O telemóvel vai muito às compras mas serve pouco para pagar

Dados da SIBS indicam que só 8% das vendas online são feitas em telemóveis. Mas ter Internet no bolso está a mudar o comportamento dos consumidores quando vão às lojas.

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Ecrã pequeno e ausência de um teclado físico podem dificultar a tarefa Issei Kato/Reuters

Elisabete Correia, 41 anos, tem pelo menos uma boa razão para fazer compras no pequeno ecrã do telemóvel. “Uso-o para rentabilizar as viagens durante o dia, quando vou no comboio”. O percurso de casa para o trabalho - cerca de 20 quilómetros entre a Parede e Lisboa - serve para consultar aplicações de lojas e de sites de descontos. Compra com frequência sapatos online. Já comprou roupa, experimentada primeiro numa loja convencional. Também faz compras no computador, um aparelho que as estatísticas indicam ser muito mais frequente para este tipo de tarefa. “O telemóvel veio para poupar tempo. É muito imediato e fácil”, diz.

A história de Elisabete Correia é uma excepção. Não é preciso sequer fazer compras no telemóvel para se fazer parte de uma minoria em Portugal: independentemente do dispositivo, comprar online é uma prática relativamente rara, de apenas um em cada quatro portugueses com acesso à Internet.

As compras online em Portugal têm vindo a aumentar, mas os números estão ainda distantes das médias europeias. Em 2009, apenas 13% dos utilizadores de Internet em Portugal entre os 16 e os 74 anos tinham feito pelo menos uma compra online, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE). A média da União Europeia era de 36%. No ano passado, este indicador em Portugal tinha subido para 25% (de um número também muito maior de utilizadores de Internet). Ainda assim, o valor ficou longe da média europeia, que foi de 47%. São sobretudo os utilizadores entre os 25 e os 34 anos que fazem compras na Internet e a prática é ligeiramente mais frequente entre homens do que entre mulheres.

É fácil perceber as razões que levam as pessoas a comprar online. Por um lado, algumas promoções só existem na Internet. É também possível comparar preços (há sites, como o Kuanto Kusta e o Shop Mania, dedicados apenas a isto) e ainda ler comentários de outros compradores.

Há também produtos que ficam muito mais baratos em sites de descontos, nos quais é preciso que um determinado número de pessoas faça a compra para o desconto acontecer. E, claro, é possível ir às compras sem sair de casa.

Já o consumo através do telemóvel representa uma pequena fatia do total. O ecrã pequeno e a ausência de um teclado físico podem dificultar a tarefa, sobretudo se a loja não oferecer uma aplicação móvel ou um site apropriado.

Segundo um estudo da SIBS, a empresa que gere o Multibanco e que se prepara para lançar em Abril uma aplicação de pagamentos móveis, 8% do valor total de compras feitas online são feitas num dispositivo móvel. Mas nestas contas entram os produtos digitais, como música e aplicações, cuja venda é impulsionada por lojas como o iTunes. O método de compra simples e rápido que a Apple usa ajudou a conquistar milhares de clientes nesta plataforma e tornou-a um caso de sucesso.

De acordo com a SIBS, e excluindo os hotéis e as viagens aéreas (que têm valores relativamente elevados e são comprados online com frequência ), os produtos digitais foram a categoria mais frequente em todo o tipo de compras online. Em segundo lugar vinham os livros, jogos e DVD, e, em terceiro, surgem o mobiliário e outros artigos para a casa.

Pagar não é tudo
Os telemóveis podem não ser aparelhos usados com frequência concluir uma compra, mas estão cada vez mais presentes nas várias etapas de um processo que nasce com a necessidade, ou o desejo, de um produto e que termina com o pagamento.

“O processo de compra não se esgota na aquisição. O telemóvel está a ter um impacto muito substancial na forma como os consumidores abordam este processo”, observa Nuno Netto, da consultora Deloitte e um dos responsáveis por um estudo anual sobre os hábitos de consumo no Natal. “Não é claro que o papel do online seja a concretização da compra. Pode ser a canalização de tráfego para as lojas físicas. O telemóvel veio redefinir o papel das lojas. Fez com que os consumidores estejam dentro da própria loja a comparar alternativas e preços, o que há uns tempos era impensável”.

Em Portugal, 65% dos agregados familiares têm banda larga e 48% dos utilizadores acedem a partir de um telemóvel, segundo o INE. Com a Internet, o processo de compra tornou-se mais complexo. Há quem faça pesquisa e comparação de preços online e vá depois comprar às lojas. Há quem esteja nas lojas a ver produtos e a ler imediatamente informação sobre eles, ou até a comparar o que está nas prateleiras com os preços praticados noutros locais. E há ainda quem veja os produtos nas lojas e prefira comprar online, onde encontra preços mais baixos - esta é uma prática dos consumidores que, na gíria do meio, se chama “showrooming” e que remete as lojas convencionais ao papel de montra, ou sala de exposição, da concorrência online.

“O processo de compra pode ter dez a 20 fases”, diz Nuno Netto. Pode iniciar-se às duas da manhã com uma pesquisa na Internet e terminar três semanas depois, com o telemóvel num transporte público.”

Para alguns tipos de produtos, como livros, carros ou aparelhos de electrónica, há uma miríade de críticas disponíveis na Internet. Desde as opiniões amadoras, escritas pelos próprios consumidores, até às profissionais, publicadas frequentemente em jornais e sites especializados.

Esta é uma situação que, embora permita comparações exaustivas para os consumidores mais dedicados, também pode trazer desvantagens, refere o especialista em consumo João Pereira, professor no Instituto Português de Administração de Marketing: “Apesar de haver muita informação, isso não quer dizer que o consumidor esteja mais bem informado. Se calhar até dificulta a decisão.” E com as lojas online abertas 24 horas por dia, “o consumidor está mais sujeito à compra impulsiva”, acrescenta.

No estudo de consumo natalício da Deloitte, feito através de inquérito, há dados que indicam que a Internet vai perdendo relevância à medida que se aproxima o final do processo de compra, uma tendência que também se encontra no resto da Europa.
 
Abundância informativa
Em algumas categorias, sobretudo videojogos, filmes e tecnologia, a pesquisa online é muito usada, tanto para encontrar ideias para presentes, como para obter informação e comparar preços. Porém, quando chega a hora de comprar, a maioria prefere as lojas.

Nesta fase final, os telemóveis ficam remetidos para uma fatia residual das aquisições, oscilando entre zero e 2%, consoante o tipo de produto. Nos restantes países europeus, este valor anda em torno dos 3%, embora, aqui, as compras online feitas com computadores sejam muito mais significativas do que em Portugal.

Já dos EUA, surgem notícias que apontam para um grande crescimento na adesão significativa dos consumidores ao comércio móvel.

Na chamada Black Friday, a sexta-feira de Novembro que se segue ao feriado de Acção de Graças e que se caracteriza por promoções várias nas lojas e por uma corrida às compras, o PayPal, que processa cerca de um sexto destas transacções, registou um aumento de 51% nos pagamentos feitos no telemóvel face ao mesmo dia de 2013. Também durante aqueles dias, o site da enorme cadeia de retalho Wallmart viu o peso dos acessos móveis subir para 70%. As encomendas tiveram o mesmo aumento.

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