Havia “sistema presidencialista” no BES, Salgado sabia de tudo

Morais Pires nota que “não era o faz-tudo”. “Há os donos disto. Eu não era o faz-tudo” e havia quem tivesse mais poder do que ele, como era o caso do presidente do BESI, José Maria Ricciardi.

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Morais Pires era o sucessor indicado por Salgado para o BES Miguel Manso

As últimas quatro audições na comissão de inquérito à gestão do Grupo Espírito Santo (GES) têm algo em comum: administradores e accionistas do BES estão, agora, numa espécie de jogo.

De quem é a responsabilidade pelos problemas? Salgado apontou para o contabilista Machado da Cruz e para o seu primo, José Maria Ricciardi. O primo desavindo entrou logo depois e retribuiu: a responsabilidade é de Salgado, sem esquecer que Amílcar Morais Pires era o responsável financeiro...

No dia seguinte, Pedro Queiroz Pereira (PQP) absolveu Ricciardi (vivia “em pânico”) mas deixou uma ponta solta: José Maria Ricciardi soube de tudo, com detalhes, à medida que o industrial destapava as fraquezas do GES, em 2013. Amílcar Morais Pires, o último a comparecer perante a comissão de inquérito, nesta quinta-feira, concordou com PQP num ponto: Salgado geria o banco num “regime presidencialista”. Sabia de tudo, “até aos pormenores”. “Eu era o braço-direito, o esquerdo e o mindinho… Mas havia pessoas muito importantes no banco. Uma delas era o dr. Ricciardi. Ricciardi era administrador comum do BESI e do BES”, desenvolveu. Todos estiveram em São Bento acompanhados dos respectivos advogados e a apresentar as suas estratégias jurídicas de defesa.

“Tempestade perfeita”
“Em consciência, eu não apoiava as manifestações públicas das autoridades no conforto que davam à população relativamente a situação do BES”, referiu Morais Pires, que fechou a ronda semanal de audiências. Para o ex-CFO (Chief Financial Officer, ou director financeiro) do BES, 20 dias antes do colapso já o ambiente à volta do BES era instável, o que o levou “a alertar” para a “existência de sinais exteriores de stress objectivos”. Evocou que na reunião do Conselho de Administração de 11 de Julho “vários” dos presentes, nomeadamente os representantes do Crédit Agricole — segundo maior accionista do banco — “apoiaram” a tese “do cenário de stress”. “Utilizei o termo ‘tempestade perfeita’, que se podia agravar nas semanas seguintes.”

Estas informações, notou, ficaram “registadas em acta” enviada ao Banco de Portugal e cuja leitura aconselhou: “A cotação do banco está em forte queda, o preço dos CDS’s [contratos de seguros de risco, indicadores de risco do banco] do BES subiu muito significativamente, o custo da sua dívida em mercado secundário aumentou também muito e têm-se registado saídas de depósitos e cortes de linhas interbancárias em montante elevado. Trata-se, em suma, de um contexto de stress muito grave, de que é fundamental o Conselho estar bem ciente.”

A reunião em causa tinha um único ponto na agenda: “Negociação com a Blackstone”, para “apoio especializado externo com vista a uma eventual operação de recapitalização”. O gestor concluiu que o seu “apelo foi ignorado e perdeu-se”, na sua opinião “a última oportunidade de recapitalizar o BES.” E, apesar da “mensagem de tranquilidade” que continuou a ser veiculada aos mercados pelas autoridades [BdP e Governo], Morais Pires garante que “não podia assumir essa posição”, até porque podia ser necessário “recorrer à facilidade de liquidez de emergência do Banco de Portugal”.

O momento crítico
Apesar da aceleração dos acontecimentos em 2014, Morais Pires considerou que Setembro de 2013 foi o momento critico para o BES. O antigo responsável financeiro do BES comentou a declaração de Ricardo Salgado de que o BES não faliu, mas foi forçado a falir”, salientando que “o BES não tinha de desaparecer”. “Não sou da família Espírito Santo, sou um modesto accionista que investiu no aumento de capital”, disse. Mas os factos demonstram que “a crise do BES, antes de ser uma crise de capital, foi uma crise de liquidez” e podia ter havido uma solução e “o BES teria sobrevivido”.

Sobre a sua relação com Ricardo Salgado, de quem foi considerado braço-direito — e o sucessor —, observou: “Eu não era o faz-tudo. Há os donos disto. Eu não era o faz-tudo.” Segundo Morais Pires, ainda que tivesse a tutela financeira, os pelouros da contabilidade e da relação com investidores estavam a cargo de Salgado. E defende que “havia pessoas muito importantes a trabalhar no banco”, entre elas “José Maria Ricciardi”, com mais poder do que o CFO: “Não é justo dizer que o seu nome constava só do papel. Era responsável pela área [do risco], com o dr. Joaquim Goes. Era administrador comum do BES e da Espírito Santo International”.

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