Enganar BPN e lavar lucros da burla custam a Duarte Lima dez anos de cadeia

Juízes que analisaram negócio de terrenos em Oeiras não quiseram aplicar “pena que possa ser considerada laxista pela comunidade”. E dizem que ex-dirigente do PSD revelou “frieza de carácter sob uma capa de honestidade”.

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Duarte Lima Rui Gaudêncio

Enganar o Banco Português de Negócios (BPN) e branquear o dinheiro resultante da burla custaram esta sexta-feira a Duarte Lima dez anos de cadeia. O antigo líder parlamentar do PSD já anunciou que vai recorrer da decisão do tribunal da comarca de Lisboa, tal como os restantes quatro arguidos ligados ao negócio imobiliário de terrenos em Oeiras que está no cerne deste processo - do qual só saiu ilibado o filho de Duarte Lima.

Na leitura do acórdão, a juíza que presidia ao colectivo de magistrados, Filipa Valentim, disse que Duarte Lima "revelou frieza de carácter sob uma capa de honestidade”, e que se “refugiou numa inexplicável vitimização, servindo-se do filho para praticar estes crimes". Era Pedro Lima quem assinava os cheques e era também ele o titular das contas bancárias através das quais Duarte Lima e o seu sócio Vítor Raposo, antigo deputado laranja, “sacaram”, nas palavras dos juízes, 17,8 milhões de euros ao banco liderado por Oliveira Costa, para usar em seu proveito pessoal e em proveito de outros três cúmplices.

Filipa Valentim salientou ainda que o tribunal fez questão de “não aplicar uma pena que possa ser considerada laxista pela comunidade”, uma vez que estão em causa crimes particularmente graves. E criticou o facto de Duarte Lima ter utilizado a imagem que na altura tinha de “pessoa vinda de um meio humilde, em quem se podia confiar” para usar a sua influência, convencendo Oliveira Costa a emprestar-lhe várias dezenas de milhões de euros através do BPN.

O negócio que o banqueiro comprou consistia em financiar o ex-líder parlamentar do PSD para comprar terrenos em Oeiras em redor daquela que se previa que viesse a ser a futura localização do Instituto Português de Oncologia, que estava para ser transferido de Lisboa para o concelho vizinho. Para levar a cabo este projecto de habitação e escritórios, situado numa zona que esperava que viesse a ser desanexada da Reserva Agrícola Nacional, Duarte Lima criou com Raposo um fundo imobiliário intitulado Homeland.

O tribunal concluiu que os terrenos que comprou a outra sociedade só lhes custaram cinco milhões, mas que apesar disso foram escriturados por 22,8. Objectivo: levar o banco a emprestar-lhes mais dinheiro do que o necessário. Foi o que sucedeu, com Duarte Lima a recorrer a seguir a um cambista da Baixa lisboeta, uma personagem conhecida como Zé das Medalhas, para fazer voar os lucros da operação até a uma conta bancária na Suíça. Também arguido no processo Monte Branco, Zé das Medalhas, que cobrava uma taxa de 1% sobre cada operação, foi igualmente condenado esta sexta-feira a quatro anos de prisão efectiva por lavagem de dinheiro. Apesar da idade avançada e de alguns problemas de saúde, o tribunal entendeu que seria perigoso deixá-lo em liberdade, por não oferecer garantias de que não voltará a praticar crimes deste género.

As tentativas de Duarte Lima de se demarcar dos detalhes do negócio, remetendo-os para o sócio, não surtiram efeito: os juízes repararam na forma nervosa e envergonhada como Vítor Raposo fitava o chão no dia em que o ex-líder de bancada do PSD – que ele descrevia como “um pai” – fez declarações a incriminá-lo em tribunal. Tanto um como o outro terão agora de pagar à Parvalorem, a sociedade criada pelo Estado para gerir activos e recuperar créditos do Banco Português de Negócios, nacionalizado em 2008, um valor que pode chegar aos 18 milhões de euros, montante repartido ainda com outros dois arguidos envolvidos no negócio, um deles advogado de profissão. Para determinar o montante exacto, será contabilizada a diferença entre o valor actual dos terrenos e o preço pago em 2007 pela Homeland. O sócio de Duarte Lima também foi condenado a seis anos de prisão efectiva, por burla qualificada.

Depois de ler a sentença, Filipa Valentim observou ser “por demais reprovável” que nenhum dos arguidos tenha “demonstrado estar minimamente consciente da gravidade” dos crimes cometidos. Afinal, são todos “pessoas formadas, inseridas socialmente” e alguns deles “chegaram a exercer cargos políticos de grande responsabilidade”.

As 486 páginas do acórdão demoraram mais de quatro horas a serem lidas – embora nem sequer o tenham sido na totalidade. Tal como Duarte Lima, também os restantes condenados anunciaram que iriam recorrer da decisão para o Tribunal da Relação, razão pela qual continuarão, por enquanto, em liberdade.

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