A Turquia 2.0 e os cartoonistas

Erdogan estica a corda a cada dia que passa. Os jovens já lhe fizeram frente. Mas a batalha mal começou

O Presidente turco, Recep Erdogan, regressou a uma obstinação antiga: processar cartoonistas. Tal como há dez anos se sentiu “humilhado” por se ver retratado como um gato embaraçado num novelo de lã, agora o líder turco não gostou de se ver como alguém que fecha os olhos à corrupção.

Erdogan está a levar o controlo da imprensa a um nível de paranóia. Os raides às redacções são frequentes; 30 jornalistas foram presos com acusações de terrorismo, forjar documentos e espionagem; um jovem de 16 anos foi detido por o criticar; um professor de matemática por erguer um cartoon do New York Times na rua. Os episódios sucedem-se.

A perseguição aos media clássicos e aos cartoonistas, que têm um longa tradição no país e até uma associação nacional, representam o lado mais visível do autoritarismo de Erdogan. Tudo parece estar perdido para a liberdade de imprensa e de expressão. Há uns meses fechou o Twitter durante dois dias e o YouTube durante dois meses. E há hoje mais de 40 mil sites bloqueados no país, entre os quais plataformas globais como o WordPress, o DailyMotion, o SoundCloud, o Vimeo, o Last.fm, o Metacafe, a biblioteca Scribd ou o Ktunnel, um serviço que garante navegar na internet sob anonimato. Erdogan vigia tudo o que é escrito nas redes sociais e já conseguiu a condenação de um estudante universitário a um ano de prisão por o difamar no Facebook e de um utilizador do Twitter a 15 meses de prisão por usar a palavra “Allah” na sua identidade na rede.

Mas a batalha não está necessariamente perdida. A Turquia é o segundo país da Europa com mais horas de uso de Internet per capita, só ultrapassada pelo Reino Unido; e mais de 90% da população usa o Facebook e 70% o Twitter. O resultado está à vista: a vida digital turca é vibrante, com blogues, jornais e milhões de mensagens — e alguns cartoons — a serem lidos e partilhados todos os dias.

Tal como não tem pudor em dizer que é um absurdo falar em igualdade entre homens e mulheres; que as mulheres têm como principal função a maternidade; que devem ter três filhos, idealmente cinco; que não devem fazer trabalhos que contrariem a sua “natureza delicada”; que os muçulmanos chegaram à América 300 anos antes de Colombo ou que o Twitter “é a pior ameaça à sociedade”, Erdogan também não hesita em aprovar leis sobre leis que restringem a liberdade dos turcos, como recentemente fez ao permitir que os serviços secretos tenham acesso aos dados armazenados e às comunicações online sem autorização prévia de um tribunal. A Turquia pode ser acima de tudo um laboratório, um campo de batalha global, no qual os jovens, com tecnologia e acesso ao exterior, com uma história de rupturas no passado e entalados entre o oriente e o ocidente, poderão conseguir uma liberdade digital que se torne exemplar. Com a ajuda dos velhos cartoonistas.

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