Brett Bailey volta a pôr o dedo na ferida da Europa colonial

Exhibit B, a polémica instalação-performance de denúncia da persistência dos “sistemas raciais” do colonialismo na Europa de hoje, está a chegar a Paris.

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É branco, por isso não devia falar. É sul-africano, por isso não podia ficar calado. Desde quinta-feira da semana passada que Brett Bailey é a bela e o monstro das redes sociais francesas (e das ruas de Saint-Denis, onde centenas de pessoas se manifestaram violentamente contra a suposta “negrofobia” dos seus trabalhos).

Exhibit B, a polémica instalação-performance com que em 2013 deu continuidade ao seu projecto de denúncia da persistência dos “sistemas raciais” do colonialismo na Europa de hoje, teve uma carreira difícil no Théâtre Gérard Philippe, onde só conseguiu apresentar-se por trás de um aparatoso dispositivo policial (mesmo assim, duas das sete apresentações previstas para o primeiro dia foram canceladas depois de os manifestantes terem partido uma das portas do teatro, e o debate que a direcção do teatro tinha agendado para sábado também acabou suspenso “por razões de segurança”), e também não terá uma vida fácil nos próximos dias no 104, em Paris. Os activistas do Colectivo Contra Exhibit B, que em Novembro lançaram uma petição contra o espectáculo entretanto subscrita por mais de 20 mil signatários, já fizeram saber que tencionam boicotar a carreira de Exhibit B no centro cultural parisiense, onde deverá apresentar-se por mais uma semana, já a partir deste domingo.

É, definitivamente, uma ferida ainda aberta no inconsciente colectivo europeu, e o dedo de Brett Bailey não desiste de a fazer sangrar. Depois de uma primeira investida em 2010 (Exhibit A lidava sobretudo com os fantasmas coloniais da Namíbia), o artista sul-africano transformou a sua investigação acerca do colonialismo num work-in-progress a desenvolver em vários capítulos – este que agora regressa a França no final de uma temporada polémica (em Setembro, Exhibit B também não pode apresentar-se no Barbican, em Londres, na sequência de uma petição que reuniu mais de 25 mil assinaturas) debruça-se sobre a violência do colonialismo belga e o próximo episódio da série, a estrear em 2015, vai pôr-nos a falar na primeira pessoa do plural (será, anunciou já Brett Bailey no site da sua Third World Bunfight, sobre as “incursões britânicas, portuguesas e italianas em África”).

Entretanto, a polémica sobre o poder deste objecto que é Exhibit B – uma série de 12 quadros-vivos em que outros tantos artistas negros, nalguns casos enjaulados ou amordaçados como nos infames zoos humanos que divertiram a Europa nos finais do século XIX, representam cenas da história colonial e pós-colonial para um público maioritariamente branco – promete continuar insanável. Entre os defensores “da força e da clareza incontestáveis” do espectáculo enquanto denúncia do passado de desumanização e racismo de um continente teoricamente “civilizado” (um dos maiores monstros do teatro europeu, Peter Brook, escreveu uma carta de apoio a Brett Bailey; a ministra da Cultura francesa, Fleur Pellerin, condenou “firmemente as tentativas de intimidação e de censura” da semana passada em Saint-Denis) e os manifestantes que vêem em Exhibit B uma “paródia grotesca” da exploração colonial e da violência racial, não há meio termo possível. E é exactamente isso que faz correr Brett Bailey: “À medida que os espectadores se movimentam pela instalação, observamo-los e testemunhamos raiva, sofrimento, piedade, tristeza, compaixão. Mas, acima de tudo, testemunhamos uma tomada de consciência. É por isso que continuamos a fazer este espectáculo.”

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