O homem de bastidores que nem fotografias deixa no seu rasto

Hoje em dia quase toda a gente que se dá com políticos e tem dinheiro aparece frequentemente nos jornais, no Facebook, na internet. Santos Silva não. A única foto que se lhe conhecia até há pouco está há semanas em todo o lado. Num site de Cabo Verde apareceu agora outra em que está quase irreconhecível. É um homem de segredos.

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Foi em ambiente serrano, entre Belmonte (na foto) e Vale Formoso, que Carlos Santos Silva passou a infância PAULO RICCA/ARQUIVO
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Carlos Santos Silva está quase irreconhecível nesta foto publicada há pouco tempo num site de Cabo Verde DR

Porque será que todos os jornais e televisões publicam há semanas a mesma fotografia de Carlitos, o homem que nasceu há 56 anos numa quinta do concelho de Belmonte e se tornou o mais discreto, quase secreto, amigo de Sócrates? A resposta está aí mesmo: ele é tão discreto, tão reservado, que não se vislumbra outro retrato seu. Dêem-se as voltas que se derem, inclusivamente em Vale Formoso, a aldeia vizinha em que passou parte da infância e onde os pais ainda vivem, não se acha nada. Nem na imprensa regional, nas redes sociais ou nas fotos das festas da aldeia aparece o mais célebre filho da terra, agora na prisão.

Tudo o que se encontra é a fotografia distribuída pelo gabinete do ex-primeiro-ministro em Janeiro de 2008, em que ele surge com Sócrates nos preparativos para uma corrida no Brasil, e que agora é reproduzida por todos os meios de comunicação. Fora isso, só se descobre uma foto tipo passe, de péssima qualidade, publicada no site da Ordem dos Engenheiros de Cabo Verde, na qual Santos Silva está inscrito há vários anos.

Esta queda para os bastidores constitui um traço de personalidade que não o torna um bicho-de-mato, ainda que seja raríssimo vê-lo em Vale Formoso, onde vai com frequência visitar os pais octogenários, mas que é uma marca da sua maneira de estar no mundo dos negócios. Muito pouca gente na terra, mesmo aqueles que o conhecem mais de perto, tem a mais pequena ideia da dimensão do seu universo empresarial e muito menos da sua riqueza. 

Nos locais em que tem as suas empresas, aliás, só se percebe que lá trabalha gente. Nem os nomes das sociedades estão à vista. “Ele sai aos pais e aos tios. Vivem todos ali em cima na Quinta do Pomar, toda murada, e só vêm cá abaixo quando trazem as mulheres à missa ou ao cabeleireiro”, conta uma vizinha no café situado junto à igreja. 

Os diferentes relatos coincidem num facto curioso: o pai de Carlos Manuel e o irmão casaram com duas irmãs e mais tarde compraram a Quinta do Pomar, com duas casas, onde agora vivem os quatro. Um dos casais teve dois filhos, Carlos Manuel, o mais novo, e António José, um médico que mora em Teixoso, no mesmo prédio em que o irmão tem fechada a sede de várias empresas. O outro teve duas filhas e os quatro primos fizeram cursos superiores, coisa então rara nas aldeias da serra. A mãe de Carlos e a tia têm uma outra irmã que também criou um filho ilustre da região: Manuel José, que foi reitor da Universidade da Beira Interior (UBI) até 2009.

Na aldeia, que apesar de estar a três ou quatro quilómetros de Belmonte pertence ao concelho da Covilhã, a 22 quilómetros, não se ouve um remoque, ou uma crítica ao engenheiro brilhante que concluiu o curso do Instituto Superior Técnico em 1981, com 16 valores. A ele ou aos pais ninguém aponta seja o que for. “É boa gente, foram sempre rendeiros e proprietários abastados, tiveram sempre gente por conta deles a trabalhar nas quintas.” Esta mesma ideia é repetida em Canhoso e Teixoso, a uma dezena de quilómetros dali, onde Carlos Manuel criou as suas primeiras empresas na segunda metade dos anos 1980.

Antes disso, logo no final do curso, ficara algum tempo por Lisboa, a trabalhar no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, voltando depois à Beira  para dirigir os serviços técnicos da UBI (1985/1986), onde também deu aulas entre 1986 e 1989. Nesse período trabalhou também na Pina do Vale, uma empresa de construção então sedeada em Belmonte. 

Os primeiros anos de vida passou-os em duas quintas deste concelho, propriedade do Estado e nas quais o pai era rendeiro. Sobre a última delas, a dos Lamaçais, com mais de 300 hectares de boas terras e uma casa senhorial recuperada em 2001, dizem alguns vizinhos que ela esteve há poucos anos na mira de três amigos: Carlos Manuel, José Sócrates e Alfredo dos Santos, o rosto do grupo Constrope, sedeado a meia dúzia de quilómetros. O projecto, que o PÚBLICO não conseguiu confirmar apesar das tentativas feitas para falar com Alfredo dos Santos, terá sido entretanto abandonado.

Depois da escola primária na aldeia mais próxima dos Lamaçais, Carlos Manuel foi estudar para a Guarda, num colégio particular. O encontro com Sócrates terá acontecido apenas depois de concluído o curso do Técnico, quando o amigo era engenheiro técnico na Câmara da Covilhã. Apesar das ligações existentes entre os dois, a Santos Silva não se lhe conhece militância política.

Solteiro, o empresário, vive num vulgar apartamento de Telheiras com uma engenheira de Messejana, no Alentejo, e com uma filha de ambos, de 12 anos. A companheira foi sua subordinada no grupo HLC, no princípio dos anos 2000, e partilha com ele as quotas de algumas empresas. Vozes dissonantes sobre a personalidade de Santos Silva só se escutam em algumas antigas colaboradoras. Diz uma delas: “É um homem de uma enorme boçalidade no trato, às vezes a raiar a má criação. Além disso metia-se com as secretárias e quando falava do 'nosso homem', já se sabia que estava a referir-se ao Sócrates”.

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