Principal condenado do Face Oculta volta a ser julgado por corrupção com ex-funcionário da Refer

Manuel Godinho, condenado a 17 anos e seis meses de prisão, será julgado em Aveiro com antigo engenheiro da Refer acusado de ter assinado facturas de mais de 114 mil euros por serviços não prestados.

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Sucateiro de Ovar foi condenado esta quinta-feira pela terceira vez. Adriano Miranda

O principal arguido no processo Face Oculta, Manuel Godinho, condenado a 17 anos e seis meses de prisão efectiva, vai ser julgado novamente por corrupção activa no âmbito de um caso em que terá procurado favorecer as suas empresas em contratos com a Rede Ferroviária Nacional (Refer). Neste processo, que resultou de uma certidão extraída inicialmente do Face Oculta, é ainda arguido um ex-engenheiro técnico daquela empresa acusado de corrupção passiva e seis crimes de falsificação de documentos.

Segundo o despacho de pronúncia para julgamento, Manuel Godinho, de 59 anos, terá contactado em Maio de 2001 o engenheiro responsável na Refer pela Via e Geotecnia da Zona Operacional de Conservação Sul, em Beja.

O empresário, continua o despacho, terá conseguido convencer o funcionário da Refer, de 57 anos, a favorecer o universo empresarial dele nos negócios que mantinha com a firma. O engenheiro, por seu lado, terá recebido 128 mil euros em cheques como contrapartida por assinar facturas que levaram a Refer a pagar mais de 114 mil euros à Sociedade de Empreitadas Ferroviárias (SEF) de Godinho.

O despacho deixa a suspeita de que Godinho terá conseguido facturar desta forma mais trabalhos à Refer, mas o Ministério Público (MP) não conseguiu recolher mais indícios nesse sentido.

O caso será julgado no Tribunal de Aveiro, apesar do inquérito e a instrução do processo terem decorrido em Beja, onde terão tomado lugar os crimes em causa. Os magistrados de Beja, para onde o inquérito tinha sido inicialmente enviado pelo MP de Ovar, consideraram que o julgamento era afinal da competência do Tribunal de Aveiro por ter sido esta a comarca que primeiro teve conhecimento dos crimes.

O Tribunal da Relação de Évora confirmou recentemente o envio do caso para julgamento depois de Godinho ter recorrido da decisão de instrução do Tribunal de Beja que o pronunciou pelos crimes. Alegava que os crimes já teriam prescrito em 2011, sendo que só foi interrogado como arguido em 2012.

No despacho do Tribunal da Relação de Évora ao qual o PÚBLICO teve acesso, os juízes recordaram, porém, que Godinho já tinha sido constituído arguido no âmbito do processo Face Oculta e interrogado em 2009, altura em que foi interrompido o prazo de prescrição.

“O facto de tal constituição ter ocorrido no âmbito de inquérito diverso, de onde foi extraída a certidão que veio a dar origem aos presentes autos não obsta ao efeito interruptivo”, diz a Relação de Évora. Os juízes recordam ainda que Godinho ficou logo em 2009 a saber da “pretensão punitiva do Estado, no que respeita a crimes de corrupção activa”. Já a defesa de Godinho alegava que este foi “confrontado pela primeira vez com os factos por que vem pronunciado no âmbito deste processo”. Ou seja, em 2009, no âmbito do processo julgado depois em Aveiro, defende, nunca foi interrogado por estes factos.

No Tribunal de Aveiro, aquele que ficou conhecido como o sucateiro de Ovar, foi condenado, em Setembro, por 49 crimes de associação criminosa, corrupção activa, tráfico de influências, burla qualificada, perturbação de arrematação pública e furto qualificado.

Durante seis anos, o universo empresarial de Godinho controlou, através de prendas e envelopes em dinheiro, diversas empresas públicas. Godinho recorreu da condenação e está por isso em liberdade.

Neste novo processo, estão em causa facturas de trabalhos que não foram prestados totalmente ou parcialmente pela SEF. A 29 de Outubro de 2011, segundo o despacho de pronúncia, o engenheiro da Refer assinou uma factura de 5193 euros relativos ao transporte, fornecimento, descarga de gravilha e reaperto de 2000 fixações defeituosas de travessas de betão na Linha do Algarve. Porém, “não havia sido efectuado qualquer transporte, fornecimento e descarga de gravilha”, sublinha o despacho.

Nesse mesmo dia, o responsável da Refer assinou outra factura de mais de 33 mil euros pela colocação de 1500 travessas de madeira, reaperto e substituição de 3829 fixações defeituosas de travessas de betão. O MP apurou, porém, a existência de sobrefacturação: foram afinal colocadas apenas 218 travessas. Também nesse mês, a SEF facturou mais de 76 mil euros por trabalhos de remoção de terras que já tinham sido pagos pela Refer em 1998 e 1999.

Na sequência destes casos, o engenheiro foi alvo de um processo disciplinar e despedido com justa causa da Refer, em Julho de 2002. Continuou a receber quantias avultadas de Manuel Godinho que totalizaram, segundo o processo, mais de 164 mil euros até 2009. Essas verbas foram depositadas em numerário em vários bancos. Em 2006, passou a trabalhar em empresas de Manuel Godinho. Primeiro na O2 — empresa de tratamento e Limpezas Ambientais, SA e depois na SEF.

No mesmo processo, o engenheiro está acusado de ter omitido mais de 18 mil euros nas declarações de rendimentos às Finanças em 2006. com Mariana Oliveira

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