Investigação de 2011 a Santos Silva é que deu origem ao caso Sócrates

PGR garantia que o processo resultou de comunicação bancária mais recente. Num requerimento ao juiz Carlos Alexandre, a defesa do ex-primeiro-ministro alega excesso de prazo do inquérito e pede nulidade de escutas, buscas e detenções.

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Advogados de José Sócrates criticam Ministério Público REUTERS/Jose Manuel Ribeiro

O processo em que o ex-primeiro-ministro José Sócrates está indiciado por fraude fiscal, corrupção e branqueamento de capitais teve afinal origem numa outra investigação iniciada em 2011 e que visava o seu amigo Carlos Santos Silva, também detido no âmbito da Operação Marquês. Santos Silva, empresário na área da construção, está em prisão preventiva indiciado pelos mesmos crimes que são imputados a Sócrates.

A informação consta de um requerimento apresentado pela defesa do ex-governante a pedir a nulidade de todos os actos praticados no inquérito a Sócrates a partir de 31 de Maio deste ano, nomeadamente escutas telefónicas, buscas e a própria detenção.

Nesse requerimento a que o PÚBLICO teve acesso, é citado um despacho do juiz de instrução Carlos Alexandre, datado de 3 de Julho deste ano. No mesmo refere-se que o inquérito que visa José Sócrates teve início em Julho de 2013. Porém, o juiz remete para um processo anterior que investiga um “esquema” alegadamente usado por Carlos Santos Silva e que lhe permitiria “ocultar património e rendimentos de terceiros".

"Inicialmente indiciavam os autos que o suspeito Carlos Santos Silva teria ligações a pessoas colectivas e singulares beneficiárias de esquemas de circulação de fundos com contas na Suíça", refere ainda o despacho.

Este processo também corre no Departamento Central de Investigação e Acção Penal e começou a ser investigado em 2011. Foi nesse ano que Sócrates deixou de ser primeiro-ministro na sequência da derrota nas eleições de Junho.

Contactado pelo PÚBLICO, João Araújo confirmou apenas ter apresentado o requerimento nesta quarta-feira no Tribunal Central de Instrução Criminal em Lisboa no qual é invocado “o excesso de prazo do inquérito” e várias nulidades. Araújo sublinhou que o requerimento “em nada se confunde com o recurso” relativo à medida de coacção de prisão preventiva que será apresentado na próxima segunda-feira.

Até agora, a Procuradoria-Geral da República (PGR) insistiu em notas oficiais que este caso teve origem “numa comunicação bancária efectuada ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais, Lei n.º 25 de 2008, que transpôs para a ordem jurídica interna directivas da União Europeia”.

Nessa mesma nota, a PGR sublinhava que se tratava de “uma investigação independente de outros inquéritos em curso, como o Monte Branco ou o Furacão, não tendo origem em nenhum destes processos”. A procuradoria refutava assim notícias que relacionavam o inquérito a Sócrates com o processo Monte Branco iniciado também em 2011.

Despacho inválido
No requerimento, a defesa do ex-primeiro-ministro contesta a declaração de especial complexidade proferida por Carlos Alexandre no processo em Julho deste ano, quando ainda não havia qualquer arguido constituído. Como tal declaração implica o alargamento dos prazos máximos de prisão preventiva e de inquérito, a lei determina que os arguidos têm de ser ouvidos antes da decisão.

Contudo, como tal não aconteceu, o próprio juiz de instrução tentou reparar a situação notificando os arguidos, constituídos em Novembro na altura da detenção, para se pronunciarem sobre a declaração de especial complexidade.

Por isso, sem essa declaração, o advogado de Sócrates, João Araújo, sublinha no documento que “há muito que se mostrava ultrapassado o prazo legal para duração máxima do inquérito que neste caso é de dez meses e terminou em 31 de Maio último”. Este prazo, considera o advogado, começou a contar em Julho de 2013, quando começou o inquérito. João Araújo admite, contudo, que outra interpretação da lei poderia alargar o prazo do inquérito até Outubro de 2014. Em qualquer dos casos, José Sócrates foi detido em Novembro, numa altura em que para a sua defesa já estavam excedidos os prazos do inquérito.

“A prisão preventiva dez meses após o conhecimento ou a suspeita do delito é, salvo muito respeito devido a opinião diversa, um verdadeiro e muito grave absurdo”, salienta João Araújo. Para a defesa do ex-governante, que foi alvo de escutas e vigilâncias pelo menos durante 11 meses, há muito que Sócrates deveria ter sido constituído arguido e inquirido “pelo menos desde a data em que [o Ministério Público] promoveu a realização das intercepções telefónicas”. Tal omissão, na opinião da defesa, representa uma nulidade no processo.

Outra das nulidades invocadas por João Araújo relaciona-se com o facto de o processo continuar em segredo de justiça, apesar de, no seu entendimento, o prazo máximo já ter sido excedido. O advogado realça que a lei impõe a publicidade do processo, sob pena de o mesmo ser nulo. Com este argumento, a defesa pede que “sejam declarados nulos todos os acto praticados desde, pelo menos, 31 de Maio de 2014, designadamente, as intercepções telefónicas e outros actos de investigação, as ordens de detenção, as buscas e apreensões, os actos e autos de constituição de arguidos, os respectivos interrogatórios e a decisão de aplicação das medidas de coacção”. Tal implica a libertação imediata do ex-primeiro-ministro e a destruição de grande parte do manancial de prova contra Sócrates.

Por fim, João Araújo requer ainda a consulta de “todos os elementos do processo” e que José Sócrates seja de novo interrogado “para esclarecer as imputações que lhe são feitas”.

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