Maduro persegue opositora na justiça, enquanto a Venezuela se desfaz

Faltam medicamentos e a queda do preço do petróleo ameaça a sobrevivência da economia venezuelana. Mas há tempo para investigar alegada conspiração para matar o Presidente.

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Corina Machado liderou os protestos contra o regime, junto com Leopoldo Lopez Jorge Silva/REUTERS

Se não os podes calar, persegue-os na justiça. Essa é a táctica que parece estar a ser usada pelo Governo venezuelano contra os líderes da oposição que mais se destacam. A ex-deputada Maria Corina Machado, que liderou as grandes manifestações contra o regime no início do ano, foi agora acusada de participar numa conspiração para assassinar o Presidente Nicolás Maduro. O outro líder dos protestos, Leopoldo López, já está detido numa prisão militar desde Fevereiro, sem que tenha sido condenado.

Este processo é uma tentativa de fuga para a frente, quando a situação económica do país se degrada até ao nível em que as grandes empresas de notação financeira desconfiam de que possa estar à beira de não pagar a sua dívida. A queda do preço do petróleo está a ser o golpe final para uma economia que depende das vendas do crude em 96% para fazer entrar divisas estrangeiras no país.

“Países exportadores de petróleo como a Venezuela ou a Nigéria precisam de um preço superior a cem dólares por barril para equilibrar o seu orçamento”, estimam os correctores da empresa de consultadoria Czarnikow. Mas nas bolsas de Londres e Nova Iorque, o petróleo está a valer menos de 70 dólares, graças à bonança dos hidrocarbonetos extraídos através do fracturamento hidráulico, que permite alcançar reservas em locais antes inexplorados, nomeadamente nos Estados Unidos.

Os países árabes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), da qual a Venezuela faz parte, decidiram não fazer uma guerra de preços, reduzindo a sua produção. Preferem esperar que passe o entusiasmo com as explorações de “fracking” – como é conhecida a técnica em inglês –, que são mais caras do que as tradicionais. Só que Caracas não tem uma economia que lhe permita esperar, como as monarquias do Golfo.

A falta de divisas para pagar a importação de artigos essenciais que a indústria venezuelana não produz gera faltas de tudo – desde alimentos até medicamentos.

A Federação Farmacêutica da Venezuela afirmou já este mês que a escassez de medicamentos é da ordem dos 60%. Os que mais faltam são antipiréticos, anticonvulsivos, para controlar disfunções da tiróide, e cremes de todo o tipo, afirmou o presidente da associação, Freddy Ceballos, citado pela agência Lusa. A causa desta falta, explicou, “são as mesmas que enfrentam outros sectores da economia”, designadamente “o controlo de preços, a baixa atribuição de divisas (dólares para importações) e as licenças”.

Desde 2003 que vigora na Venezuela um apertado sistema de controlo cambial que impede a livre obtenção de moeda estrangeira e obriga os empresários e fabricantes a solicitar às autoridades a obtenção das autorizações necessárias para aceder a dólares para importar matéria-prima. Este sistema dificulta a economia e favorece a corrupção – a organização Transparência Internacional identificou a Venezuela como o país mais corrupto da América Latina, o 161.º na sua lista de 175 países.

Pobreza aumentou

A pobreza, entretanto, está aumentar, enquanto o país tinha feito alguns ganhos durante os anos do falecido Presidente Hugo Chávez: o índice de pobreza extrema passou de 7,1% no segundo semestre de 2012 para 9,8% no período homólogo de 2013, segundo o Instituto Nacional de Estatística venezuelano.

Mas o regime de Maduro, confrontado com uma impopularidade crescente – a do próprio Presidente atingiu 24,5% em Novembro, um recorde negativo – tem-se enrolado mais na sua concha.

A perseguição aos líderes políticos que se destacam na oposição é uma forma de calar qualquer dissensão, mesmo após os violentos protestos em que morreram pelo menos 43 pessoas e centenas ficaram feridas.

Leopoldo López e Corina Machado deram o mote lançando no Twitter a hashtag #La Salida (a Saída), convidando-os a deixarem o poder. López entregou-se à polícia porque as autoridades o acusaram da autoria intelectual da morte do líder de um “colectivo”, grupos armados ligados ao poder venezuelano, que estiveram no centro de muita da violência nas manifestações.

Corina Machado está a ser imputada com base em mensagens de correio electrónico reveladas por um dirigente do partido do governo, dirigidas a diferentes líderes da oposição, em que diz que tinha chegado a hora de juntar esforços para obter “financiamento para aniquilar Maduro”. A ex-deputada disse que os emails eram falsos, apesar de terem saído de uma sua conta de Gmail, que deixou de usar quando dali saíram fotos suas para as redes sociais. O próprio Google acabou por assegurar que aquela conta é falsa, diz o El País. A líder oposicionista garante que apenas pretende afastar Maduro.

Quando terminará a investigação de que é alvo Corina Machado não se sabe, nem o julgamento de López. Mas o que parece certo é que 2015 – ano em que haverá eleições legislativas, lá para Dezembro – deverá ser muito turbulento. “Tenho a impressão de que vão haver mais conflitos sociais, pois a recessão vai aumentar, haverá mais inflação, mais penúria”, afirmou à AFP José Guerra, antigo quadro do Banco Central da Venezuela.
 

   





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