Demitiu-se um administrador da Gaianima onde auditoria viu contratos ilegais de 4,4 milhões

Angelino Ferreira diz que só se demitiu por estar farto de “guerras políticas”. Câmara associa saída do administrador à auditoria.

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Angelino Ferreira foi também administrador da SAD do FC Porto entre 2010 e Março deste ano Jorge Miguel Gonçalves/NFactos

Há duas versões sobre a demissão de Angelino Ferreira da Gaianima, da qual ainda é administrador: a Câmara de Gaia assegura que o responsável pediu a demissão “quando foi confrontado com a auditoria” externa que recentemente revelou ilegalidades em contratos daquela empresa municipal num valor total de 4,4 milhões; o visado garante que se demitiu “há quase um mês”, bem antes do resultado da auditoria, quando percebeu “ que o que estava em causa era uma guerra política, na qual não queria ser joguete”.

O responsável financeiro, que também fez parte da anterior gestão da Gaianima, quando a autarquia era liderada por Luís Filipe Menezes (PSD), diz aguardar ainda por uma resposta ao pedido de demissão. Desde que o apresentou não mais apareceu na empresa. A autarquia disse que irá “apreciar este assunto na próxima segunda-feira”, durante a reunião pública da câmara.

A auditoria que incidiu numa avaliação económico-financeira da empresa municipal concluiu que, em 2012 e 2013, o conselho de administração de então, presidido por Ricardo Almeida (actual vereador do PSD, na oposição, na Câmara do Porto) e integrado pelos administradores não-executivos Angelino Ferreira (que também foi administrador da SAD do FC Porto entre 2010 e Março deste ano) e pelo ex-futebolista João Vieira Pinto, violou de forma “reiterada” as regras de contratação pública e a lei dos compromissos, à revelia da ordem da câmara.

Em consequência, os auditores alertaram o actual presidente da câmara, Eduardo Vítor Rodrigues (PS), que a empresa municipal se encontra impedida de “realizar pagamentos no valor de 4.404.081,00” euros. Para a autarquia os contratos em questão estão “numa situação de nulidade, por serem ilegais”.

Está em causa o pagamento a 120 fornecedores. A auditoria aponta o “modo aligeirado” como os contratos de “empreitada eram outorgados”, com “adjudicações que seguiam procedimentos sumários e ilegais sem submissão a qualquer regra de transparência, fundados em mapas de quantidades, sem qualquer caderno de encargos que integrasse, no mínimo, condições gerais de execução de obras”. A inspecção detectou ainda “facturação abusiva de serviços que não foram realizados”, não existindo noutros casos “qualquer evidência dos serviços contratados”.

Envio ao Ministério Público
Registou-se, lê-se na auditoria, o “incumprimento reiterado do estabelecido na Orientação Estratégica n.º 1/2012 do Município de Vila Nova de Gaia na realização de diversos procedimentos de despesa”. O documento chama ainda a atenção para o facto de a forma de actuação se ter mantido mesmo após a “entrada em vigor da Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso” e apesar da “insuficiência de fundos disponíveis”, o que levou à acumulação de dívidas. De acordo com a auditoria, este “crónico problema de assunção de despesas sem cabimentação” trouxe agora “problemas graves de impossibilidade de pagamento”.

Em algumas situações, as despesas assumidas nada tinham também que ver com “o objecto social da Gaianima”, refere o documento, apontando como exemplos “aquisições de bens de conforto”, como “jornais, refeições, estadias e inúmeras despesas de publicidade”.

“As decisões eram tomadas como se tratasse de uma empresa privada e não de uma empresa pública, esquecendo-se regras de direito administrativo”, realçou a avaliação à gestão financeira da empresa municipal. Os auditores acusam o então presidente, Ricardo Almeida, de ter tomado individualmente as decisões de contratação antes da decisão do conselho de administração que, criticam também, não funcionava “como um órgão colegial”.

Ricardo Almeida refuta esta acusação. “Nego ter tomado qualquer decisão solitária. As reuniões do conselho de administração eram até alargadas aos coordenadores de cada área”, justificou.

A autarquia vai enviar a auditoria para a Procuradoria-Geral da República, Inspecção-geral de Finanças e para o Tribunal de Contas.

A situação revelada vem complicar a saúde financeira da câmara que é a segunda mais endivida do país com uma dívida próxima dos 300 milhões de euros. Ao PÚBLICO, a autarquia reconhece que o “documento, pela sua especificidade e pelo impacto que tem nas contas do município, tem de ser olhado de forma muito clara por entidades tutelares”.

Ricardo Almeida defende “legado”
Presidente da empresa municipal Gaianima entre Fevereiro de 2011 e Outubro de 2013, Ricardo Almeida sublinha que, durante esse período, conseguiu “reduzir a dívida que era de 29 milhões para 13 milhões de euros”. É esse “o meu legado”, salienta o agora vereador na Câmara do Porto. Aliás, para o social-democrata, os resultados desta auditoria à Gaianima representam uma “perseguição pessoal” que não compreende. “Não consigo perceber a motivação, uma vez que já nem faço política activa em Vila Nova de Gaia."

A auditoria, que o visa como um dos principais responsáveis, considera que as medidas que tomou solitariamente, antes de mesmo de as colocar à consideração do conselho de administração, revelam a “falta de ponderação de que muitas decisões careceram, evidenciando que, de facto, o conselho de administração da Gaianima não funcionava, no seu executivo, como um órgão colegial, mas, outrossim, como um órgão unipessoal”. 

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