Portugal treina militares iraquianos contra o Estado Islâmico

A existência de campos de treino terroristas na Líbia levou a uma mudança da posição portuguesa sobre o jihadismo. Possíveis alterações à legislação para os regressados têm por base resolução da ONU aprovada por unanimidade.

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miguel manso

Militares portugueses vão participar em acções de formação e treino da tropa iraquiana na luta contra os combatentes do autoproclamado Estado Islâmico (EI). Este é um dos temas que vai estar em cima da mesa na reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional que se reúne na terça-feira, 16 de Dezembro.

O envolvimento de efectivos portugueses na preparação das Forças Armadas iraquianas - ao que o PÚBLICO apurou menos de uma centena - tem o beneplácito das hierarquias militares e do Governo, através do primeiro-ministro e dos titulares dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.

Esta decisão surge após a reunião da coligação internacional contra o EI, realizada no início deste mês em Bruxelas, e inicia uma nova fase da política portuguesa face às actividades do jihadismo. Até agora, o envolvimento de Portugal era sustentado na actividade política e diplomática, baseava-se na condenação do terrorismo no coro cada vez mais unânime da comunidade internacional e no apoio humanitários aos desalojados. Neste último caso, inserem-se os 200 mil euros, que se somam a 30 mil anteriormente disponibilizados, que Lisboa disponibilizou após a reunião do início deste mês.

No encontro de Bruxelas, de âmbito meramente político e diplomático, os 60 Estados membros da coligação reunidos em 3 de Dezembro, por mera conveniência logística na sede da Aliança Atlântica, fizeram um balanço da situação. Se os bombardeamentos da coligação conseguiram travar o avanço do EI no Iraque e na Síria, foi constatada uma deriva que refreou o optimismo pelo relativo sucesso da ofensiva militar levada a cabo, entre outros, por aviões dos Estados Unidos e Grã-Bretanha que operam em território iraquiano e sírio.

Mas a troca de informações no seio da coligação trouxe à tona desenvolvimentos preocupantes. Foi confirmado que o EI instalou campos de treino na Líbia. Aproveitando a desagregação daquele país, que hoje não é mais do que um Estado falhado, segmentado em pequenos grupos tribais em conflito entre si, o autodenominado Estado Islâmico encontrou a base ideal para tentar alargar a sua actividade na zona do Magrebe. Afinal, um passo mais na edificação do Califado defendida pelo líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, e na perigosa extensão da actividade terrorista dos seus efectivos

Em Lisboa, como em todos as capitais dos países envolvidos no denominado “processo de diálogo 5+5” no Mediterrâneo Ocidental – Portugal, Espanha, França, Itália e Malta, do lado europeu, e Marrocos, Mauritânia, Tunísia, Argélia e Líbia, no norte de África -, dispararam-se as luzes de alarme. A proximidade à Europa torna remota e desactualizada a já de si errada concepção de que o conflito não diz respeito aos europeus. O que também alterou a percepção do problema para a diplomacia portuguesa, com o “diálogo 5+5”, até agora centrado na esfera económica, a ganhar uma dimensão securitária. Uma eventual progressão dos efectivos do EI preocupa, também, a margem sul do Mediterrâneo, nomeadamente as autoridades argelinas e de Marrocos.

A fragilidade líbia, a existência de extensos territórios de problemático controlo militar e a volatilidade da situação na região não auguram bons auspícios. Este conjunto de factos tem, entre outras, uma tradução prática já detectada pelos serviços de segurança e que preocupa as autoridades: as vias de penetração da emigração clandestina. A desagregação da Líbia possibilitou que aquele país se tornasse no ponto de origem de uma corrente emigratória que passa por Malta e chega a Itália. Outra rota inicia-se em Marrocos, passa pela pressão sobre os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, e entra assim na Europa por Espanha.

Regresso dos "combatentes estrangeiros"
A par de deserdados, que fogem da guerra e da fome, esta corrente emigratória pode favorecer o regresso, a solo europeu e seu ponto de partida, de parte dos 15 mil denominados “combatentes estrangeiros”, jovens europeus que aderiram às fileiras do EI e que combatem no Iraque e na Síria. Uma situação que preocupa a coligação. Alguns países, como a Grã-Bretanha, preparam restrições administrativas graves para os regressados, como a retenção de passaportes ou a fixação de residência.

Trata-se de uma matéria muito sensível, pois tem a ver com o ordenamento jurídico garantista das democracias ocidentais. A possibilidade de alterações no ordenamento português poderá vir a ser equacionada, tendo em conta alguns factores, como a existência de cerca de duas dezenas de luso-descentes que chegaram à Síria oriundos dos seus locais de residência na Europa, ou a detecção de uma infra-estrutura de apoio na zona de Sintra para os que, através das ligações aéreas directas entre Portugal e Turquia, pretendem entrar em território sírio.

O alcance das mudanças na legislação portuguesa não está ainda estabelecido. Já o fundamento das alterações terá a força de uma decisão internacional: a resolução 2178 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 24 de Setembro de 2014. Aprovada por unanimidade e de natureza vinculativa, aquela resolução insta os Estados membros da ONU a prevenir o movimento de grupos terroristas através de um controlo efectivo das suas fronteiras.

Neste momento, o Governo não tem canais abertos com o principal partido da oposição para tratar esta questão. Até à recente eleição de António Costa como secretário-geral do PS, tal ligação era feita através do ex-ministro da Justiça e antigo líder da bancada parlamentar, Alberto Martins. Mas, por estar em causa a aplicação de uma decisão do Conselho de Segurança da ONU, o consenso político interno não é considerado problemático.

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