São todos iguais, querem todos o mesmo!

Se há um refrão que não se consegue evitar hoje é “são todos iguais, querem é tacho”. Trate-se de novos ou velhos protagonistas do exercício da política, todos hoje o ouvem, seja em espaços públicos, privados ou lido nos posts do facebook.

No entanto, não é populismo dizer que os cidadãos, tenham ou não emprego, têm péssima opinião de todos aqueles que os governam ou potencialmente os irão governar.

Não é populismo dizer que os cidadãos, em geral, sentem que são apenas uns poucos que lucram com o crescimento económico anémico que temos na Europa e em Portugal.

E também não é populismo dizer que, na maior parte das vezes, as pessoas votam mais contra do que a favor de alguém ou de algum partido. Votam nos que há porque não têm outra escolha ou decidem simplesmente não votar nunca.

No entanto, em paralelo a todas estas críticas ao funcionamento das democracias, a esmagadora maioria dos cidadãos continua a apoiar a democracia mas acha, também, que é preciso algo de diferente.

Este pensamento sobre o fazer diferente (e não apenas melhor que os outros já fizeram) deve ser o refrão que os partidos devem assumir como sendo o seu para que a democracia seja percebida como mais do que apenas a resposta à pergunta: qual é o sistema político vigente?

Antes que o ar de fim de ciclo se instale em Portugal, tal como já aconteceu em Espanha, há uma última oportunidade para todos os protagonistas políticos nos próximos três anos.

Em Portugal há claramente uma “crise de meia idade” nos partidos. A crise toca todos os protagonistas, os que se formaram há quase meio século ou os que a partir daqueles, por diferentes formas e razões, deram origem a outros partidos no actual sistema político.

E arriscaria dizer, que mesmo os que surgirem nos próximos meses poderão ser também arrastados para essa “crise de meia idade” do sistema político português se não souberem antecipar as respostas aos problemas.

Tal como todas as outras organizações, os partidos têm virtudes e problemas e procuram resolvê-los. No entanto, a resolução dos seus problemas e a abertura aos simpatizantes pode hoje já não ser condição suficiente para mudar algo, mas apenas uma condição necessária para depois se poder inovar politicamente nas ideias.

A razão para a insuficiência das medidas de abertura, como fórmula para resolver a falta de confiança nos partidos, tem a ver com duas dimensões de descredibilização do sistema político actual:  a desigualdade e a corrupção.

Estamos a viver um tempo em que, como sempre, é pedido aos políticos e partidos que tenham competência para a gestão económica e criação de emprego, mas isso não faz a diferença, não dá mais votos, não cria confiança, nem dá solidez à relação entre cidadãos e quem quer estar, ou está, no poder. 

Fazer diferente é hoje resolver os problemas centrais do sistema: os pessoais, ou seja a desigualdade, e os colectivos, a corrupção.

A corrupção em cargos públicos ou a versão privada, a gestão danosa na banca, não são meros actos de escolha individual, ou do carácter de cada um. São, também, consequência da acção, ou inacção, política e das ideias que moldam uma dada forma de olhar a sociedade e o indivíduo e, consequentemente, de fazer política.

Esta é uma ideia difícil de aceitar, pois tendemos a olhar primeiro para rostos e pessoas e a pessoalizar as acções, sem nos interrogarmos sobre porque é que tal acontece, quando os protagonistas dos fenómenos se multiplicam ao longo dos anos.

Talvez uma das razões pelas quais não nos foquemos nas causas seja porque apontamos a existência de “uma crise de valores” (que é uma explicação fácil) ou porque desejamos acreditar que sempre foi assim e que hoje apenas se sabe mais.

A minha convicção é que se sabe mais, mas também acontece mais. Os trabalhos de John Thompson e Manuel Castells sobre poder, política e escândalos na Europa e fora dela, apontam ambos nesse sentido.

As interligações entre política e finança são múltiplas, por exemplo, através da legislação que permitiu a desregulação do sistema financeiro, e portanto criou as condições para maior possibilidade de descontrolo e escândalos.

Mas também porque a tradicional prática, mantida durante décadas nas democracias, de realizar migrações de ex-ministros para os Conselhos de Administração de Bancos ou, ainda, a presença de deputados em cargos de direcção nas áreas de Research e consultoria, criou um sindroma de vasos comunicantes entre o universo da política e da finança.

A interligação entre actividade financeira e a actividade política, ou se preferirmos, o apresentar de resultados e o disputar eleições, tornaram-se assim parte do mesmo universo, sendo a sua boa articulação indispensável para o bom funcionamento de ambas as actividades. 

Daí que seja importante reflectir até que ponto as políticas, e mais importante ainda, o discurso austeritário, relegando as desigualdades para segundo plano, não contribuiu também para potenciar os fenómenos de corrupção nos países sobre intervenção formal e informal.

Quando se pensa que as pensões podem não mais chegar para todos, quando se pensa que a saúde pode passar a vir a ser paga directamente pelo paciente em muito maior escala, quando se coloca a hipótese de para a escola pública se poder vir a fazer pagamentos directos pelas famílias, então gera-se o ambiente ideal para que germine entre os cidadãos, sejam ou não funcionários públicos, a ideia: “se eu não me salvar já, ninguém me salvará no futuro”.

Obama perdeu as eleições intercalares nos EUA porque, mesmo tendo conseguido crescimento e criação de empregos, não conseguiu alterar a percepção geral dos cidadãos de que essa melhoria é apenas aparente, pois quem ganha com ela é uma minoria.

Para o cidadão de países desenvolvidos mas com elevadas desigualdades, como os EUA ou Portugal, a ideia feita é a de que o progresso serve sempre os mesmos e que para a maioria da população se trata apenas de não perder mais do que já se perdeu.

É essa lógica que importa inverter, para que se possa inverter a ideia de que “são todos iguais, querem é tacho”. Pois como refere Goran Therborn, no seu livro The Killing Fields of Inequality, a desigualdade não é apenas sobre o tamanho da carteira.

Therborn argumenta que a desigualdade é uma violação da dignidade humana, pois é uma negação da possibilidade das capacidades de cada um serem desenvolvidas.

A desigualdade toma muitas formas, e tem muitos efeitos: morte prematura, pouca saúde, humilhação, sujeição, discriminação, exclusão do acesso ao conhecimento ou à vida social, pobreza, stress, insegurança, ansiedade, falta de auto-confiança, falta de orgulho em si mesmo e exclusão de oportunidades de vida.

Uma agenda de transformação que possa combater a ideia de que “são todos iguais, querem é tacho” precisa de centrar-se em torno do combate às desigualdades, pois estamos na época em que os cidadãos já não dão confiança prévia aos líderes e aos seus partidos, querem ver a mudança antes de dar o benefício da dúvida.

É agora a derradeira oportunidade para que a democracia, com novas ou com as actuais instituições, possa de novo funcionar de uma forma real e, também, seja percebida como real pela população.

Talvez se possa começar por dizer: irei acabar com a sobretaxa sobre rendimentos do trabalho em IRS e obter o mesmo montante aplicando uma nova taxa sobre rendimentos financeiros de particulares e empresas, sejam eles detidos dentro ou fora de Portugal.

Podia ser uma forma de começar a fazer diferente e é preciso fazer diferente.

Docente do ISCTE-IUL em Lisboa e investigador do Centre d'Analyse et Intervention Sociologiques (CADIS) em Paris

 

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