Quadrilhas de El Salvador quebram tréguas e taxa de homicídio dispara

Em 2014, morreram 3875 pessoas assassinadas no pequeno país centro-americano. Governo recusa negociar com os gangs de criminosos.

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Em Acajutla, sete homens foram mortos por um gangue durante uma cerimónia de graduação numa escola Jose Cabezas/Reuters

O fim da trégua que vigorou entre as quadrilhas criminosas armadas e as forças de segurança de El Salvador, nos últimos dois anos, levou a um aumento de 56% da taxa de homicídios em 2014. Os registos oficiais assinalam a ocorrência de 3875 assassínios no pequeno país centro-americano de 6,3 milhões de habitantes, que anualmente "concorre" com as vizinhas Honduras pelo título do lugar mais violento do mundo.

Numa conferência de imprensa de fim de ano, o director da Polícia Nacional, Mauricio Ramirez Landaverde, apresentou o trágico balanço das mortes de 2014 – uma média de 12 homicídios por dia – e responsabilizou os dois principais gangues do país, a Mara Salvatrucha ou MS-13 e o rival Barrio 18, pelo aumento da violência. "Os grupos que no passado tinham concordado com uma trégua para a diminuição da taxa de homicídios, este ano optaram precisamente pelo oposto", lamentou. "Essa é a principal razão" para a subida do número de mortes violentas de 2490 (ou cinco por dia) em 2013, para 3875 este ano.

Pelo seu lado, os líderes dos dois maiores gangues ou "maras" (o nome sem tradução pelo qual estes grupos de jovens delinquentes são conhecidos em El Salvador), responsabilizaram a polícia pelo regresso da violência. Como escrevia a Reuters, a trégua começou a desmoronar-se quando as forças governamentais deixaram de "colaborar" com os membros dos gangues na prisão, que tinham negociado uma série de condições de detenção mais favoráveis (por exemplo a transferência das prisões de segurança máxima para outros estabelecimentos com regimes menos restritivos) para "abrandar" a violência.

Segundo Ramirez Landaverde, o acordo começou a ser quebrado pelos elementos do gangue Barrio 18, supostamente em retaliação por causa das dificuldades de comunicação com as lideranças na prisão. As chamadas maras constituíram-se no início da década de 90, quando a pretexto do fim da guerra civil os Estados Unidos começaram a deportar milhares de jovens salvadorenhos que estavam envolvidos em gangues de marginais, especialmente na zona de Los Angeles.

De volta a El Salvador, estes jovens replicaram o tipo de organizações criminosas a que pertenciam, estabelecendo a MS-13 e o Barrio 18 como gangues juvenis, que posteriormente foram ramificando o seu raio de acção. Como escrevia a BBC Mundo, nos últimos 20 anos, a violência juvenil tornou-se um problema de segurança pública que já evoluiu para uma questão de segurança nacional. O fenómeno cresceu de tal maneira que se estima que 8% da população do país tenha algum tipo de ligação às maras – além dos membros dos gangues e seus familiares directos, existe uma franja de simpatizantes e outros beneficiários das actividades criminosas destes grupos.

O pacto com as duas principais maras foi informalmente negociado pelo Governo do ex-Presidente Mauricio Funes no final de 2011, quando o índice de homicídios em El Salvador batia nos 70 por cada 100 mil habitantes. Várias organizações internacionais, como a Organização de Estados Americanos, a União Europeia e as Nações Unidas apoiaram a iniciativa, também saudada pela Igreja Católica. Com o acordo, que entrou em vigor em Março de 2012, o índice de homicídios caiu em 2012 para 41 e em 2013 para 40 por cada 100 mil habitantes, o valor mais baixo dos últimos dez anos.

Em Junho de 2014, quando o novo Presidente (e antigo guerrilheiro) Salvador Sánchez Cerén foi empossado, a violência já estava em alta: no seu discurso inaugural, o chefe de Estado classificou o combate à violência, corrupção e crime organizado como o principal desafio do país. "A segurança exige que todo o país esteja comprometido com o objectivo de travar o crime, o tráfico de droga, a extorsão e todas as expressões de violência",

A mudança de Presidente não implicou uma mudança significativa de políticas: Sánchez Cerén era o vice-presidente quando a trégua foi estabelecida, e o seu partido FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional) era o Governo. Mas na sequência do seu compromisso, o novo Presidente reforçou a presença da polícia na rua, o que acabou por multiplicar os confrontos entre agentes e membros dos gangues – os números divulgados pela Polícia Nacional apontam para o assassínio de 37 polícias.

"As quadrilhas do crime organizado reagiram de imediato, numa prova de força e numa mensagem clara para o Estado e a sociedade. O seu potencial para gerar violência e morte, em vez de diminuir com a trégua, aumentou", comentou o antigo director da Polícia Nacional, Rodrigo Ávila, à BBC Mundo.

Em Novembro, a violência atingiu o auge, com as manchetes dos jornais salvadorenhos a assinalarem um novo recorde de 52 homicídios em 72 horas (no fim do mês, as contas indicavam uma média de 11 assassínios por dia). A análise dos números mostra que as principais vítimas são os próprios membros das maras: 70% dos mortos têm entre 15 e 30 anos. "Pelas leis da natureza, os filhos enterram os pais mas aqui em El Salvador é ao contrário", lamentava um dos (atarefados) médicos da morgue da cidade de El Salvador, Miguel Enrique Velazquez, à reportagem da rádio pública norte-americana, NPR.

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