Líbano impõe vistos na fronteira para limitar número de sírios no país

Beirute garante que não vai expulsar ninguém, mas os refugiados temem pelo seu futuro. Entre os seis tipos de vistos e autorizações de permanência previstos nenhum refere a palavra “refugiado” ou a possibilidade de pedido de asilo.

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No vale de Bekka, junto à fronteira com a Síria, centenas de milhares de sírios viviam em acampamentos improvisados Mohamed Azakir/Reuters

Os diferentes partidos libaneses, divididos entre o seu apoio a Bashar al-Assad e a simpatia com a revolução contra o regime xiita, nunca chegaram a um consenso sobre uma forma de lidar com os refugiados. Entretanto, há 1,1 milhões de sírios registados pela ONU no país; ao todo, serão perto de 1,5 milhões – e o Líbano, com 4 milhões de habitantes, tornou-se, per capita, no país com mais refugiados do mundo. Esta segunda-feira, os sírios passaram a precisar de vistos para entrar no país.

Evocando a experiência palestiniana, cujos campos abertos em 1948, com a criação de Israel, nunca mais desapareceram (neles vivem hoje 400 mil pessoas, na maioria descendentes dos refugiados originais), as autoridades de Beirute recusaram desde o início da crise abrir campos de refugiados. O resultado é que os sírios vivem ainda em piores condições do que muitos dos que fugiram para a Turquia ou para a Jordânia, em campos improvisados, ocupando edifícios abandonados ou em casas sobrelotadas.

Como acontece nos outros países aos que não cabem nos campos, muitos tornaram-se pedintes ou são explorados por libaneses que lhes pagam menos do que pagariam a trabalhadores locais.

Em Outubro, o Ministério dos Assuntos Sociais anunciou que o Líbano “deixou de receber oficialmente sírios deslocados”, uma decisão que abria excepções humanitárias. “O objectivo é impedir os sírios de se refugiarem no Líbano” e “regular de forma mais séria as entradas”, explicava então o ministro, Rashid Derbas.

“Há 1,5 milhões de sírios no Líbano, incluindo 1,070 refugiados registados”, afirmou esta segunda-feira o ministro do Interior, Mouhad Machnouk, citado pelo jornal libanês Daily Star. “Este número é suficiente e o Líbano não tem capacidade para receber mais refugiados”, disse Machnouk, assegurando que a porta continua aberta para “motivos justificados”, como “trabalho ou tratamentos médicos”.

A medida foi anunciada pelo ministério de Machnouk e defendida por Rashid Derbas, mas nem todos no Líbano estão de acordo. “A decisão de impedir a entrada de sírios no Líbano é uma decisão política”, disse o antigo chefe da Segurança Geral libanesa, Jamil al-Sayyed, próximo do Irão e do grupo xiita libanês Hezbollah, que tem lutado ao lado de Assad na Síria. A medida, afirmou Sayyed, “é uma violação da lei” porque “deveria ter sido tomada de forma consensual pelo governo e não através de um decreto de um ministro”, para além de ser impossível de concretizar por falta de guardas na fronteira.

O que preocupa os sírios e o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) é a falta de clareza do que foi anunciado. Desde Outubro, o número de sírios que tentam passar a fronteira já diminuiu de forma significativa. “Podem ter desistido, ou ouvirem que passou a ser mais difícil entrar, ou pode-lhes ter sido recusada a entrada”, diz à Al-Jazira o porta-voz do ACNUR, Ron Redmond.

Khalil Jebara, conselheiro do ministro do Interior, assegura que o país “não vai expulsar ninguém e haverá excepções humanitárias”. “Mas a presença dos sírios impõe um fardo de segurança, económico e social, e uma pressão que as infra-estruturas já não suportam”.

Regras pouco claras

“A nossa preocupação é que não há qualquer referência a refugiados nas novas regras”, afirma Redmond. “Nós gostaríamos de perceber exactamente como é que estes procedimentos vão ser realizados para garantir que os mais vulneráveis vão continuar a poder entrar.” Redmond diz que entende as dificuldades do Líbano, “que merece muito mais ajuda internacional do que aquela que recebe actualmente”, mas teme “que os refugiados sejam obrigados a voltar a situações onde as suas vidas estejam em perigo”.

Segundo o que foi anunciado, a partir de agora, um sírio que se apresente num posto fronteiriço tem de pedir um visto de trânsito, médico, de estudante ou turístico; em alternativa, pode requerer uma autorização de estadia temporária por ter propriedades ou negócios no país. Ter negócios no país, tal como acontece a quem peça um visto de trabalho, implica que o requerente tenha um patrocinador libanês.

Para além dos que possam precisar de entrar, em fuga do conflito que já fez mais de 200 mil mortos, estes anúncios assustam os sírios que já se encontram no Líbano e que ainda não perceberam o que precisam de fazer para regularizar a sua situação. Esses e os milhares que sempre viveram entre os dois países – nunca foi preciso visto para passar a fronteira – trabalhando no Líbano e regressando de vez em quando para levar dinheiro às famílias na Síria.

“A minha mulher está actualmente na Turquia e estamos em pânico, com medo que ela não consiga regressar ao Líbano”, disse à Al-Jazira um sírio que prefere não ser identificado. “Estas novas medidas significam que não a vão deixar a voltar entrar? Eu não sei. Ninguém parece saber.”

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