimos anos, “constata-se uma maior heterogeneidade nas idades dos utentes que iniciaram tratamento no ambulatório, com um grupo cada vez mais jovem de novos utentes e, outro, de utentes readmitidos, cada vez mais envelhecido”, acrescenta. “Face a esta heterogeneidade dos perfis demográficos e de consumo dos utentes em tratamento, é essencial continuar a reforçar a diversificação das respostas.”

A mortalidade relacionada com o consumo de drogas é outro dos aspectos em geral abordados nestes relatórios. Dados de 2013: 184 óbitos contabilizados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal com a presença de pelo menos uma substância ilícita e com informação sobre a causa de morte; destes, 22 mortes por overdose (29 em 2012). “Entre as substâncias detectadas nestas overdoses, estavam presentes opiáceos em 46% dos casos, seguindo-se-lhe a cocaína (36%) e a metadona (27%). É de notar, enquanto tendência emergente, embora ainda com valores residuais, a ocorrência de overdose com a presença de drogas sintéticas.”

Número recorde de processos
Desde Novembro de 2001 que a aquisição, a posse e o consumo de drogas deixou de ser considerado crime em Portugal. O consumo continua, contudo, a ser um acto punível por lei constituíndo uma contraordenação social. Ou seja, foi descriminalizado mas não despenalizado. Quem é abordado pelas forças de segurança a comprar, na posse ou a consumir substâncias psicoativas ilícitas é encaminhado para uma comissão de dissuasão e a sua situação avaliada. A lei prevê várias medidas e sanções, que têm como objectivo a dissuasão do consumo. Mas se a pessoa já tem um processo de contraordenação pode ver as medidas a que está sujeita serem agravadas (por exemplo, tendo de prestar trabalho a favor da comunidade, ou tendo de pagar uma multa).

O relatório que hoje é apresentado mostra que em 2013 foram instaurados 8729 processos, o valor mais elevado desde 2001. Regista-se, de resto, “nos últimos dois anos, um significativo aumento da capacidade decisória em relação aos anos anteriores, tanto mais relevante considerando que o número de processos em 2013 atingiu o valor mais elevado desde 2001”.

Entre as decisões proferidas “predominaram as suspensões provisórias dos processos de consumidores não toxicodependentes (70%), seguindo-se-lhes as suspensões dos processos de consumidores toxicodependentes que aceitaram submeter-se a tratamento (12%)”.

Droga mais potente
As apressões feitas ao longo do ano são também analisadas. Em 2013, uma vez mais o haxixe foi a substância com o maior número de apreensões (3087) e, reforçando a tendência iniciada em 2005.

As análises às substâncias apreendidas mostram que a potência (% THC) média da cannabis, e em particular da cannabis resina, tem vindo a aumentar nos últimos anos, atingindo em 2013 os valores médios mais elevados desde 2005 — o que significa que ela tem hoje uma potência psicotrópica mais elevada do que era tradicional.

Por fim, o número de reclusos condenados ao abrigo da Lei da Droga subiu em 2013 (mais 2% do que em 2012). Havia 2290 indivíduos nesta situação, que representavam 24% do universo da população reclusa condenada.

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