Chumbos ajudam alunos desfavorecidos a “colmatar deficiências que têm em casa”
Economista no Banco de Portugal, Manuel Coutinho Pereira é especialista, entre outras áreas, em Economia da Educação. Retenção, eficiência nas escolas secundárias e análise do desempenho dos alunos no PISA são alguns dos temas dos estudos que realizou.
Manuel Coutinho Pereira, 40 anos, andou no sistema de ensino público, da antiga primária ao doutoramento. Um bom aluno que nunca reprovou. As aulas deram-lhe muito, e não só conhecimentos, diz. Mas não tem dúvidas de que o ensino é agora melhor, sobretudo no que toca à formação dos professores.
O último relatório do Conselho Nacional de Educação (CNE) alerta para o facto de estarmos a reprovar alunos com dificuldades para não irem a exame e baixarem as médias das escolas. Não é um efeito perverso do sistema?
Tenho uma opinião muito positiva sobre os exames, são importantes para a melhoria do sistema educativo. Permitem introduzir incentivos correctos no sistema, uma maior responsabilização das escolas face à comunidade, dos professores dentro da escola e dos próprios alunos e pais.
Mas essa preocupação não leva as escolas a treinarem os alunos para os exames? Educação é treino?
Sim, mas não só. Há valores que têm de ser incutidos aos alunos. Mas isso não deve ser justificação para desvalorizar a parte académica. As duas têm de estar lá e a parte académica é muito treino. Os exames nacionais levam os alunos a treinarem mais, a fazerem mais exercícios de Matemática, a estudarem mais. E permite aos pais acompanharem melhor.
E o que acontece aos alunos com dificuldades?
Não são prejudicados pelos exames nacionais, porque o facto de as dificuldades virem ao de cima cria uma necessidade óbvia de serem ajudados.
Mas o CNE alerta precisamente para o facto de as escolas os chumbarem só para não baixarem a média da escola nos exames e ficarem melhor nos rankings…
Não me quero pronunciar sobre esse aspecto específico que desconheço. Isso, a acontecer, seria um efeito perverso. Quero crer que não.
Mas é um alerta do CNE.
Os exames podem pôr a nu as deficiências de certos alunos e escolas. Isso deve servir como meio de diagnóstico, para atacar os problemas. Sem os exames, provavelmente esses problemas passariam despercebidos, o aluno faria o seu trajecto, mas sem aprender. A escola não desempenharia o seu papel.
Num estudo de que é co-autor refere que nos países escandinavos e na Itália menos de 5% dos alunos com 15 anos repetiram alguma vez no ensino básico, enquanto em Portugal, França, Espanha e Luxemburgo os números estão acima dos 30%. Concorda com o CNE quando este diz de que há uma cultura de retenção em Portugal?
A repetência é usada com bastante frequência em Portugal. Até que ponto isso é positivo ou negativo, só podemos responder se soubermos qual o efeito da repetência sobre o desempenho escolar a curto, a médio e a longo prazo.
Foi o que investigou nesse estudo…
O que concluímos foi que a retenção no 1.º e 2.º ciclos tem efeitos negativos a longo prazo. A nossa análise foi feita a partir dos resultados de estudantes que fizeram o PISA [um estudo internacional da OCDE que compara as competências dos alunos de 15 anos em diferentes áreas] e que foram retidos no 1.º e 2.º ciclos. Já nos estudantes que frequentavam o 3.º ciclo encontrámos resultados positivos da retenção sobre o seu desempenho escolar. Enquanto nos dois primeiros ciclos estamos a falar de efeitos negativos a longo prazo, no 3.º estamos a falar de efeitos positivos a curto prazo. Isto porque, neste caso, alguns podiam ter sido retidos praticamente no ano anterior ao PISA.
Por que é que a retenção é mais prejudicial nos dois primeiros ciclos?
A retenção dos estudantes, numa fase inicial, pode ter a ver com certas características, como, por exemplo, imaturidade. Depois, ao longo do tempo, conseguem ultrapassar essa questão. Além disso, no 1.º ciclo, a decisão de reter um aluno pode ser baseada em menos informação. No 1.º ciclo há apenas o juízo de um professor. Numa fase mais avançada estamos a falar de uma decisão de professores de várias disciplinas, que pode ter um pouco mais de fundamentação. Em suma: a conclusão é que a retenção nos 1.º e 2.º ciclos não parece ser solução. Seria preferível encontrar metas alternativas de apoio aos estudantes. Mas nos mais velhos até encontramos pequenos efeitos positivos.
Pode especificar?
Uma criança pode chumbar e nem perceber bem. Num estudante mais velho, isso não acontece. Sendo mais velho, poderá sentir-se mais responsabilizado. Tem de prestar mais contas perante os pais e a escola. O ter chumbado pode ser um sinal de alerta para melhorar o seu desempenho. E, estando num nível mais avançado quando chumbou, não será tanto por questões de imaturidade.
Também defende que alunos “cujas características socioeconómicas os tornam mais propensos a repetir são, regra geral, também os que mais ganham” com isso. Como é que isto se articula com o que acabou de dizer?
Constatamos que o facto de se pertencer a um estrato socioeconómico mais desfavorecido torna um pouco mais provável que o estudante seja retido. E são esses também que tendem a ganhar mais com a retenção no 3.º ciclo e a perder menos no 1.º e 2.º ciclo.
Alunos de contextos mais desfavorecidos beneficiam mais com a retenção, independentemente do ciclo de ensino?
O estrato socioeconómico de onde o estudante provém tem impacto sobre o desempenho e a retenção desses estudantes pode colmatar deficiências que têm em casa. Se o acompanhamento por parte dos pais e os recursos educativos em casa forem um pouco inferiores, o efeito da repetência pode ser mais positivo do que nos estudantes que não tenham essas carências. Ter repetido um ano dá-lhe alguma hipótese de instrução adicional, de mais exposição à matéria. Nos 1.º e 2.º ciclos, o efeito da retenção ainda é negativo, os estudantes de contextos mais desfavorecidos não beneficiam com ela, são é menos prejudicados. Já no 3.º ciclo, como vimos, os efeitos da retenção são positivos e estes alunos, em particular, são os mais beneficiados de todos. Na prescrição de políticas educativas não há, porém, diferença entre os mais e menos desfavorecidos.