No Bairro da Boavista dizem que João Perna gostava de “boa vida”

João Perna, o motorista de 45 anos de José Sócrates, é considerado uma peça-chave no processo que envolve o ex-primeiro-ministro. Cresceu num bairro social onde dizem que é "boa gente".

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Ana Ramalho

A detenção de José Sócrates aconteceu na noite do dia 21 de Novembro, uma sexta-feira. Hugo Marques só viu a notícia na manhã de sábado e a primeira reacção foi “ligar ao Perna”. O telemóvel do amigo estava desligado. “Ainda pensei que tivesse ido levar coisas lá para o tribunal”, conta ao PÚBLICO. Só horas mais tarde é que Hugo percebeu que João Pedro Perna, com quem cresceu no Bairro da Boavista, em Lisboa, tinha sido afinal o primeiro detido no âmbito da Operação Marquês. A detenção ocorreu às 21h38 de 20 de Novembro e Hugo ainda não conseguiu voltar a falar com o amigo “com quem tinha estado há umas duas ou três semanas numa discoteca” e que vinha frequentemente ao bairro, apesar de já morar no Samouco, concelho de Alcochete.

Aos 45 anos, João Perna é considerado uma peça-chave no processo que envolve o antigo governante. As escutas efectuadas pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal apontam, alegadamente, para viagens periódicas a Paris, onde supostamente entregaria dinheiro vivo a Sócrates, escondido em malas. Está indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e detenção de arma proibida, tendo o Tribunal Central de Instrução Criminal determinado a medida de coacção de prisão preventiva. Ficou desde então no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária de Lisboa, num espaço partilhado com outro arguido, o empresário Carlos Santos Silva, amigo de infância de Sócrates. Foi representado pelo escritório de Proença de Carvalho, que entretanto deixou o caso após o interrogatório. O novo advogado é Ricardo Marques Candeias, da Candeias Advogados.

Desde 2011 que era motorista do ex-primeiro-ministro, mas Hugo garante que os “biscates” tanto para o PS como para Sócrates e a sua família começaram antes. Talvez há dez anos. “Sabia que ele ia levar a mãe do Sócrates e os miúdos aqui e ali”, explica. E viagens a Paris? “Sim, ele andava para lá muitas vezes e sei que levava coisas, mas nunca comentou que fosse o dinheiro que se anda para aí a dizer. Era um chavalo às direitas, não podem dizer o contrário, mas claro que nos últimos anos a vida dele melhorou”, remata Hugo. Antes, trabalhou ainda nas obras, para as quais também conseguiu arrastar Hugo e “teve a loja de malas, que fechou”.

A loja a que Hugo faz referência corresponde à empresa João Perna — Comércio de Marroquinaria, Unipessoal, Lda., constituída em 2003 e dissolvida em 2008 pelo agora motorista. De acordo com os registos consultados pelo PÚBLICO dedicava-se ao “comércio por grosso de bens de consumo, comércio a retalho de calçado, em estabelecimentos especializados, e comércio de outros veículos automóveis”.

A empresa tinha sede na Praceta Raul Proença, n.º 7, 3.º esquerdo, em Algueirão-Mem Martins, Sintra, onde Perna chegou a viver antes da mudança para a margem Sul. Ainda mantém a casa na Boavista, a de Algueirão e do Samouco — onde os vizinhos pouco sabem sobre ele. Nos cafés das redondezas diz-se que era calado, apesar de se comentar que “andava a trabalhar para o Sócrates”. Nas vivendas em frente ao rés-do-chão da Rua Gabriel Pedro, onde vivia e onde foi detido, deu-se pela mudança em 2011 para um Mercedes cinza-prateado, que contrastava com a roulotte que ainda mantém estacionada nessa rua.

Já no bairro social na zona de Benfica onde o motorista cresceu, muitos preferem não comentar o caso do “Perna” ou “Pernas” — como é conhecido. No café dos seus primos a boca não se abre. Outros vizinhos asseguram, sem se identificarem, que gostava da “boa vida”, mas que tanto ele como a família eram “boa gente”, ainda que se tenha “metido em algumas”. Antes de ser motorista de Sócrates, Perna foi detido várias vezes pela PSP, uma delas por tráfico de droga e posse de arma ilegal. Maria Odete e Maria Virgínia adiantam que o pai de Perna morreu cedo e que a mãe “ou morreu há pouco ou está para um lar”. Ao mesmo tempo apontam para onde vive o filho mais novo de Perna. Terá 23 anos. Tem também uma filha mais velha “noutro lado”, com 25 anos. Em ambos os casos foram fruto de relações pouco duradouras.

Maria Odete mostra ainda a rua onde a mãe de Perna “vendia pastéis dos muito bons” ao fim-de-semana. Era um complemento das limpezas que fazia no PS, diz, acrescentando que “a irmã também está para lá”, e que é tudo “gente honesta”. A irmã “muito certinha que até se formou” de quem Odete fala é Paula Cristina Perna Bernardino, funcionária do PS, partido pelo qual ocupou o último lugar na lista de suplentes para as eleições europeias de 2009. Foi também secretária pessoal de Rui António Ferreira Cunha, quando este tutelou diferentes secretarias de Estado no primeiro e segundo Governo de António Guterres.

Odete recorda “tropelias” próprias do bairro que envolvem Perna. Mas assegura que “mesmo que se venha a saber que fez o que se diz que fez” vai mantê-lo “no coração”. Solta finalmente o que não teve coragem de dizer ao início. “Ele e o meu filho andaram metidos na droga e foi o Pernas que o salvou numa overdose. Devo-lhe a vida do meu filho, que acabou por morrer pouco depois. Ao menos o Pernas saiu disso.” com Pedro Sales Dias

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