Acabou o mais fácil

Confiança. Esta a palavra que servia de lema reproduzida quatro vezes em pano de palco na cenografia encarnada e verde da sessão de encerramento do XX Congresso do PS no Pavilhão da FIL, em Lisboa. E é conquistar a confiança do eleitorado, ou da sua maioria, que falta a António Costa, agora que terminou a corrida dos últimos seis meses para ser líder do PS.

A maratona em que os socialistas se lançam, com o objectivo de serem governo nas legislativas de 2015, é o desafio verdadeiramente difícil que se coloca a António Costa.

E é difícil porque, para o PS conquistar a confiança do eleitorado e a vitória nas urnas, Costa tem de apresentar uma alternativa de programa de governo que seja clara e que convença a maioria dos portugueses de que tem um programa alternativo ao do PSD-CDS e que irá conseguir gerir o problema da dívida pública, do défice, do desemprego e do crescimento económico. Mas também terá de conseguir fazê-lo gerindo em paralelo o caso José Sócrates e a realidade de o ex-secretário-geral e ex-primeiro-ministro do PS estar em prisão preventiva, acusado de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.

Mas se o ritual partidário de consagração de Costa como novo líder era a parte mais fácil da tarefa do secretário-geral, o facto é que dificilmente teria corrido melhor. O congresso foi tão pacífico que correu o risco de ser chato e adormecente. E apenas o percalço do despeito de Francisco Assis, aparentemente por ficar fora dos órgãos de direcção, bem como a perplexidade dos seguristas quando perceberam que não tinham integrado o secretariado, animou um pouco a noite de sábado.

O PS que sai da FIL é um PS com novos equilíbrios internos. Até porque a forma como Assis bateu com a porta, depois de ter sido o porta-voz da defesa de uma coligação PS-PSD antes do congresso, coloca-o em posição de ser o líder da oposição à direita a Costa. Missão em que resta perceber se será apoiado conjunturalmente pelos seguristas. Estes acabaram reduzidos a um terço da comissão nacional e da comissão política, depois de terem alimentado a ilusão de que Costa os levaria para o seu secretariado.

Impulsionado pelo caso Sócrates, Costa pôde até proceder a um refrescamento da direcção que atingiu todos os órgãos. Uma renovação que não é só geracional: veja-se o regresso dos sampaístas João Cravinho e Vera Jardim à comissão política, bem como dos guterristas Maria da Luz Rosinha e Luís Patrão ao secretariado.

Mas é de facto grande o rejuvenescimento geracional, com a subida a responsabilidades máximas de uma série de personalidades do partido abaixo dos 50 anos, de que são exemplo nomes do secretariado como Fernando Medina, Fernando Rocha Andrade, Sérgio Sousa Pinto e Graça Fonseca. Nomes que, juntamente com figuras como Porfírio Silva e Pedro Bacelar de Vasconcelos, por exemplo, dão substância e solidez intelectual e cultural à direcção política executiva do PS. À imagem do que acontece com o novo presidente do partido, Carlos César.

Instinto de sobrevivência
Costa soube controlar o congresso, tarefa que lhe foi facilitada pelo instinto de sobrevivência do PS. Nenhum socialista é partidariamente suicida ao ponto de levar o caso Sócrates para o palco do congresso fora dos limites em que Costa o tinha colocado logo a 22 de Novembro. Para mais quando o poder pode estar ao virar da esquina.

E nessa sinalização de limites foi fundamental a forma como Costa falou do "choque que para todos é brutal" logo no primeiro discurso. No que foi secundado pouco depois por Manuel Alegre, ao atribuir a uma “vitória política de António Costa” a capacidade de fazer o PS “responder a um forte choque emocional”.

O momento de “choque” que o PS vive fez os socialistas tocarem a rebate e a este fenómeno pode não ser alheio a circunstância de ontem, na primeira fila do congresso, na sessão de encerramento, se terem sentado Mário Soares, Jorge Sampaio, Almeida Santos, Edmundo Pedro, António Arnaut, Rui Nabeiro. Uma legitimação histórica que, aliás, na véspera, foi feita por Manuel Alegre, ao estabelecer o paralelo entre o I Congresso, em 1974 e o momento presente, para garantir que Costa “saberá defender e preservar a autonomia estratégica do PS”.

Uma autonomia estratégica que no encerramento Costa assumiu. E fê-lo com uma rara capacidade de devolver emoção à política – recuperando as pessoas, as suas histórias de vida e a sua dignidade para o centro do discurso político. Discursando de improviso, Costa clarificou essa autonomia estratégica, ao afirmar uma política de alianças que excluem os partidos do actual Governo. Política de alianças que já antes fora assumida e foi reafirmada no congresso pelo líder parlamentar, Eduardo Ferro Rodrigues. E que Costa tornou transparente ao abrir a porta a uma aliança com o Livre.

Mas a clarificação da autonomia estratégica do PS com Costa foi também visível no separar de águas político-ideológico entre a esquerda e a direita. Neste domínio foi transparente a sua visão de esquerda da sociedade actual e da União Europeia e na forma como falou da defesa da igualdade.

Primeiro, no que toca às crianças e ao direito igual que têm os filhos de famílias tradicionais e de famílias monoparentais. Depois, ao abordar a pobreza e a exclusão social que se auto-reproduz geracionalmente. E, por fim, na forma como abordou a violência doméstica, ao interromper o discurso, com a sala de pé, para Maria do Céu Guerra lembrar o nome das 34 mulheres assassinadas este ano pelos maridos, companheiros ou namorados.

Costa fez tudo bem feito para sair consagrado perante os socialistas. Até respondeu a Alegre, aceitando a legitimação que recebera e ao citar o histórico dirigente que no sábado afirmara que o pior corte feito aos portugueses pelo Governo de Passos Coelho foi o da esperança. E, para não estragar o momento de festa, não voltou a tocar no caso Sócrates. Só que, daqui até às legislativas, o terreno em que Costa se terá de mover não é o de um congresso socialista. Por isso, para Costa terminou a parte mais fácil da sua caminhada para tentar ser primeiro-ministro.

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