“Detenção”, “praxe”, “primárias”, “corrupção” e “Copa” foram palavras do ano do PÚBLICO

A prisão de José Sócrates (“detenção”), as mortes dos estudantes no Meco (“praxe”), a eleição do secretário-geral do PS (“primárias”), a operação em Espanha que deteve 51 construtores e políticos (“corrupção”) e o Mundial de futebol no Brasil (“Copa”) motivaram a escolha de algumas das palavras que o PÚBLICO divulgou semanalmente na Revista 2.

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Os dicionários ajudaram-nos a decifrá-las, as citações dos protagonistas e os excertos de notícias deram-nos o contexto. Começámos o ano a falar de “promulgação” (do Orçamento do Estado de 2014) e terminámos com “greve” (de várias transportadoras). Pelo meio, não pudemos ignorar os “cortes” (rumo ao valor do défice desejado: 2,5% do PIB em 2015), a palavra “banco” (BPN, BES e… dos réus), o estranho vocábulo “inverdadeiro” (dito por José Magalhães face aos depoimentos de Paulo Portas e Durão Barroso sobre a compra de submarinos), o “surto” de Legionella (em Vila Franca de Xira) ou o “vulcão” que incendiou a ilha do Fogo.

Seguem-se as 52 palavras de 2014 do PÚBLICO, da mais recente para a mais antiga e sem eleição de preponderância. Nem sempre as mais repetidas foram as mais felizes, nem sempre as menos conhecidas entraram no léxico comum. Diz-se que “palavras, leva-as o vento”, mas também as traz. Espera-se que se lhes dê o melhor uso. E não estamos só a falar de gramática.

DEZEMBRO
28 de Dezembro
Greve
Direito ou abuso?

Diz o dicionário que “greve” é a “suspensão temporária e colectiva de actividade laboral, decidida pelos trabalhadores, como meio de pressionarem a entidade patronal ou o governo a satisfazer as suas reivindicações”. São elas: “Aumento de salários, melhoria das condições de trabalho, garantia de direitos adquiridos, etc.” Faltou o combate à privatização.

TAP, Metro e Refer “paralisaram” nestes últimos dias por diferentes razões. Com elas, milhares de pessoas tiveram também de “paralisar”. O direito à “interrupção voluntária e colectiva do trabalho por parte dos assalariados” das transportadoras obriga sempre à interrupção (involuntária e frequente) do trabalho de muitos outros.

Por isso, nas redes sociais e na rua, os argumentos de quem é prejudicado com estas “paragens” variam entre “o direito” e o “abuso do direito”.

“A paralisação de 24 horas, convocada por várias organizações sindicais (...) é a oitava realizada este ano pelos trabalhadores do Metro de Lisboa”, noticiou-se. “A adesão à greve dos trabalhadores da Refer, em protesto contra a fusão da empresa com a Estradas de Portugal, é de 100%, segundo os dados do sindicato do sector”, noticiou-se também.

A “greve” da TAP foi convocada para os dias de 27 a 30 de Dezembro. O Governo respondeu com requisição civil, argumentando tratar-se da época natalícia. Os sindicatos da TAP admitiram marcar nova “greve” em Janeiro.
A manter-se a tradição... será só a primeira.    

21 de Dezembro
Crianças
O melhor do mundo (se as deixarem viver)

Um “ser humano que ainda se está a formar, na fase da infância”, é uma “criança”. Queríamos falar delas, e no plural, tão-só por ser Dezembro, tão-só por ser Natal. A actualidade não deixou que o motivo fosse apenas esse. Deu-nos outros, trágicos, para a escolha desta Palavra da Semana. 

“Seis combatentes do Movimento dos Taliban do Paquistão entraram pela manhã numa escola frequentada por filhos de militares, no Noroeste do país, e mataram mais de 140 pessoas, a maioria crianças e adolescentes entre os 12 e os 16 anos de idade. Muitos foram executados no principal auditório da escola, mas os sobreviventes dizem que os atacantes foram de sala em sala e abriram fogo contra alunos e professores.” Eis a terrível notícia de terça-feira.

A jovem Malala Yousufzai, prémio Nobel da Paz 2014 e ainda há pouco uma criança, disse sobre o massacre na escola de Peshawar: “Este acto de terror sem sentido e cometido a sangue-frio deixou-me com o coração partido. Crianças inocentes nas suas escolas não devem estar sujeitas a este tipo de horrores.”

O dicionário regista “garoto”, “menino” e “miúdo” como sinónimos de “criança”. Foram 47 os “miúdos” vítimas de tráfico em Moçambique entre Janeiro e Outubro deste ano, anunciou a Procuradoria-Geral da República em Maputo, no IV Debate Nacional sobre a Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas. Mais uma triste notícia da mesma terça-feira, só que noutra geografia. 

Trabalho infantil, pedofilia, pobreza e mortes sem sentido não combinam com desejos de boas-festas e Natal feliz. 

Escreveu Fernando Pessoa, no poema Liberdade, “grande é a poesia, a bondade e as danças.../ Mas o melhor do mundo são as crianças”. Se as deixarem viver.

14 de Dezembro

Vulcão
Quando a ilha do Fogo se incendeia

Diz a Enciclopédia Geográfica que um “vulcão” é uma  “abertura que se forma num ponto fraco da crosta terrestre, através da qual são projectadas para a superfície lavas — rochas em fusão provenientes de grandes profundidades —, cinzas e gases”. E explica que o termo deriva de Vulcano, “o nome do Deus do fogo romano”.

A palavra “vulcão” aplica-se “à chaminé” e “à montanha cónica de lava e de outros resíduos que se forma à sua volta”. De tempos a tempos, arde. Na ilha do Fogo, em Cabo Verde, o magma começou a jorrar passados 19 anos de acalmia. O calendário assinalava 23 de Novembro. Notícia: “Ao 16.º dia de erupção, a lava do vulcão (...) já engoliu duas localidades, destruindo casas, edifícios públicos, estradas e campos.” A ilha incendiou-se e as povoações Portela e Bangaeira já não existem. 

“Não houve registo de vítimas na pequena ilha de 37 mil habitantes.” Em linguagem informativa, não haver “vítimas” significa que ninguém morreu ou ficou ferido. Impossível será avaliar o sofrimento de quem vê desaparecer a sua casa, a sua aldeia e grande parte da sua memória territorial. Tudo incendiado por “lavas que saem do vulcão com uma velocidade média de 20 metros por segundos”.

Já chegou ajuda portuguesa para os 1500 deslocados de Chã das Caldeiras. O Governo cabo-verdiano manifestou “‘todo o apreço’ pela ‘excelente colaboração’” de Portugal. Alimentos, máscaras e óculos de protecção, casas de banho móveis, camas e cobertores, ambulâncias, entre outros apoios, estão na base do agradecimento de José Maria das Neves, primeiro-ministro do arquipélago.

Em sentido figurado, “vulcão” corresponde a “pessoa impetuosa”. No Brasil, é o mesmo que “salsa-ardente”. Na Europa, será sempre um assunto morno, desde que não envolva turistas brancos. Como as perturbações nas linhas aéreas pelas erupções do Etna (Itália, Janeiro de 2014) e do Eyjafjallajökull (Islândia, 2010).


7 de Dezembro

Coragem
Uns têm, outros não
 
“Força de espírito que permite ultrapassar o medo e combater o perigo ou fazer frente a situações ameaçadoras.” É assim que o dicionário define “coragem”. Tugce Albayrak, alemã de 22 anos e origem turca, tinha essa “bravura”, essa “valentia”. Mas já não poderá voltar a demonstrá-la.

A estudante foi em socorro de duas adolescentes que estavam a ser assediadas por três homens na cave de um McDonald’s em Offenbach, perto de Frankfurt, a 15 de Novembro. Acabaria por ser agredida pouco depois por um deles, no parque de estacionamento, e ficar em coma.

Os pais decidiram “desligá-la” no dia do seu 23.º aniversário (28 de Novembro), após conhecimento da “morte cerebral” da filha e da irreversibilidade do seu estado. Também eles terão precisado de “coragem”. Muita. Mas noutro sentido, o de “força de ânimo com que se enfrenta uma situação difícil, uma adversidade” e de “capacidade de dominar os sentimentos”.

Menos corajosas foram as vítimas de assédio (talvez menores), que tardaram em aparecer para depor.

Mais de mil pessoas acompanharam “o cortejo fúnebre até à mesquita da pequena cidade, e a cerimónia foi transmitida em directo pelo canal de notícias NTV”, noticiou-se na quarta-feira. Continuam as vigílias “em honra de Tugce, a heroína alemã”.  Perto de 170 mil pessoas assinaram uma petição online para que o Presidente, Joachim Gauck, lhe atribua a medalha de mérito. O Presidente disse que ia considerar, pois a distinção não é atribuída postumamente. 

Precisará de alguma “coragem”, ou seja, “vontade”, “determinação”, “força interior para levar a cabo alguma coisa”. Mas sem riscos.
 

NOVEMBRO

30 de Novembro
Detenção
Uma palavra que veio de França

Nome feminino que se traduz por “acto ou efeito de deter(-se)” e “prisão provisória”. O dicionário dá um exemplo: “A detenção de suspeitos.” Não especifica se o “aprisionamento” se faz para interrogatório ou depois deste; se é praticado em aeroportos ou noutros locais; se é agendado para vésperas de encontros partidários ou se implica pré-aviso à comunicação social.

A “detenção” do ex-primeiro-ministro José Sócrates na noite de sexta-feira, 21 de Novembro, dominou a semana política e mediática nacional (com eco na imprensa internacional). A “prisão provisória” aconteceu no âmbito de um processo de investigação “de crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção”.

A par do ex-líder socialista, foram “detidos” Carlos Santos Silva (empresário e amigo), João Perna (motorista e talvez amigo) e Gonçalo Trindade Ferreira (advogado e certamente não inimigo). Três noites mais tarde, ficou a saber-se que Sócrates, o empresário e o motorista ficariam em prisão preventiva e que o advogado não poderia sair do país.

“As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas”, disse o ex-primeiro-ministro ao PÚBLICO, através de uma carta ditada de uma cabine telefónica da prisão de Évora ao seu advogado, João Araújo.

O dicionário adverte que o termo “detenção”, quando usado nos sentidos de “prisão”, “cárcere”, “cadeia”, é galicismo. Ou seja, “palavra imitada ou tomada da língua francesa”. Pode muito bem ter vindo de Paris. 

23 de Novembro
Labirinto
Rede complicada e com uma única (e difícil) saída

Um “labirinto” é uma “estrutura composta por vários caminhos interligados de tal forma que se torna difícil encontrar a única saída”. Também pode ser um “edifício cujas divisões são tão confusamente dispostas que tornam difícil a quem esteja dentro dele encontrar a saída”.

Esta última definição, por ser mais imobiliária, joga bem com os vistos dourados que estiveram na origem da Operação Labirinto (e que determinou a escolha da Palavra da Semana). Há quem prefira chamar-lhes “vistos gold”. Talvez porque não goste da língua portuguesa, não a domine ou se envergonhe de pertencer a esta latitude. Tem bom remédio… e a bênção de quem governa.

Até quinta-feira, tinham sido investigadas 11 pessoas no “labirinto dourado”, cinco delas ficaram presas por corrupção na atribuição dos vistos. Todas “brilhantes”, se se pensar nos cargos que ocupavam. Em consequência, caiu um ministro (Miguel Macedo) e ergueu-se uma ministra (Ana Rodrigues). Ainda assim, Paulo Portas, vice-primeiro-ministro, não desistirá dos “dourados”. Argumento: Portugal “não está em condições de deitar fora” investimentos como os 1107 milhões de euros registados até agora.

“Labirinto” também significa “confusão”, “enleio”, “situação embaraçosa”. No domínio da anatomia, corresponde ao “conjunto das cavidades que constituem o ouvido interno (vestíbulo, canais semicirculares e caracol)”. Não admira que haja quem alegue nunca ter ouvido falar de facilidades na atribuição dos vistos. A informação ter-se-á perdido nas labirínticas “divisões que se entrecruzam” no ouvido interno.

16 de Novembro
Surto
Aparecimento de epidemia e... progresso

“Aparecimento repentino e inesperado de uma coisa que atinge muitas pessoas ao mesmo tempo”, regista um dicionário sobre a palavra “surto”. Noutro, escreve-se: “Aparecimento de epidemia.” Exemplos: “Um surto de cólera” e “um surto de gripe”. Mas por agora é o da bactéria Legionella que preocupa os portugueses, sobretudo os cidadãos de Vila Franca de Xira.

Até quinta-feira, o número de doentes ia em 302 e já tinham morrido sete pessoas, segundo a Administração Regional de Saúde de Lisboa. Terá sido a de 18 Outubro que o primeiro infectado deste “surto” deu entrada no hospital.  A doença não é rara, mas o “surto” invulgar. Uma notícia do PÚBLICO dava conta de que, “entre 2004 e 2013, 1188 pessoas foram internadas — 86 delas morreram”.
 
Desde 1977 que a maleita se designa “doença do legionário”, isto porque, no ano anterior, um grupo de legionários participou numa conferência, num hotel, em Filadélfia (EUA), e quase todos apanharam uma pneumonia severa. “Legionário” significa “soldado de legião”.

A palavra “surto” (substantivo masculino) remetia inicialmente para “voo arrebatado de ave”, passando a ser usada como “arranco”, “ímpeto”, “irrupção”. Como adjectivo e no universo náutico quer dizer “fundeado”, “ancorado”.

Voltando ao substantivo, há outros sentidos, como “desenvolvimento rápido e fecundo”, “progresso”, “avanço”. O dicionário sugere uma frase: “A Finlândia viveu anos de um surto económico assinalável.”

Não há notícia de que se corra esse risco em Portugal.


9 de Novembro
Expulsão
Saída forçada, expatriação, despejo

O substantivo feminino “expulsão” quer dizer “imposição da saída de alguém de um país ou de outro local” e “abandono forçado de um grupo”. O dicionário dá três exemplos: “A expulsão de um aluno da escola”; “a expulsão de um jogador do campo de futebol” e “a expulsão dos judeus”. Magistrados não constam. E em Timor-Leste também (já) não.

Na segunda-feira, o Governo timorense ordenou a “saída”, no prazo de 48 horas, de oito funcionários judiciais: sete portugueses e um cabo-verdiano. Uma decisão que, de acordo com Xanana Gusmão, primeiro-ministro, visou defender o país.

Para a suspensão dos contratos, foram invocados “motivos de força maior” e “a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional”. Em causa estão “51 processos no tribunal no valor de 378 milhões de dólares de impostos e deduções ilícitas que as empresas petrolíferas devem ao país”, escreveu a Lusa. Xanana explicou: “O nosso desejo foi só o de interromper o ambiente viciado em que nós perdemos dinheiro quando exigimos às companhias (petrolíferas) para nos pagar o que deduziram por fraude.”

Acusação: em 16 casos julgados, o Estado perdeu todos. Lá se foram 35 milhões de dólares. “Eu não tenho o direito de dizer que isto é incompetência?”, pergunta o governante.

“Saída forçada”, “expatriação” e “despejo” têm o mesmo sentido que “expulsão”. Juridicamente, segundo um dicionário de origem brasileira, corresponde à “saída compulsória e definitiva do território nacional, imposta a estrangeiro que foi, em processo regular, julgado perigoso por comprometer a segurança nacional, a estrutura das instituições ou a tranquilidade pública”. Será o caso?   

2 de Novembro
Corrupção
Activa ou passiva, rende sempre a alguém

O significado “de corrupção” que para aqui nos interessa vem em quinto (e último) lugar na explicação do Dicionário de Língua Portuguesa (Verbo, 2006). “Crime assente em formas de aliciamento ou suborno de alguém para a prática de actos ilícitos.”

Segue-se a descodificação de corrupção “activa” e “passiva”. A primeira é “a que alguém comete quando, para obter vantagem ou facilidade, alicia e suborna um funcionário público com bens ou outros benefícios indevidos”. A segunda, “a que um funcionário público comete quando se deixa subornar com bens ou outros benefícios, a troco de actos ou omissões contrários aos deveres do seu cargo”. O dicionário esqueceu-se dos “não funcionários públicos”.

Quem saberá bastante sobre estas práticas são os 51 detidos (construtores e políticos) na segunda-feira em Espanha, numa operação anticorrupção. Ficou a saber-se que “autarcas do PP e do PSOE terão adjudicado obras públicas de 250 milhões de euros em troca de uma comissão de 2% e 3%”. Entre os “corruptos”, está um antigo dirigente do PP em Madrid, Francisco Granado, que já antes estava sob suspeita por alegadamente ter depositado 1,5 milhões de euros numa conta na Suíça.

Mariano Rajoy, chefe do Governo, pediu desculpa a todos os espanhóis, lamentando “ter atribuído cargos a pessoas que não eram dignas para os mesmos e que, aparentemente, abusaram deles”. Acontece muito. Demasiado. E não é exclusivo de Espanha.

O dicionário escolhe uma frase que, até prova em contrário, se poderá adequar a Rajoy: “Se, como político, não é um corrupto, apenas se rodeou de corruptos.”

“Corrupção” também significa “putrefacção”. Cheira a milhas.

OUTUBRO
26 de Outubro
Inverdadeiro
Quando se quer fugir da palavra “mentira”

“Indiciariamente inverdadeiros” foi a expressão usada pelo deputado socialista José Magalhães face aos depoimentos de Paulo Portas e Durão Barroso à comissão de inquérito à compra de equipamentos militares. Abreviando: submarinos.

“Inverdadeiro” não consta nos dicionários. “Inverdade”, sim. E quer dizer o que toda a gente sabe mas não quer dizer: “mentira”. Mais: “falsidade”, “carácter do que não é verdade”, “embuste”. Um dicionário de 1981 regista esta observação para “inverdade”: “Trata-se de neologismo que só se justifica pelo facto de com ele se desbrutalizar a palavra ‘mentira’.” Fica então a saber-se que há pelo menos 33 anos se anda a fugir desta palavra. Ou a desbrutalizá-la...

Sendo o prefixo “in” um elemento designativo de negação, o que é inverdadeiro não é verdadeiro (até La Palisse o saberia). Como o adjectivo “verdadeiro” significa que é “conforme à verdade”, “exacto”, “real”, a negação deste será o que toda a gente sabe mas não quer dizer. E vem mesmo a calhar a frase escolhida para ilustrar estas explicações: “O debate foi uma verdadeira farsa.”

“Indiciariamente” está registado e significa “relativo a indício”, “sinal”, “vestígio”. Juridicamente, “princípio de prova”.

Como os políticos portugueses têm uma imaginação vocabular invulgar (da “incorrecção factual” de Rui Machete ao “inconseguimento” de Assunção Esteves), dá-se aqui uma ajuda com sinónimos de “mentira”, muitos de origem brasileira: peta, patranha, lampana, lorota, potoca, maxambeta e mariquinha.

No Rio de Janeiro, “mentirinha” é um “biscoito redondinho e achatado, feito de massa de pão-de-ló”. Bom para degustar enquanto insistem em contar-nos histórias da carochinha.
 

19 de Outubro
Contas
Ora pagas tu, ora pagas tu

Plural de “conta”, que tem vários significados, quase todos conhecidos. O mais comum é “operação aritmética para cálculo de um valor numérico”. Muitos “cálculos” se fizeram por estes dias, “à conta” do Orçamento do Estado ?para 2015. Já agora, Orçamento do Estado vem explicado no dicionário: “A conta da receita e das despesas públicas prováveis durante um ano económico.”

Sobre este orçamento em concreto, escreveu-se no PÚBLICO: “Orçamento do Estado quase não muda austeridade e confia na ajuda da economia”; “o défice estrutural, usado por Bruxelas para avaliar o esforço de consolidação orçamental, cai apenas 0,1 pontos percentuais”. Informou-se ainda que a pasta da Educação perderá 700 milhões de euros, os combustíveis vão ficar dois cêntimos mais caros, IVA e IRS vão ter de crescer 4,4% para a sobretaxa descer um ponto e carga fiscal atingirá novo máximo histórico.

Há muitas expressões curiosas onde as “contas” entram. Um exemplo bem apropriado é o de “deitar contas a”, que significa fazer “o cálculo ou o controlo de alguma coisa”. A frase registada adequa-se a grande parte dos portugueses: “Tenho de deitar contas às despesas, que o dinheiro é pouco.” Também se pode falar em “saírem as contas furadas”, ou seja, “não acontecer o que se esperava”.

Há uma expressão muito democrática, “as contas do Porto” (“à moda do Porto”, diz o povo). São aquelas em que “cada um paga a sua parte numa despesa comum”. Não se aplica ao Orçamento do Estado, onde há sempre quem se livre de pagar. Ora pagas tu, ora pagas tu.

12 de Outubro
Vírus
Veneno microscópico que não conhece fronteiras

De origem latina, virus teve como primeiros significados “peçonha”, “veneno”. Agora, os dicionários definem-na como “agente infeccioso diminuto, visível apenas ao microscópio electrónico, que só se reproduz no interior de células hospedeiras vivas”. Um deles nomeia dois vírus bem conhecidos: o da gripe e o da sida.

Actualmente, é o do ébola que mais preocupa o mundo, agora que o vírus extravasou as fronteiras da África Ocidental, onde terá sido responsável pela morte de quase 3900 pessoas.

“O mundo ‘falhou miseravelmente’ na sua resposta ao ébola, disse o presidente do Banco Mundial”, noticiou-se. Jim Yong Kim vaticinou ainda: “A crise vai ficar muito pior.”

Mas há quem fale em “histeria” e “embuste”, como o médico Manuel Pinto Coelho: “É importante saber-se que o vírus do ébola não se transmite com facilidade. Para haver transmissão do vírus, tal como acontece com o vírus da sida — o VIH —, é necessário um contacto directo com um líquido biológico do doente, como o sangue, as fezes ou o vómito.”

Recorda o “negócio” com a “pandemia iminente” da “gripe das aves” (2005) e defende: “Importa não enviar camiões de vacinas ou medicamentos para África ou para onde quer que seja. Tal servirá unicamente para enriquecer alguns laboratórios farmacêuticos.”

“Vírus” traduz-se ainda por “mal moral de conotação contagiosa”. Exemplo: “O vírus da corrupção.” Há muito que também este ignorou fronteiras. Não apenas geográficas.
 

5 de Outubro
Água
Líquido caro, raro e bom para provérbios

Não é uma palavra difícil de descodificar, mas em nenhum registo se encontrou a explicação que se imaginara para “água”, algo como “bem essencial à vida”. Um bem primário cada vez mais caro (para alguns) e mais raro (para todos).

Notícia de quinta-feira, relativa a Portugal: “Se vive no litoral, vai pagar mais pela água. Se vive no interior, vai pagar menos. Em termos simples, será assim que os cidadãos sentirão o plano de reestruturação do sector das águas revelado pelo Governo. Mas a simplicidade é apenas aparente e há muitos pontos de interrogação no ar.” Aguardava-se então reacções dos municípios.

Diz o dicionário: “Líquido incolor, transparente, inodoro e insípido, composto por moléculas formadas por dois átomos de hidrogénio e um átomo de oxigénio, quando quimicamente puro.” Mas também: “Parte líquida da Terra, presente nos oceanos, nos mares e em alguns lagos (água salgada) e nos rios, nos poços, nas fontes, etc. (água doce).” E ainda “hidrosfera”, “chuva”.

Inúmeras são as expressões idiomáticas e os provérbios com “água” como protagonista: “Água mole em pedra dura tanto dá até que fura” (a tenacidade vence todas as dificuldades); “águas passadas não movem moinhos” (o que lá vai lá vai); “trazer água no bico” (conter uma intenção não divulgada).

Algumas frases remetem para a actualidade: “Levar a água ao seu moinho” (conseguir atingir os objectivos) — vitória de António Costa sobre António José Seguro nas primárias do PS e da selecção portuguesa de ténis de mesa sobre a Alemanha, tornando-se campeã europeia. “Sacudir a água do capote” (fugir às responsabilidades) e “meter água” (fazer ou dizer disparates) — Tecnoforma, Citius e submarinos. Meio aquoso, portanto.

SETEMBRO
28 de Setembro
Exclusividade
Nada de actividades extras

Substantivo feminino que, quando antecedido pela preposição “de”, significa: “Que não permite o exercício de outra actividade.” Simples e claro. Mas isso é porque o dicionário nunca terá ouvido falar da Tecnoforma nem de Pedro Passos Coelho. Ou então esqueceu-se.

A frase escolhida para clarificar o sentido de “exclusividade” foi: “Trabalha na universidade em regime de exclusividade.” Ou seja, não pode exercer outra actividade. Qual é a dúvida?

No caso que a imprensa foi explorando por estes dias, a dúvida seria esclarecida com uma resposta à pergunta: “Recebeu Pedro Passos Coelho algum vencimento pelo seu cargo de presidente do Centro Português Para a Cooperação (CPPC), ligada à empresa Tecnoforma, entre 1997 e 1999?”

O então deputado e agora primeiro-ministro, em resposta, mas não respondendo, anunciou que pediria ajuda à Procuradoria-Geral da República: “Que faça as averiguações especificamente sobre esta matéria que devam ser realizadas, de modo a esclarecer se há ou não algum ilícito, independentemente de entretanto ter prescrito.”

O ilícito traduz-se por fuga ao fisco, a que se juntará o incumprimento da tal “exclusividade”, que Albino Azevedo Soares, secretário-geral da Assembleia da República, diz que não tinha, mas que Passos Coelho invocou para efeitos de subsídio de reintegração.

Como adjectivo, “exclusivo” quer dizer “que exclui ou elimina qualquer partilha ou participação de outrem”. Frase exemplificativa: “Goza de privilégios exclusivos porque é membro honorário.” Claro.

21 de Setembro
Começo
Início do ano lectivo, do Outono e do fim

“Tudo tem um começo”, lê-se no dicionário, logo após a explicação do significado deste substantivo masculino: “Parte inicial de uma acção ou processo.” Dito de outra forma, “começo” é “o que está no princípio”.

Embora seja em Janeiro que o ano se inicia, para quem estuda, ensina e tem filhos em idade escolar, é em Setembro que tudo “começa”. O ano lectivo arrancou por estes dias com boicotes e protestos. A “começar” pela colocação de professores. “A forma como o Ministério da Educação e Ciência ordenou milhares de professores para a contratação pelas escolas não é legal, nem justa, nem transparente”, disseram membros da Sociedade Portuguesa de Matemática e da Associação de Professores de Matemática. A fórmula “está correcta”, garantiu a Direcção-Geral da Administração Escolar.

Encerramento de escolas, falta de professores e turmas com crianças de vários níveis de ensino foram outras das notícias que assinalaram a “entrada” do novo ano lectivo. Um mau começo.

“Um bom começo” foi a frase publicitária escolhida para o Novo Banco (a parte “desintoxicada” do Banco Espírito Santo). O que parecia uma campanha inteligente, valorizando um ponto de partida longe do zero, acabou por se transformar em piada. Dois meses foi quanto durou a presidência de Vítor Bento no conselho de administração. Já lá está outro, Stock da Cunha. Um bom começo? Ou o princípio do fim?

“Começos” (plural) significa “primeiras tentativas ou experiências”. Parece ser o que o Outono andou a fazer por estas latitudes, “ensaios” que anteciparam a estação ao que dita o calendário. Começar, começar, só depois de amanhã, quando acontece o equinócio, a 23 de Setembro. Porque tudo tem um começo.


14 de Setembro
Primárias
Descubra as diferenças e escolha um candidato

Comecemos pelo significado do adjectivo “primário”: “Que ocupa o primeiro lugar numa sequência, ordem ou escala de importância, que é primeiro, principal, básico ou fundamental.”

Mesmo que as palavras tenham dois géneros, é sabido que os dicionários registam em primeiro lugar a forma masculina. E durante muito tempo era unicamente essa que merecia explicação.

 “Primária” quer dizer o mesmo que “primário”, mas o uso no feminino plural vulgarizou-se para designar “eleições primárias”. Nelas se escolhe um candidato ou cabeça de lista de um partido ou organização, com vista a eleições de âmbito mais alargado.

O Partido Socialista português estreia-se, a 28 de Setembro, nessa prática, para a designação do seu candidato ao cargo de primeiro-ministro. Isto depois de António Costa ter sentido que Portugal precisava dele (após as eleições europeias) e de António José Seguro não ter querido eleições directas no partido, seguidas de congresso.

No dia 31 de Maio, aconteceu o que alguns chamaram “a batalha do Vimeiro”. E eis-nos agora a assistir a debates entre ambos. Uma espécie de “descubra as diferenças” para escolher o “primário” que mais agradar a militantes e simpatizantes. Já só falta um frente-a-frente, marcado para dia 23, no canal público.

Milhão e meio de portugueses assistiram ao confronto de terça-feira. Muitos terão ficado com a sensação de que será ainda mais difícil o “descubra as diferenças” entre qualquer um deles e o candidato do PSD (com ou sem CDS). Não estamos a falar de estilo, mas de programas eleitorais. Política, se não se importarem. Mesmo só à janela.


7 de Setembro
Execução
Morte por condenação (com ou sem justiça)

À quinta explicação, o dicionário regista: “Acto de consumar uma condenação à morte.” E escolhe dois exemplos para ilustrar de que falamos quando falamos de “execução”. “A execução de condenados” e “pelotão de execução”.

 Não foi há muito tempo (10 de Agosto) que a Revista 2 deu conta de como os EUA estavam “à procura da morte perfeita”, depois de um condenado sofrer uma “execução” que durou duas horas. Na altura, escreveu-se: “O sofrimento impressionou as testemunhas. O país tem estado a debater a melhor forma de matar criminosos sem os torturar. Será o regresso à cadeira eléctrica ou ao pelotão de fuzilamento?”

Não lhes ocorreu a decapitação. Ao Estado Islâmico, sim. E vá de cortar cabeças a jornalistas americanos. Longe da América e com sotaque britânico. O Ocidente “despertou” então para a barbárie no Médio Oriente. Disse Barack Obama: “Os que cometem o erro de ferir os americanos vão aprender que esses actos não serão esquecidos, que a justiça será feita.”

Thomas L. Friedman (New York Times) advertiu Obama para não se precipitar numa intervenção pouco pensada. “Não há palavras para descrever a vilania destes vídeos das decapitações dos dois jornalistas americanos, mas não tenho dúvida de que se destinam a provocar uma reacção precipitada.”

Definição mais feliz para a palavra “execução”: “Maneira de interpretar uma peça musical.” Frase exemplificativa: “Este pianista tem uma execução notável, interpreta Chopin como nenhum outro.” Viva a música.
 

AGOSTO
31 de Agosto
Cessar-fogo
Terminar o que não devia ter começado

Substantivo masculino que significa “interrupção ou fim das hostilidades entre nações ou partidos em guerra”. Noutra versão e noutro dicionário: “Suspensão das hostilidades entre partes beligerantes.”

Na quarta-feira, numa notícia com o título “Israelitas e palestinianos entram em ‘fase de teste’ com cessar-fogo”, deu-se conta de que em 50 dias o conflito provocou “mais de 2100 mortos em Gaza e 68 israelitas”. Também se informou que este acordo permite a “entrada imediata de ajuda humanitária e de materiais de construção na Faixa de Gaza em troca do fim das hostilidades”.

Correndo o risco de que à data da publicação da Revista 2 a situação na Faixa de Gaza já não seja esta, sempre que há um “cessar-fogo”, a palavra deverá merecer todo o relevo que se lhe puder dar. Traduz uma circunstância de alívio inimaginável para quem nunca esteve em situação de conflito armado.

O mundo não está mais seguro, como se quis fazer crer. Ucrânia e Síria são dois bons exemplos da importância de “cessar-fogos”, antes que tudo se desmorone e alastre. Na quinta-feira, eram estas as notícias: “A Ucrânia acusou a Rússia de estar a invadir o Sudeste do país (...). O Presidente Petro Poroshenko cancelou uma viagem à Turquia, afirmando que ‘está em curso uma invasão de forças russas’”; “após três anos de guerra, até ‘a aparência de respeito pela lei internacional’ desapareceu. Comissão de inquérito da ONU acusa o regime sírio e os jihadistas de crimes contra a humanidade”.

Gostaríamos que “cessar” correspondesse ao sentido mais imediato, o de “acabar”. Só “interromper” não chega. 

24 de Agosto
Saúde
Ébola, taxas, Cuba e Espírito Santo

“Saúde” significa “estado do que é são”, “ausência de doença” e também “vigor”, “robustez”. Numa acepção institucional, corresponde ao “conjunto das estruturas que dizem respeito à prevenção da doença e aos cuidados e tratamentos prestados aos doentes”.

São vários os motivos por que a saúde tem sido notícia.

1. Ébola: “A Organização Mundial de Saúde actualizou o número de casos de ébola registados até 18 de Agosto: 2473 casos de infecção e 1350 mortes. Entre 17 e 18 de Agosto, registaram-se 221 casos novos e 106 mortes, na Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa.”

2. Taxas moderadoras: “A cobrança coerciva de taxas moderadoras, que começa a ser testada em Setembro, vai ‘pôr-nos ao nível do cobrador de fraque’, diz presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos.”

3. Quanto vale um médico cubano? E um português? O bastonário da Ordem dos Médicos diz que “os médicos cubanos já custaram 12 milhões de euros ao Serviço Nacional de Saúde [SNS]”. A Administração Central do Sistema de Saúde diz que “o encargo com cada médico no SNS, para uma carga horária semanal de 40 horas, poderá ascender em média a 4800 euros”.

4. Espírito Santo: o grupo mexicano Ángeles lançou uma oferta pública de aquisição sobre a Espírito Santo Saúde. Em causa está o controlo de “18 unidades de saúde no país”.

“Saudinha é que é preciso”, diz o povo quando se confronta com adversidades menores… como contas por pagar, terras a arder, filhos a partir. “Haja saúde e coza o forno” é a versão mais rural.

Há ainda a expressão popular “tratar da saúde”, que quer dizer “vingar-se de alguém, agredindo-o, prejudicando-o ou mesmo eliminando-o”. Exemplo do dicionário: “Se o incomodas muito, ele trata-te da saúde.” O melhor, portanto, é não o incomodar. “Pela sua saúde!”
17 de Agosto
Festivais
Música por aqui e por ali

No singular, “festival” quer dizer “série de espectáculos de música, teatro ou cinema, que têm lugar num curto período de tempo”. No plural, quer dizer o mesmo, só que corresponde a mais do que um. Falando de música e de Verão, corresponde mesmo a muito mais do que um.

Só para o mês de Agosto, que vai a pouco mais de meio, encontrámos mais de 20 “grandes festas musicais” agendadas. Algumas terminam neste fim-de-semana, outras têm início um pouco mais adiante no calendário. Diferentes estilos e vários lugares, mas sempre com a música como pretexto e essência. “Longe vão os tempos (…) em que Vilar de Mouros, Paredes de Coura e Sudoeste formavam o trio dos grandes festivais de música em Portugal. Os eventos foram-se multiplicando”, escreveu-se, no princípio do mês, a propósito do regresso da “festa” para junto do rio Coura (Caminha), oito anos depois.

Há festivais que se estreiam, outros que se repetem e outros ainda que se dispersam. Nem todos com marcas fortes associadas. Alguns nomes e locais: Bons Sons, Tomar; Sete Sóis, Sete Luas, Alfândega da Fé, Ponte de Sor, Oeiras, Castelo Branco, Elvas, Odemira, Castro Verde e Madalena (ilha do Pico); Didgeridoo, Lagoa; O Sol da Caparica, Almada; Rock no Sado, Setúbal; Vodafone Paredes de Coura; Bom Sucesso Summer Fest, Figueira da Foz; Festival do Crato; Entremuralhas, Leiria; Festival Forte, Montemor-o-Velho; Ilha dos Sons, Mértola.

“Festival” também significa “cortejo militar”, mas esse não é para aqui chamado.

10 de Agosto
Tortura
Prática (vil) para arrancar confissões

“Tormento que, em certos casos, se inflige aos acusados, para lhe arrancar revelações”, regista um dicionário enciclopédico para descodificar o substantivo “tortura”. Um dicionário comum escreve: “Acto ou efeito de torturar, de infligir a alguém dor intensa, física ou moral, para castigar, arrancar uma confissão.”

E é curioso que acrescenta outra explicação usando uma forma pretérita, como se fosse um procedimento ultrapassado: “Prática física ou psíquica infligida por quem torturava.” Engano. Ainda “tortura” — verbo no presente do indicativo. “Torturava” é a conjugação no pretérito imperfeito. Imperfeito mesmo.

Barack Obama, Presidente dos EUA, verbalizou o que todos sabíamos sobre os métodos da CIA a seguir ao 11 de Setembro de 2001, mas usou a palavra proibida que aqui nos ocupa. “Ainda antes de ter assumido a Presidência, fui bastante claro ao dizer que cometemos alguns erros após o 11 de Setembro. Fizemos muitas coisas que deviam ser feitas, mas torturámos algumas pessoas”, disse à comunicação social. Na língua original: “We tortured some folks.”

É sabido que o Presidente usa vulgarmente a palavra “folks”, que, na forma coloquial e dependendo do contexto, pode querer dizer “o pessoal”, “tipos” e até mesmo “camaradas” ou “amigos”. Misturar “folks” com “torture” provocou ainda mais bruaá. Porque se as palavras salvam, também condenam. E, como de imediato se escreveu na imprensa, há a possibilidade de se “abrir uma torrente de acções nos tribunais”. Seja. “That’s (not) all folks!”

3 de Agosto
Arquivamento
Parar a investigação (mas não a memória)

Substantivo masculino que significa “acção ou efeito de guardar em arquivo”, “de arquivar” e ainda “dar por terminado o andamento de uma investigação”. Dito de outra forma: “Sobrestar no andamento de (um processo ou um inquérito).”

O “arquivamento” do inquérito sobre as mortes dos alunos da Universidade Lusófona na noite de 15 de Dezembro de 2013 no Meco confirmou-se na quarta-feira. “O despacho do Ministério Público já foi proferido e coloca um ponto final no inquérito, que não encontrou responsáveis. Familiares dos estudantes vão requerer a instrução do processo para avançar em tribunal com o caso”, noticiou-se.

O advogado das famílias dos jovens, Vítor Parente Ribeiro, disse pretender “requerer a nulidade do inquérito do Ministério Público, por o único sobrevivente nunca ter sido constituído arguido”. Para este domingo, foi marcada uma reunião do advogado com as famílias das vítimas.

“Arquivar” é um verbo que assume os dois significados aqui em presença. Se quer dizer “deixar de lado”, “esquecer”, como pretende o Ministério Público, também se traduz por “conservar na memória”, como jamais as famílias poderão evitar.

Ao Expresso, António Soares, pai de Catarina Soares, disse: “Como pai, considero o arquivamento uma atitude errada e não nos esclarece. Queremos apenas saber a verdade e não andamos à procura de culpados. (…) Vamos ter de reagir. Vamos pedir para reabrir o processo.” 

No Brasil, chama-se “arquivo vivo” à “testemunha dum crime”. No caso do Meco, a única testemunha chama-se João Miguel Gouveia. Só não se sabe se houve crime.


JULHO
27 de Julho
Conflitos
Das pequenas brigas às guerras mundiais

Plural de “conflito”, que provém do latim, conflictu, e que significa “embate”, “choque dos que estão lutando”. Só que nunca afecta apenas os protagonistas da “luta”, “desavença”, “guerra”. 

Nos últimos dias, o “conflito” na Faixa de Gaza matou centenas de pessoas, certamente alheias às “contendas” antigas entre o Governo israelita e o Hamas e que nada tinham que ver com túneis, rockets ou Cúpulas de Ferro. Só queriam viver em paz.

O mesmo se pode dizer dos 298 passageiros mortos no voo da Malaysia Airlines que caiu em território ucraniano, perto da fronteira com a Rússia. Vítimas de outra “guerra”, que em nada lhes dizia respeito. Iam gozar férias, participar em congressos, visitar familiares, viver a vida. Como faz a maior parte de nós, cujos “conflitos” mais comuns que poderemos protagonizar serão os “conflitos de gerações”, “éticos” ou “de interesses”. Mísseis não deveriam entrar nestas histórias. Qualquer que fosse a sua geografia.

Perante estas tragédias, torna-se quase ridículo falar do “conflito” entre os professores portugueses e o Ministério da Educação e Ciência pela prova realizada na terça-feira. Sem menosprezo para com a classe, que certamente ajudou a elaborar os dicionários que consultamos, teremos de recorrer a sinónimos mais suaves e inconsequentes: “desaguisado”, “briga”, “oposição”, “barulho”.

Preocupante é a clareza com que o dicionário fala em “luta entre nações”, “conflito armado” e “conflito mundial”. No ano em que se assinala o centenário da Primeira Grande Guerra, parece que a humanidade aprendeu pouco. Continua a matar muito.

20 de Julho
 Vaga
Lugar por ocupar e onda do mar

Substantivo feminino que significa “lugar vago ou não preenchido”. Dito de outra forma, “espaço ou lugar vago que pode vir a ser ocupado”.

No princípio da semana, foram divulgadas as “vagas” no ensino superior e ficou a saber-se que há 50.820 lugares para novos alunos – menos 641 do que os disponíveis há um ano. “Esta situação faz recuar a oferta no ensino superior público para um nível semelhante ao que se tinha verificado em 2008”, noticiou-se. Também se recordou que “o número de estudantes que, à saída do ensino secundário, declara querer prosseguir a sua formação para as universidades e institutos politécnicos não tem parado de diminuir nos últimos seis anos”. Motivos: dificuldades financeiras e vontade de arranjar um trabalho para poderem ganhar o seu próprio dinheiro. É triste.

A expressão “ocupar uma vaga” pode dizer respeito a um “cargo ou função disponível” ou referir-se a “tempo durante o qual um cargo ou emprego se encontra vago”.

“Vaga” também se traduz por “falta”, “ausência” e “vacância”. No Bloco de Esquerda, por exemplo, há cada vez mais “vagas”. Mas o primeiro significado registado nos dicionários é “onda”. Ou seja, “uma elevação de água, do oceano ou do mar, causada sobretudo pela acção do vento ou das marés”. Em sentido figurado, corresponde a “grande quantidade” e “multidão” .

“Vaga de fundo” quer dizer “movimento surdo, mas consistente, no interior de um grupo numeroso de pessoas e que manifesta o sentido das suas opções”. É na política que mais acontece. Mas só quando os partidos têm militantes em número suficiente.
13 de Julho
Utente
Utilizador (ou vítima) de um serviço

Qualquer pessoa que utilize “bens ou serviços, públicos ou privados”, é um “utente”, diz o dicionário. Mas, verdade verdadinha, não é qualquer pessoa que pode utilizar os “privados”, mesmo que ainda assim continue a ser um “utente”. E também pode acontecer que, ao querer usar os “públicos”, o “utilizador” seja informado de que estão em greve. Se já esperou três anos por uma consulta ou cirurgia, o “usuário” pode aguardar mais uns dias.

Já os fornecedores de “bens e serviços” aos “utentes” podem ser privados e continuar a ser públicos, às vezes até em vários locais e ao mesmo tempo. Como alguns médicos do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, que estão a ser investigados pela Inspecção-Geral de Saúde pelo seu dom da ubiquidade. E esqueçamos por agora ligações a laboratórios ou prescrições indevidas.

Não se pode saber se foram “doutores” deste tipo que fizeram greve nos dias 8 e 9 de Julho em defesa do Serviço Nacional de Saúde, mas constou que ficaram garantidos os serviços aos “utentes” do privado.

A Federação Nacional dos Médicos, que convocou o protesto, falou numa adesão de 70% a 90% a nível nacional, mas o Ministério da Saúde considerou estar-se perante uma “impossibilidade aritmética”, apontando para percentagens de 27% a 30%.

Estas diferenças de contagem pouco importam “àquele que usa ou que tem o direito de usar” um serviço. No caso, assistência médica. Mesmo com uma grande “probabilidade aritmética” de o “utente” entrar e sair do consultório sem que o médico chegue a olhar para a sua cara.

6 de Julho
Família
Zangam-se as comadres...

Ao segundo sentido, conforme o dicionário, “família” corresponde ao “conjunto de pessoas do mesmo sangue ou ligadas por aliança, como: pais, filhos, avós, tios, irmãos, primos sobrinhos, etc”.

Na explicação para “de família”, registam-se dois exemplos: a) “Relativo exclusivamente aos membros da família, sem incluir estranhos” — “um negócio de família”; b) “Que pertence à família, que provém de familiares” — “bens de família”.

Já para a expressão “ficar em família”, o sentido é: “Não revelar a pessoas estranhas, ficar reservado apenas aos familiares mais íntimos” — “o caso fica em família, ninguém mais deve saber”. Foi o que a “família” Espírito Santo conseguiu durante muito tempo relativamente ao exercício do banco com o seu nome. Mais conhecido pela sigla BES.

O dicionário também descodifica a expressão “ser de boas famílias”, ou seja, “pertencer a família abastada ou socialmente considerada”. Mas também estas se desentendem e mais ainda quando a luta pelo poder se sobrepõe a qualquer desejo de harmonia familiar. Ricardo Salgado e o primo José Maria Ricciardi iniciaram uma guerra e continuam desavindos. E os segredos já não conseguem ficar “em família”.

“Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades” é um ditado demasiado popularucho para quem pertence a “boas famílias”. Mas pode ser adaptado, elevando-se ao estatuto Espírito Santo: “Zangam-se os primos banqueiros, descobrem-se os ilícitos dinheiros.”

 
JUNHO
29 de Junho
Tristeza
O que se lamenta, desolação, tristura

“Aquela derrota do clube, em casa, foi uma tristeza!”, escreve-se no dicionário Verbo da Língua Portuguesa, depois de explicar um dos significados de “tristeza”. Numa adaptação actualizada, poderia substituir-se “clube” por “selecção portuguesa” e “em casa” por “no Mundial 2014”. Uma “tristura!”, diz-se ainda no Brasil.

Neste sentido, “tristeza” refere-se ao “que é triste e se lamenta”. A “tristeza” começou no jogo com a Alemanha (que Portugal perdeu, 4-0) e continuou no desafio com os EUA (2-2). Ironia do universo vocabular, “tristeza” significa também, para os brasileiros, “febre-do-texas”, uma doença que ataca bovinos. Com o Gana, foi a “tristeza” final, apesar da vitória (2-1). Para seguir em frente, a selecção teria de conseguir uma goleada e esperar que a Alemanha e os EUA não empatassem. Um “milagre” que não aconteceu.

A “tristeza” não é sempre igual, qualquer um de nós o sabe. Primeira acepção registada: “Sentimento de quem perde ou lamenta alguma coisa, de quem é ou está triste.” Frase exemplificativa: “Recordar o passado com tristeza.” Outra: “Falta de vivacidade, de animação.” Exemplo: “A tristeza das ruas depois de a festa acabar.”

Há vários sinónimos à escolha: “abatimento”, “melancolia” “desânimo”, “infelicidade”, “mágoa” e “desolação”, mas também “monotonia” ou “chateza”. E, claro, “falta de alegria”, como a de que padecem agora os portugueses adeptos de futebol. “Tivemos aquilo que merecemos”, disse Paulo Bento, o seleccionador.

“Tristeza” maior e verdadeira é a de não podermos voltar a partilhar esta página com Miguel Gaspar, que quinzenalmente nos convidava a olhar melhor para o que julgávamos já ter visto.


22 de Junho
Abdicação
Renúncia a cargo ou cedência de trono

“Acto ou efeito de abdicar”, “desistência” e “renúncia” são alguns dos significados de “abdicação”. Mas também “cedência”. Três dicionários dão exemplos de frases para o verbo “abdicar”: “Carlos V abdicou em seu filho a coroa de Espanha”, “Eduardo VII abdicou do trono” e “o rei abdicou no filho”.

Na quarta-feira, Juan Carlos abdicou (formalmente) em Felipe o cargo de rei de Espanha. A assinatura da lei que tornou oficial a “abdicação” ao trono foi o seu último acto oficial como rei. Durante a cerimónia, num gesto simbólico de transição de poder, cedeu a sua cadeira ao ainda príncipe (“¿Por qué no te sientas?”, terá pensado).

Na quinta-feira, Espanha acordou com um novo rei: Felipe VI. “Do novo monarca espera-se a mesma discrição que mostrou enquanto príncipe — mas não lhe compete resolver as grandes questões que o país enfrenta”, escreveu Nuno Ribeiro, no PÚBLICO. Mais adiante, deu conta da reacção dos espanhóis perante a “resignação”: o “oficial Centro de Informações Sociológicas revela que apenas 1% dos espanhóis sentiu inquietação pela abdicação de Juan Carlos. Para 80%, a preocupação é o desemprego” e “um estudo de opinião do El País esclarece que 62% dos inquiridos desejam um referendo sobre a monarquia”.

Num dicionário de Português do Brasil, “abdicação” traduz-se por “abrir mão”. Felipe VI, que anunciou “uma monarquia renovada para um tempo novo”, começou por “abrir mão” das tradicionais cerimónias de grande ostentação. A austeridade chegou aos palácios.

15 de Junho
Copa
Taça, competição e nota de 500 mil cruzeiros

“Torneio desportivo em que se disputa uma copa ou taça”, lê-se no Médio Dicionário Aurélio (de Português do Brasil, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1980). “Copa” pode não ser necessariamente uma competição de futebol, mas a que arrancou na quinta-feira e terminará a 13 de Julho é. Trata-se do Mundial de futebol 2014. Impossível não o saber.

A cidade de São Paulo abriu a “Copa das Copas” (assim a baptizaram os anfitriões) com o jogo entre o Brasil e a Croácia. Nos próximos tempos, muito se falará de bola, o que entusiasmará alguns e cansará outros.

A palavra tem origem latina, cupa, que se traduz por “cuba” e se pode referir a “grande vaso de madeira” ou a “taça de forma semelhante à do cálice litúrgico”. Se tiver tampa, chama-se “coberta”. No Mundial, não é o caso.

Mas há outros significados: “parte do chapéu que cobre a cabeça”; isto porque “copa” é “a parte dianteira da cabeça”. Também quer dizer “parte superior da ramagem das árvores”, “flor de oliveira” e “nota de quinhentos mil réis ou cruzeiros”. Moeda antiga do Brasil.

“Copa” é ainda uma “divisão adjacente à cozinha que pode ser usada para refeições e onde geralmente se guardam louças, roupa de mesa e certos géneros alimentícios”.

Na “copa” do hotel onde se instalou a selecção portuguesa, há bacalhau, chouriço, azeite, polvo, queijos e outras iguarias nacionais, no que chamaram “mala da saudade”. Quem disse que não há poesia na bola? Só quem nunca escutou um relato.

8 de Junho
Aclaração
Desnublar as obscuridades

“Acto ou efeito de aclarar”, regista o dicionário para explicar o substantivo feminino “aclaração”, que tanto se escutou nos últimos dias. A palavra difundiu-se depois de o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, ter pedido à Assembleia da República que solicitasse aos juízes do Tribunal Constitucional (TC) uma “aclaração de obscuridades ou ambiguidades” no texto que chumbou algumas normas do Orçamento do Estado para 2014.

Há quatro pontos a “aclarar”: 1 — “Esclarecimento” sobre se os subsídios já pagos em duodécimos estão incluídos no chumbo (os salários entre Janeiro e Maio não estão); 2 — “Elucidação” sobre se quem ainda não recebeu o subsídio de férias o recebe com ou sem cortes; 3 — “Deslindamento” sobre o que deve ser pago a quem já recebeu esse subsídio; 4 — “Clarificação” sobre qual a data exacta a partir da qual a decisão deve ter efeito (foi conhecida a 30 de Maio).

“Aclaração” também significa “aditamento a um texto legal ou contratual para esclarecer certas cláusulas ou artigos”. Parece, no entanto, que o pedido para “desnublar” o texto do TC “não tem qualquer base legal, segundo o novo Código de Processo Civil de 2013, que o próprio Governo fez aprovar”, disse o professor de Direito Menezes Leitão à Lusa.

PCP e BE manifestaram-se contra o pedido de “desofuscação”. “Tentativa de instrumentalização” do Parlamento foi uma das acusações.

Até quinta-feira, o país continuava à espera de que tudo ficasse “aclarado” (sobre eleições antecipadas também). Ou seja, “livre de nota ou culpa”, “purificado”, a “descoberto”. Pois está claro.

1 de Junho
Liderança
Quem é que manda(rá) aqui?

“Capacidade de influenciar, dirigir, liderar opiniões e comportamentos alheios”, regista o dicionário quando descodifica a palavra “liderança”. E logo nos dá uma frase em contexto: “Tem grande aptidão para o exercício da liderança.”

A seguir, outra explicação: “Exercício da função de líder, condução, chefia, governo.” Atenção que “governo” e “Governo” não são bem a mesma coisa. Mais uma frase contextual: “A sua liderança está a ser contestada.” Reconhecemos este “filme”. Começou a ser exibido nesta semana, by Partido Socialista: António contra António. Numa sala perto de si. Demasiado.

Depois de conhecidos os resultados das eleições europeias, António (o Costa), socialista e presidente da Câmara de Lisboa, mostrou-se disponível para assumir a “liderança” do partido em que é filiado e que é liderado, até ver, por António (o Seguro).

“Sinto que é meu dever corresponder àquilo que lancei e que sinto ser aquilo que os socialistas e muitos cidadãos que, não sendo socialistas, acham que eu posso e tenho o dever de dar ao país”, disse António (o Costa). Um ímpeto altruísta que há um ano não moveu este ex-ministro de Estado e da Administração Interna do XVII Governo Constitucional, sob a “liderança” de José Sócrates. Outro “filme”, outra narrativa e outros protagonistas.

Depois do encontro de quarta-feira entre António (o Costa) e António (o Seguro), foi divulgado um comunicado. O actual líder (“chefe, orientador”, segundo o dicionário) do partido confirmou “que o seu adversário tinha considerado importante a realização de um congresso”. A terminar, “o secretário-geral registou a posição do doutor António Costa”. Ficaria então para sábado (ontem) uma eventual decisão da comissão nacional, com reunião marcada no Vimeiro.

A Revista 2 fecha à quinta-feira, pelo que de nada valeria dar palpites. Registe-se apenas o sentimento de alguns portugueses: entre um António e outro, venha o congresso e escolha. A maior parte há muito que prefere abster-se. Escolheu não escolher quem manda(rá) aqui.

MAIO
25 de Maio
Provas
Avaliações na escola, no desporto e na política

Plural de “prova”, que se entende como sinónimo de “exame”. Cerca de 210 mil alunos do 4.º e 6.º ano prestaram nesta semana “provas” a Português e a Matemática. A primeira, na segunda-feira, “foi um alívio” para os mais velhos (10-12 anos) porque avaliou pouco a gramática. Já a de quarta-feira levou alguns miúdos a falar em “perguntas traiçoeiras”. Por vezes, a “prova” maior é perceber o Português da Matemática. Ou seja, conseguir interpretar a pergunta.

“Prova escrita”, diz o dicionário, é uma “prova que o examinado faz respondendo por escrito a um questionário que lhe foi apresentado”. Nem sempre corre como se espera. E o resultado ainda menos.

“Dar provas” quer dizer “mostrar”, “evidenciar. Frase exemplificativa: “Ele já deu provas de ser um bom jogador.” Também no desporto, nem sempre a “prova” (igual a “desafio”) corre como se espera. E o resultado ainda menos.

À data de fecho da Revista 2 (quinta-feira, dia 22), não se podia saber quem iria “provar” ser o melhor na final da Liga dos Campeões disputada em Lisboa: Real Madrid ou Atlético de Madrid. Falamos de futebol, claro. 

“À prova” estiveram igualmente as forças de segurança portuguesas. Também existe a “prova de fogo”, que é “a mais exigente, a que leva alguém ao limite”.

Hoje, “põe-se à prova” a União Europeia. O mesmo é dizer que se “testa a sua qualidade”. Nem sempre corre como se espera. E o resultado ainda menos.

18 de Maio
Mina
Jazigo de minérios e de mineiros

“Galeria subterrânea e estreita para trazer a água de uma nascente ou para a extracção de minérios.” Esta é uma das definições de “mina”. Outra é “jazigo de minerais”.

Nesta semana, uma mina de carvão na Turquia, na cidade de Soma, tornou-se também jazigo de mineiros. Uma explosão, seguida de incêndio, matou 282 pessoas e deixou uma centena soterrada (números de quinta-feira). “Negligência”, acusaram os sindicatos, que disseram através de comunicado: “Centenas dos nossos irmãos trabalhadores em Soma foram deixados a morrer desde o início por serem forçados a trabalhar em processos de produção brutais, para a obtenção do máximo de lucros.” E apelaram à greve e ao luto.

Recep Tayyip Erdogan, primeiro-ministro turco, considerou que estes acidentes são “factos inerentes à profissão”. Foi investigar: “Estive a estudar a história dos acidentes. Houve 204 mortos num colapso de uma mina em 1838, e em 1866 outros 361 mineiros morreram na Grã-Bretanha. Numa explosão em 1894 foram 290 vítimas.”

Tamanha sensibilidade estatística... enfureceu ainda mais os cidadãos. Chamaram-lhe “assassino”. Talvez Erdogan se sinta agora motivado para investigar os riscos e “factos inerentes” à sua própria profissão.

“Mina”, em sentido figurado, significa “o que dá riqueza”; “proporciona vantagens”. Se o dicionário misturasse o literal ao figurado, talvez criasse uma definição de “mina” semelhante a esta: “Lugar triste e perigoso de onde se extrai riqueza. Para outros.”

11 de Maio
Intenções
Planos deliberados que enchem o inferno

Plural de “intenção”, que significa “propósito”, “intento”, mas também “aspiração”, “desejo”, “desígnio”. Ou ainda “plano deliberado”.

Quando se tem “tenção” de dar a conhecer as “intenções”, pode-se fazê-lo oralmente e/ou por escrito. A “intenção” deste texto, por exemplo, é falar da “carta de intenções” que o Governo estará a escrever para o FMI, depois de ter decidido a chamada “saída limpa” do processo de resgate.

Na quarta-feira, a carta ainda não estava “finalizada”, segundo o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas. Mas, de acordo com o mesmo governante, não conterá qualquer novidade: “Reflecte aquilo que as pessoas já conhecem.” Ou seja, “o Documento de Estratégia Orçamental” e “os compromissos relativamente à 12.ª avaliação”. 

O PS pediu mais esclarecimentos sobre o conteúdo da missiva, mas Passos Coelho, o primeiro-ministro, garantiu também que nada de novo ali estaria registado. Por conseguinte, não haverá por parte do Governo “segundas intenções” na não divulgação da carta antes de ser enviada aos credores. Traduzindo-se “segundas intenções” por “propósito que se não diz, que fica reservado, contrário ao que é aparente”. 

A locução “na melhor das intenções” é comum na língua portuguesa e usa-se para “exprimir a candura, a pureza, a falta de ruins propósitos com que se faz alguma coisa”. Exemplo: “Fui lá na melhor das intenções.” E é sabido o lugar que de “boas intenções” está cheio: o inferno. Portugal também.


4 de Maio
Banana
Racismo com casca

“Banana”, esclarece o primeiro dicionário consultado, é um “fruto estreito e alongado, de casca amarela não comestível e polpa esbranquiçada de sabor doce, produzido por uma planta originária das regiões tropicais”. Segue-se a frase: “Os macacos gostam muito de bananas.”

Durante o desafio de futebol Villarreal-Barcelona, um adepto atirou uma banana para o brasileiro Daniel Alves, numa atitude racista, não inédita, com a clara intenção de o insultar. O atleta apanhou-a, descascou-a e comeu-a. Foi elogiado por essas dentadas no racismo e logo surgiu nas redes sociais o movimento “somos todos macacos”, impulsionado pelo colega Neymar.

Segundo a Veja, não terá sido assim tão espontânea a génese desta investida contra o racismo. Em Março, depois de um adepto do Espanyol ter atirado também aquele “fruto bacáceo” visando os dois futebolistas, Neymar terá dito que, se tivesse visto a banana, a teria comido. A agência de publicidade Loducca, com que preparou entretanto parte da campanha #somostodosmacacos, aproveitou o gesto de “Dani” e lançou-a de imediato. Resultou.

Nelson Évora e Francis Obikwelu, por exemplo, denunciaram pouco depois o impedimento de entrarem em grupo numa discoteca de Lisboa por “serem demasiados pretos”, ter-lhes-á sido dito pelo porteiro. Branco, supõe-se..

“Banana” e “manguito” (“gesto obsceno realizado com a mão fechada e o braço dobrado”) são sinónimos. Noutros sentidos depreciativos, os dicionários registam “banana” como “homem que não tem vontade própria”, “molengão”, “da rês de chifres caídos”. Exemplo: “É um banana, fazem dele o que querem!”

E ainda “pateta”, “papalvo”, “pacóvio”, “palerma”, “cobarde”. Como os que atiram fruta para os relvados.

ABRIL
27 de Abril
Vermelho
Cor do sangue, da liberdade e do Benfica

Adjectivo e substantivo masculino, “vermelho” quer dizer “que tem a cor do sangue vivo”, “da papoila” e “do rubi”. Também se diz de “cantiga ou anedota picante”. Noutro âmbito, a palavra remete para “comunista”, “marxista” ou “socialista”, por extensão de “pertencente ou relativo à ex-URSS”.

Há 40 anos, no dia 25 de Abril, Celeste Caeiro distribuiu cravos vermelhos pelas pessoas nas ruas. A flor e a cor tornaram-se símbolos da revolução que derrubou a ditadura e instaurou a democracia. Por isso também se associa “vermelho” à liberdade.

Falando de bola, o “vermelho” (do Benfica) foi campeão nacional pela 33.ª vez. Se o Estádio da Luz já estava “rubro” durante o desafio, depois foi a vez de a cor “escarlate” invadir muitas ruas do país. Em Lisboa, até o Marquês de Pombal foi vestido de “encarnado”. E os títulos dos jornais também se coloriram: “Onda encarnada invadiu Marquês”, “Festa do 33.º título pintou o Marquês e o país de vermelho” e “Festa vermelha”.

Para sexta-feira, 25, estava prevista uma festa da mesma cor e no mesmo cenário, já não pelo esférico, mas pela democracia. No dia de fecho da Revista 2, não se podia saber se a multidão iria ser comparável à de domingo. Embora se desconfiasse que não.

Perguntava José Vítor Malheiros no PÚBLICO de terça-feira: “Quantos adeptos deste ou de outro clube, loucos de alegria pelo resultado de um jogo que em nada modificaria a sua vida, estariam dispostos a sair à rua para defender o aumento do salário mínimo, o aumento das pensões, o fim das propinas ou o pleno emprego. Quantas destas pessoas virão para a rua no 25 de Abril gritar que não esquecemos a liberdade? (…)” Hoje já se sabe a resposta.

20 de Abril
Cortes
Supressões, ferimentos e parlamentos

Plural de “corte”, que significa, para o que nos interessa aqui lembrar primeiro, “diminuição da quantidade, restrição de despesas ou consumos, geralmente por razões económicas”. O dicionário repete uma frase que já todos escutámos demasiadas vezes. “Tiveram de fazer cortes nas despesas com pessoal.” Não dá exemplos de expressões com cortes em salários e pensões, mas certamente o fará em edições futuras.

Nesta semana, ficou a saber-se que as próximas “supressões” rumo ao valor do défice desejado (2,5% do PIB em 2015) incidirão “nos custos nos diversos ministérios, através de fusões e reestruturações de serviços e organismos”, “custos intermédios com comunicações, consultorias, pareceres e pelo efeito do programa Aproximar”, “diminuição do número de funcionários públicos através das aposentações e dos programas de rescisões amigáveis” e também “fusões e redução das indemnizações compensatórias no sector empresarial do Estado”.

Informações de Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças, para os “cortes” futuros. Sobre os do passado, feitos nos salários dos funcionários públicos e nas pensões, só se saberá se serão definitivos no final do mês.

“Corte” também quer dizer “incisão, golpe ou ferimento, mais ou menos profundo”. Sente-se na pele. O de rendimento, também.

Sinónimos de “cortes” (pronunciando-se com a primeira vogal fechada, “ô”): “Conjunto de pessoas que residem na corte e rodeiam habitualmente um rei”, mas também “Parlamento” e, ninguém diria, “curral”.

13 de Abril
Salário
O mínimo é aumentá-lo

Toda a gente sabe o que é um “salário”. Os que ainda o têm, os que ainda não e os que já não. As explicações dos dicionários para esta palavra, que na origem latina significava “soldo para comprar sal”, variam com a antiguidade. 

O mais velhinho diz assim: “Jornal, retribuição de um serviço que um indivíduo presta a outro, dia por dia ou hora por hora. O rédito do trabalhador, assim como o ‘juro’ é o do capitalista, o ‘lucro’ o do empresário, a ‘renda’ a do proprietário.”

O mais recente explica: “Soma de dinheiro paga regularmente por uma entidade empregadora àquele que lhe presta um serviço.” E define “ordenado mínimo”: “Salário abaixo do qual a lei nacional proíbe que um trabalhador possa ser remunerado.”

Um dicionário a meio caminho entre o passado e o presente regista: “Remuneração do trabalho de um empregado regulada geralmente pelos contratos colectivos de trabalho.” E o “mínimo” já consta da explicação: “Preço mínimo do trabalho fixado por lei.”

Por estes dias, discutiu-se o aumento do salário mínimo nacional: 485 euros por mês. Na verdade, discutiu-se o momento e enquadramento da discussão de esta “remuneração” ou “paga” atingir o meteórico... valor de 500 euros.

No PÚBLICO, escreveu-se em editorial: “Nesta altura, aumentar o salário mínimo nacional não seria apenas uma decisão racional do ponto de vista da economia, como teria um impacto marginal para a generalidade das empresas. E para os 400 mil trabalhadores que ganham 485 euros por mês é uma questão da mais elementar justiça e dignidade.” É o mínimo.

6 de Abril
Banco
Instituição bancária e assento dos réus

“Instituição financeira cuja actividade principal consiste em receber depósitos e conceder créditos.” Esta é uma das 12 definições que o dicionário nos oferece para “banco”. E até se fica a simpatizar com o dito.

Mais adiante, há um registo oportuno face à actualidade: “banco central”. Diz assim: “Instituição bancária, normalmente pública, que em geral é responsável pela emissão de moeda, pela fiscalização das instituições e da actividade financeira de um país, pelo controlo do crédito, pela fixação das taxas de juro e pela divulgação de análises e resultados económicos.” Se o anterior era simpático, este parece mesmo amigo.

Vítor Constâncio, vice-presidente do Banco Central Europeu, foi nesta semana obrigado a recordar-se de que se tinha esquecido de ter sido chamado, quando era governador no Banco de Portugal, a responder sobre “irregularidades concretas” do BPN. Isto em consequência de uma entrevista de Durão Barroso ao Expresso e que deu origem a uma declaração de antigos membros da administração do banco central, onde se explicava que “a supervisão bancária não é um sistema de investigação de crimes financeiros”.

Para Henrique Monteiro (Expresso), “tudo o que diz respeito ao BPN é uma vergonha da qual poucos se livram”: Cavaco Silva, Dias Loureiro, primeiros-ministros e ministros das Finanças desde Durão Barroso até Teixeira dos Santos e Vítor Constâncio, “o todo-poderoso regulador e o supervisor da banca”. 

Para o comum contribuinte, fica a sensação de que certas personagens, façam o que fizerem ou não façam o que deveriam ter feito, nunca se sentarão no “assento” ou “banco” dos réus, moral ou judicialmente. Haverá sempre quem lhes ofereça outro “banco”, no sentido de “lugar”. E cada vez mais alto.


MARÇO
30 de Março
Tanque
Blindado conduzido por rapazes

Diz o dicionário que um “tanque” é “um carro militar de combate, blindado, com motor de explosão e que caminha sobre lagartas”; “capaz de fazer disparos a longa distância”. Não se explica quem os manobra ou conduz, mas podem ser jovens militares. Como os que Adelino Gomes e Alfredo Cunha quiseram homenagear no livro Os Rapazes dos Tanques, lançado na quinta-feira em Lisboa. Rapazes que souberam desobedecer e evitar que a história do 25 de Abril de 1974 fosse outra.

“Foi a sapiência de evitar o primeiro tiro”, disse o coronel Matos Gomes na apresentação da obra. “A coragem foi maior que o medo”, sintetizou Amílcar Coelho, na altura cadete da Escola Prática de Cavalaria de Santarém.

“Em vez de nos concentrarmos sempre nos capitães, fomos também aos furriéis e aos soldados que nunca ninguém tinha ouvido. Talvez isso não dê mais rigor à história, mas dá vozes mais próximas das pessoas. Não é a visão do militar profissional, há muitos milicianos, é um pouco o povo que está aqui, são pessoas humildes, o cabo, o condutor. Não tem representatividade. São os que estavam ali e os que nós encontrámos. [Os dos quatro carros de combate] eram 20 a 25. Desses, ouvimos nove. Não encontrámos mais nenhum”, disseram os autores do livro sobre “os rapazes dos tanques”. Então, também eles dois rapazes. O rapaz das imagens: Alfredo Cunha, 20 anos. O rapaz das palavras: Adelino Gomes, 29.

Em sentido figurado, “tanque” também quer dizer “pessoa forte e robusta”. Nem sempre a vencedora.


2 de Fevereiro
Praxe
"Tradição ou crime público?”

Nome feminino que significa, na primeira acepção, “aquilo que é habitual, que se pratica habitualmente”. Um costume, portanto. “É da praxe, o noivo esperar pela noiva junto ao altar”, regista pacificamente o dicionário. Segue-se uma definição de “praxe académica”. Ei-la: “Usos e costumes convencionais, próprios dos estudantes universitários; com tradição mais antiga em Coimbra.” Informação que ao longo da semana foi sendo descortinada na imprensa, sobretudo por opositores a esta prática.

José Pacheco Pereira: “Tenho contra a praxe todos os preconceitos, chamemos-lhe assim, para não estar a perder tempo, da minha geração. A praxe quando estava na faculdade era vista como uma coisa de Coimbra, um pouco antiquada e parola, de que, felizmente, no Porto e em Lisboa não havia tradição.”

Vasco Pulido Valente: “Os seis mortos da praia do Meco (e o único sobrevivente dessa excursão nocturna) frequentavam a Universidade Lusófona. Todo o mal vem daí. (…) Parece (não garanto) que a PJ descobriu que os mortos do Meco estavam a cumprir um ritual ‘praxístico’, sob a direcção de um dux (um nome roubado a Coimbra), quando foram arrastados por uma onda.”

Outro dicionário, mais antigo, regista: “Conjunto de costumes especiais e convenções a que, de certo modo e com ligeiras excepções, aderem todos os estudantes, voluntariamente na maior parte das vezes.”

O Observatório de Direitos Humanos, ouvido pela Antena 1, defendeu “um novo tipo de crime para punir as praxes violentas, porque é preciso responsabilizar na justiça quem voluntariamente põe outra pessoa em perigo ou ameaça a sua integridade física”. Da tradição ao crime.

JANEIRO
26 de Janeiro
Mistério
Enigma na praia e na levada

“Mistério”, segundo os dicionários, traduz-se assim: “O que é difícil de compreender ou que a razão ainda não consegue explicar.” O mesmo que “enigma” ou “segredo”.

Até quinta-feira, havia dois “mistérios” por compreender no território nacional: o da morte dos seis universitários na praia do Moinho de Baixo (Meco) e o do desaparecimento de um bebé no estreito da Calheta (Madeira), encontrado numa levada três dias depois e três quilómetros mais adiante.

O coordenador da Polícia Judiciária na Madeira, Eduardo Nunes, admitiu que o menino terá sido raptado e deixado no local por alguém que as autoridades não conseguiram ainda localizar: “Continuam em aberto todas as possibilidades. A PJ vai continuar a investigar.”

Mais dicionário para desvendar a palavra “mistério”: “Facto obscuro ou secreto que, por falta de dados, ou por outro motivo, permanece por explicar.”

No caso do Meco, esperava-se que a audição de João Gouveia, o sobrevivente, viesse esclarecer este “facto estranho”. Mas a audição foi adiada e a investigação mudou de mãos. O episódio passou agora a duplo “segredo”, sendo também “segredo de justiça”. A Procuradoria-Geral da República informou: “Serão realizadas todas as diligências adequadas ao esclarecimento das circunstâncias em que ocorreram as mortes.”

A palavra vem do grego, mystérion, que se associava a “cerimónias secretas” e a que, “na antiguidade pagã, só podiam assistir os iniciados”. Como as praxes.


19 de Janeiro
Bolsas
A Europa dá, Portugal tira

Plural de “bolsa”, substantivo feminino cujo primeiro significado é “pequeno saco, geralmente fechado por cordões, para guardar e transportar dinheiro”. Outra explicação: “Carteira de tecido, pele ou outro material, geralmente usada por mulheres, para guardar dinheiro, documentos ou pequenos objectos de uso pessoal.”

As “bolsas” que se querem aqui definir só têm em comum com as anteriores o dinheiro, são as “bolsas de estudo”. O dicionário regista-as assim: “Subsídio[s] concedido[s] a estudantes ou investigadores para estudos ou viagens culturais.”

Na quarta-feira, quando foram divulgados os resultados das candidaturas a bolsas de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), chegaram más notícias. “Dos 3416 candidatos para bolsas de doutoramento, só 298 receberam a bolsa. No caso dos pós-doutoramentos, só 233 cientistas receberam bolsas entre 2305 candidaturas”, escreveu-se no PÚBLICO.

A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica considerou tratar-se de “uma razia”, que mostra uma “política de desinvestimento e de abdicação de defesa dos interesses nacionais em detrimento das opções ditadas em esferas internacionais”. E já marcou um protesto para 21 de Janeiro.

Dois dias antes, soube-se que quatro investigadores a trabalhar em Portugal vão receber financiamento do Conselho Europeu de Investigação (sete milhões de euros). “Bolsa” e “financiamento” não são bem a mesma coisa, mas o resultado é o mesmo. Traduz-se em dinheiro que permite aos investigadores continuarem a sê-lo.

“Abrir os cordões à bolsa” significa “gastar dinheiro”. Há sempre quem possa.

12 de Janeiro
Hércules
A força de uma tempestade

Quando se pensa em Hércules, pensa-se em força. Um nome apropriado para uma tempestade. Foram os efeitos da tempestade Hércules que chegaram à Europa e inundaram o litoral português. Falou-se em “ondas destruidoras” e explicou-se a sua origem e intensidade. A força de Hércules deu ainda mais força ao sempre perigoso mar de Inverno.

Portugal também dá uma ajudinha aos males que lhe acontecem na costa. “Sem regras eficazes durante décadas, as construções avançaram para zonas nitidamente vulneráveis — como falésias instáveis, ilhas de barreira, dunas e leitos de cheia”, escreveu-se no PÚBLICO. E informou-se que, entre 1970 e 2011, o número de habitantes junto ao mar subiu de 738 mil para 1,2 milhões.

Hércules é o nome latino de Héracles, segundo um dicionário enciclopédico, “semideus e herói grego, de origem argiva, filho de Zeus e Alcmena e irmão gémeo de Íficles. Vestia a pele de um leão que capturou aos 18 anos. Num acesso de loucura, matou a sua esposa Megara e os filhos.” O seu castigo envolveu 12 trabalhos, todos eles exigindo uma força imensa.

Outro tipo de força, a de vontade de vencer, terá sido a de Eusébio, que também ocupou o pensamento de muitos portugueses nestes dias. O dicionário apresenta-o como “futebolista português, nascido em Lourenço Marques, hoje Maputo”. No final, escreve: “Mundialmente reconhecido como um dos grandes nomes do futebol.”

De Hércules, sabe-se que Zeus o levou para o Olimpo. De Eusébio, sabe-se que irá para o Panteão. Neste mundo.

5 de Janeiro
Promulgação
Ordem de execução dada pelo chefe de Estado

“Acto pelo qual o chefe de Estado declara a existência de uma lei e ordena a sua execução” e também “publicação de lei ou decreto, depois de assinados pelo chefe de Estado e referendados pelo ministro ou pelos ministros colectivamente”.

Em relação ao Orçamento do Estado para 2014, não se tratando propriamente de uma lei, o efeito é o mesmo. Foi anunciada a sua “promulgação” pelo Presidente da República, Cavaco Silva, a 30 de Dezembro e publicado em Diário da República no dia seguinte.

Os partidos da oposição não gostaram. O PCP, pela voz de Armindo Miranda, disse que a “promulgação” só é “boa notícia para os banqueiros” e chamou-lhe orçamento “de fome”.

José Junqueiro, vice-presidente da bancada parlamentar socialista, afirmou que se “promulgou a incerteza quanto à constitucionalidade do orçamento” e que “o PS vê esta promulgação com preocupação, na medida em que pode ser a terceira vez que um orçamento deste Governo contém normas inconstitucionais”. 

A expectativa de que o chefe de Estado enviasse o orçamento para o Tribunal Constitucional (TC) para fiscalização sucessiva manteve-se até ao momento da mensagem de Ano Novo do Presidente, já na quarta-feira. Mas Cavaco Silva deixou perceber que não o faria. Não sendo esta uma prerrogativa exclusiva do chefe de Estado, será o PS a solicitar a fiscalização do TC sobre “os cortes de pensões e de salários”.
 
Como sinónimos de “promulgar”, o dicionário regista “decretar”, “proclamar” e “vulgarizar”. E a vulgarizar-se está o recurso ao Tribunal Constitucional desde que este Governo tomou posse.


Palavras de 2013
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/palavras-de-2013-1618166

Palavras de 2012
http://www.publico.pt/portugal/noticia/palavras-de-2012-1579199

Palavras de 2011
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/as-palavras-de-2011-1526815

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