O Citius já “funciona bem”, mas faltam centenas de apensos de processos

Três meses após a paralisação, Conselho Superior da Magistratura e IGFEJ garantem operacionalidade do sistema informático dos tribunais. Funcionários judiciais e procuradores consideram grave a falta de apensos.

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A investigação da PJ de Faro, que começou na sequência de uma denúncia anónima, já decorria desde 2014 Fernando Veludo/NFactos

Mais de três meses depois das falhas no Citius terem paralisado os tribunais, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) e o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) garantem que o Citius está a funcionar bem. O único problema é, admitem, faltarem centenas de apensos de processos cuja transferência ainda não foi possível fazer para a nova versão da plataforma informática.

“O sistema está a funcionar bem. Apenas falta a transferência de algumas poucas centenas de apensos para a nova versão do Citius. E esses apenas estão identificados e podem ser consultados na versão antiga. Em caso de necessidade, enquanto não são transferidos, é possível resolver a questão caso a caso. Trata-se de um número muito residual em 3,5 milhões de processos”, disse ao PÚBLICO o presidente do IGFEJ, Rui Mateus Pereira. Também a porta-voz do CSM, Albertina Pedroso, confirmou que o sistema já “funciona bem”, apesar do “número bastante residual de apensos” ainda por transferir.

Rui Mateus Pereira, que alertou ainda que o Citius sempre teve “pequenas anomalias”, sustentou que o IGFEJ procura agora colocar a aplicação “a funcionar a 100% que foi o que nunca aconteceu”. O Citius voltou a estar operacional em todas as 23 comarcas desde a meia-noite de 14 de Outubro.

A garantia, porém, não descansa quem trabalha nos tribunais. “Não consigo perceber como é que funciona bem se estão por transferir centenas de apensos. Um processo sem um apenso é um processo que não está completo. Mesmo que seja possível vê-lo na versão antiga do Citius, não é possível tramitá-lo lá”, critica o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso.

Alguns funcionários judiciais contactados pelo PÚBLICO deram conta de que o sistema está agora a funcionar correctamente. Vários aludiram ao facto de terem, desde o início de Setembro quando foi implementado o novo mapa judiciário, trabalhado por diversas vezes ao sábado para diminuir os atrasos nos processos causados pelo bloqueio do Citius.

O Sindicato dos Funcionários Judiciais, contudo, diz-se “surpreendido”. “Está tudo tão bom e a funcionar bem que até faltam apensos, centenas deles. Mas está tudo bem”, ironiza o presidente daquela estrutura, Fernando Jorge. O dirigente critica as informações dadas pelo CSM. “Os elementos do conselho podem ter informações, mas não estão nos tribunais não sabem. Nem eles nem o IGFEJ. O instituto tem realmente demonstrado estar disponível para resolver todas as questões, mas não está nos tribunais e não conhece a verdadeira realidade”, aponta Fernando Jorge.

O dirigente desafia ainda o Ministério da Justiça a “emitir o certificado público de que o Citius está a funcionar sem problemas”. O decreto-lei publicado em Outubro e que suspendeu os prazos para a prática de actos processuais iniciados ou terminados após 26 de Agosto prevê que o IGFEJ publicite uma declaração na qual atesta a “completa operacionalidade do mesmo sistema informático”. É nesse caso que formalmente se consideram cessados os constrangimentos de acesso.

O Ministério da Justiça remeteu o PÚBLICO para a última resposta que enviou em Outubro sobre a operacionalidade do Citius. A tutela assegurou então que o Citius estava já operacional nas 23 comarcas da nova organização judiciária. Sublinhou ainda serem necessárias algumas operações preventivas antes de ser declarado o levantamento da suspensão dos prazos.

No mês passado, num despacho que arquivou um inquérito-crime aberto na sequência de uma exposição do Ministério da Justiça à Procuradoria-Geral da República (PGR) por alegada sabotagem de dois funcionários do instituto, o procurador Pedro Verdelho, do gabinete do Cibercrime da PGR, rejeitou a possibilidade de ter existido sabotagem e concluiu que foi afinal o IGFEJ quem não teve a capacidade de adaptar o sistema à reforma judiciária.

BE quer auditoria independente ao crash
A Assembleia da República vota esta sexta-feira um projecto de resolução do Bloco de Esquerda que defende a realização de uma auditoria independente aos problemas verificados na aplicação informática “e às consequências decorrentes para o funcionamento da justiça”. O partido, que quer que os resultados da auditoria sejam divulgados em 30 dias, pretende ainda que sejam criadas comissões de avaliação da reforma em curso (apesar de já existir um grupo ao nível do Parlamento e do CSM que acompanha a implementação da nova organização judiciária): uma a funcionar junto do Ministério da Justiça e outra junto do Parlamento.

Também o PCP leva à votação do plenário um projecto de lei que visa a adopção de medidas urgentes para a reparação dos direitos lesados pelo bloqueio da plataforma. Considerando que a suspensão dos prazos processuais não foi suficiente, os comunistas sugerem também uma comissão de acompanhamento que supervisionará as medidas tomadas para o regresso à normalidade do funcionamento do Citius. 

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