O melhor da viagem são as pessoas

É de suspeitar que Jorge Montez tenha feito uma viagem de dez meses do extremo ocidental da Europa até ao extremo oriental do continente asiático só para conhecer pessoas. Claro que foi acumulando lugares turísticos, visitando cidades, sítios classificados como património mundial; demorou-se em pequenos paraísos na terra, andou por caminhos menos pisados pelo turista normal, mas é às pessoas encontradas ao longo do caminho que a narrativa presta maior tributo.

Livro de um jornalista aberto ao que vai encontrando, as páginas de Do Cabo da Roca a Vladivostok trazem um rasto de amizades com que se foi fazendo essa longa viagem de ambicioso itinerário e modesto orçamento que o próprio foi acompanhando com crónicas diárias no site da TSF. O volume resultante deste longo périplo sobretudo asiático, apesar de vir com a indicação Diário de viagem e de manter a estrutura cronológica (de 20 de Setembro de 2012 a 24 de Junho de 2013), não é um mero repositório dos textos já publicados mas uma obra escrita de raiz para ser lida como um todo. Um registo honesto, escorreito e objectivo de uma viagem de sonho feita com premissas definidas para potenciar o contacto humano. Sozinho, em transportes públicos, Montez perambula pela Turquia, pelo Irão, pela Índia, pela Malásia, pela Tailândia, pelo Laos, pelo Camboja, pelo Vietname, pela China e pela Rússia ciente de aonde quer chegar mas com a flexibilidade suficiente para se deixar levar pelo que vai encontrando, pelos conselhos que lhe vão dando. “É curioso ter sido na primeira paragem em que procurei e exerci convictamente a solidão que comecei a intuir que o verdadeiro sentido das viagens está nas pessoas”, escreve Montez a dada altura.

Sendo certo que este livro tem dois pontos de partida bem definidos desde o título, rapidamente se percebe tratar-se apenas de pretexto, balizas de jornalista, porque a viagem faz-se a sério a partir da Turquia, onde a narração começa realmente a tomar forma, entre o enquadramento dos locais que visita e as relações que vai estabelecendo. Como esse jogo de sedução da antiga modelo agora pintora que conheceu em Goa e do qual conseguiu fugir por, como confessa, estar apaixonado pela sua mulher há 20 anos.

Sem grandes reflexões profundas sobre o sentido da vida, nem transformações místicas pessoais, que o narrador não é dado a assomos new age, Do Cabo da Roca a Vladivostok não deixa de ter momentos que, à falta de melhor palavra, Montez chama de mágicos, desses em que sente mais do que as palavras podem explicar. Como nesseashram que visitou na Índia onde uma mulher dá paz espiritual abraçando milhares de fiéis que se deslocam ao gigantesco complexo edificado na aldeia de Armitapuri no estado de Kerala. Será talvez o momento mais místico de um relato (e de uma viagem) que se extasia mais com o terrenal, com a obra humana e com o contacto interpessoal do que com a espiritualidade e o religioso (mesmo com toda a admiração expressa por mesquitas, igrejas e templos que visitou). Jorge Montez não foi ao Oriente à procura de descobrir o caminho para qualquer transcendência — se se entregou nas mãos de algum espírito, foi ao espírito do viajante que se alimenta do que passa entre a partida e o destino. 

Sugerir correcção
Comentar