A “conversão” de Alexis Tsipras

O líder do Syriza é aparentemente um revolucionário em vias de sucumbir ao “choque da realidade”.

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A coligação de Tsipras tem estado à frente nas sondagens John Kolesidis/ Reuters
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Bruxelas e Berlim depressa digeriram o “terramoto” das eleições europeias de 2014, marcadas pela ascensão dos populismos e pela vitória de Marine Le Pen em França. Eram eleições propícias ao “voto de protesto”. Este ano, haverá eleições legislativas – assunto mais sério. Em Atenas e Madrid, dois partidos anti-sistema, Syriza e Podemos, ameaçam provocar novos “terramotos” no quadro europeu. Na Grã-Bretanha, haverá uma votação decisiva: o que de facto está em jogo é a pertença do Reino Unido à União Europeia. As perspectivas são tais que o Financial Times chegou a admitir uma coligação entre conservadores e trabalhistas para travar a ascensão dos populistas do UKIP. Haverá também eleições no Norte – na Dinamarca ou na Finlândia – em que a extrema-direita eurocéptica ameaça ganhar terreno.

Aqui, ocupamo-nos da Grécia. As eleições legislativas foram antecipadas para 25 de Janeiro e logo provocaram alarme. Não tanto pela Grécia em si mesma, mas pelas implicações europeias de uma possível vitória do Syriza, que tem como bandeira a renegociação da dívida grega – quase toda detida por Estados europeus e pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira. Os países do Norte, a começar pela Alemanha, opõem-se a este desígnio. Atenas poderia contar com um apoio discreto da Itália e da França. Mas, em caso de fracasso da negociação, que saída prevêem o Syryza e o seu líder, Alexis Tsipras? Resignarem-se ao statu quo ou suspender o pagamento do serviço da dívida, porta aberta para o “Grexit”, a saída do euro? Tanto à UE como a Atenas interessa uma solução negociada.

Os cenários de caos são, em grande medida, uma forma de pressão sobre o eleitorado grego. Mas o passado recente aconselha a não menosprezar os efeitos da escolha dos eleitores. De resto, o resultado das eleições está ainda em aberto, apesar da actual vantagem do Syriza nas sondagens.

A mutação do Syriza
O economista e deputado George Stathakis, conselheiro de Tsipras, fez uma digressão europeia para explicar que “o partido de hoje já não é o de 2012”. Declarou ao Libération que, após ter defendido a saída do euro, o partido resolveu a questão: “Permaneceremos na zona euro. (...) Queremos negociar uma redução da dívida com as autoridades europeias para a tornar sustentável.” Explica que não é uma ideia revolucionária, mas também defendida pelo actual Governo conservador de Antonis Samaras.

O Syriza é um “conglomerado” de antigos esquerdistas, eurocomunistas, ecologistas ou trotskistas. Transformou-se em partido após as eleições de 2012. A sua origem remonta ao partido Synaspismos (Coligação), herdeiro dos comunistas do interior, opostos ao pró-soviético Partido Comunista Grego, ainda hoje estalinista.

Sob a liderança de Tsipras, cavalgou o descontentamento dos anos traumáticos de 2010-12, defendendo posições antieuropeias. Com o tempo, à medida que se transformava numa força poderosa, assumiu uma postura “realista”. Grupos radicais antieuro abandonaram-no. Nas legislativas de 2012 obteve 26,9% dos votos e venceu, depois, as europeias de 2014.

O Syriza não é hoje nem antieuropeu nem antieuro, como Beppe Grillo ou Marine Le Pen. Em Setembro, aprovou em Salónica um novo programa em que deixou de falar em revolução socialista e centrou a sua política na crítica do modelo económico da troika.

O problema do Estado
Algumas das suas propostas – aumento do salário mínimo, criação de 300 mil postos de trabalho subsidiados ou a revogação das leis de austeridade de 2010 – provocam “desconforto” em Bruxelas. Em contraponto, propõe-se acelerar a reforma do Estado, que nem o Pasok, de Georgios Papandreou, nem a Nova Democracia, de Samaras, mostraram interesse em fazer: os dois partidos são a coluna vertebral do sistema clientelar grego.

“É preciso parar de destruir a sociedade grega e concentrarmo-nos na reforma do Estado e na luta contra a burocracia”, declara Stathakis. Não é uma ideia nova. “A crise grega é, antes de mais, a crise do Estado grego e da sua legitimidade”, escreveu em 2012 o historiador Anastassios Anastissiadis. O problema da Grécia não é apenas económico. “É político e cultural. O sistema político é o primeiro responsável pela crise que assola a Grécia”, observou o economista Panayotis Ioakeimidis.

Segundo esta óptica, a UE e a troika enganaram-se duas vezes: não souberam diagnosticar o “problema grego” e concentraram-se na “terapia”. Em 2010, a lógica de “punição” imposta por Berlim acelerou o contágio aos “elos fracos” da zona euro. Depois, esperaram resultados rápidos. Pensando apenas a economia, menosprezaram a natureza do Estado grego, o que perverteu as próprias medidas de austeridade. Os Governos resistem a fazer reformas que encontram a poderosa resistência das suas clientelas. O Estado grego não funciona como os outros. É isto que falseia e torna demagógicas as comparações com países como Portugal, Espanha ou Itália.

O “choque da realidade”
Que credibilidade merece a “conversão” de Tsipras? Aparentemente, é um revolucionário em vias de sucumbir ao “choque da realidade”. Defendeu o “regresso à dracma” e a suspensão unilateral do reembolso da dívida. Acreditou que um default unilateral grego poderia fazer implodir a zona euro e que tal seria uma “arma atómica” para obter resposta às suas reivindicações. Desiludiu-se. Pôr em causa o euro seria também um suicídio político num país onde 75% da população está ressentida com a Europa, mas quer desesperadamente permanecer na moeda única.

Em 2015, Atenas precisará de financiamentos na ordem dos 25 mil milhões de euros e sabe que os não obterá nos mercados. Depois, no caso de vencer, Tsipras não poderá governar sozinho. Terá de formar uma coligação e negociar com a Europa... e os credores.

Aqui, tem algo a seu favor: o clima político e social europeu que vai condicionar todas as eleições do ano. A conjugação entre as crises dos sistemas políticos e a depressão económica incentivam os populismos e a radicalização política.

Os governantes europeus vão ser obrigados a pensar muito depressa naquilo que não quiseram ouvir nas europeias de Maio de 2014.

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