A eleição de D. Manuel Clemente é “um acto de confiança do Papa”

"Espero que se bata por uma Igreja mais independente para poder ser uma voz crítica, que chame a atenção dos políticos para políticas mais favoráveis à justiça social e ao bem comum", diz o teolólogo Anselmo Borges.

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D. Manuel Clemente recebe o barrete e o anel cardinalícios das mãos do Papa a 14 de Fevereiro Nuno Ferreira Santos

Já era esperada a nomeação do Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, que no dia 14 de Fevereiro receberá o barrete cardinalício das mãos do Papa Francisco. "Do ponto de vista jurídico", diz o teoólogo Anselmo Borges, a nomeação "não reforça o seu poder na diocese de Lisboa". "Mas D. Manuel Clemente torna-se conselheiro do Papa e, como tal, vai ter uma voz com mais peso. Torna-se uma figura com relevo mundial. E a sua escolha é um acto de confiança do Papa".

"Se o Papa o escolhe para o círculo mais próximo dos seus conselheiros, espera-se que siga na linha do Papa Francisco — um Papa que denuncia o neoliberalismo, que está próximo das pessoas. Espero que se bata por uma Igreja mais independente para poder ser uma voz crítica, que chame a atenção dos políticos para políticas mais favoráveis à justiça social e ao bem comum. E [que seja] uma voz que denuncie a corrupção e a cumplicidade entre os poderes políticos e os poderes económicos."

O padre José Tolentino de Mendonça diz também que ao ser esperada — uma vez que tradicionalmente Lisboa é uma sede cardinalícia — esta nomeação não deixa de salientar os méritos do Patriarca: "o seu estilo de episcopado, a sua capacidade de estabelecer uma relação com a cultura e a contemporaneidade de uma forma muito positiva, bem como o contributo que ele pode dar à Igreja universal." É o reconhecimento de D, Manuel "quer pelas suas qualidades quer pelo catolicismo em Portugal e por aquilo que ele representa."

D. Manuel Clemente chega, aos 66 anos, a um novo patamar de uma carreira que podia ter começado muito cedo, aos 13, mas que esperou por algum percurso de vida secular antes do sacerdócio. "A minha mãe sempre me disse: ‘Estudas primeiro’. Era uma mulher muito religiosa, nada piegas", disse D. Manuel Clemente numa entrevista publicada em Dezembro na 2, a revista do PÚBLICO.

Estudou História, na Faculdade de Letras de Lisboa. "Quando acabei os estudos, entrei [no seminário]. No princípio dos anos 70, havia muito poucos seminaristas. Tinha havido uma debandada no final dos anos 60. No seminário onde entrei, nos Olivais, entre 68 e 70 passou-se de 150 (ou mais) seminaristas para dez ou 12. Quando entrei, éramos 11. Pronto. Cada um tem o seu caminho. O meu foi um bocadinho ao invés do que era o caminho de muitos". Tinha 24 anos.

Até 1980, Manuel Clemente foi vigário paroquial coadjutor das paróquias de Runa e Torres Vedras (onde nasceu) e em 1989 foi nomeado cónego da Sé Patriarcal de Lisboa. Em 1997 tornou-se reitor do Seminário Maior dos Olivais. Pelo meio, voltou a estudar e doutorou-se em Teologia Histórica pela Universidade Católica (1992). "A minha casa foi sempre uma casa de História. A minha mãe gostava imenso de História", disse na citada entrevista.

É autor de várias obras, do foro pastoral mas também teológico e historiográfico: "Igreja e Sociedade Portuguesa do Liberalismo à República", "Os papas do século XX", "Sínodos em Portugal: um esboço histórico" e "A Igreja no tempo: História breve da Igreja Católica".

Em 1999, foi nomeado por João Paulo II bispo auxiliar de Lisboa com título de bispo de Pinhel, tendo escolhido como lema do seu episcopado "In lumine tuo" ("Na tua luz"). Em 2007, Bento XVI nomeou-o bispo do Porto, cargo que exerceu até ser nomeado Patriarca, a 7 de Julho de 2013, quando sucedeu a D. José Policarpo, que já tinha resignado em 2011, ao fazer 75 anos — D. José morreu em Março de 2014. É presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, eleito pelos seus pares.
 

   

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