“Municipalização das escolas” deverá avançar já em Janeiro

Governo tem vindo a discutir a transferência de competências na área da educação com cerca de duas centenas de municípios. Estes rejeitam responsabilidades na gestão e contratação dos docentes.

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Os serviços de viedeovigilância foram instalados a partir de 2010, mas os contratos expiraram no ano passado Carlos Lopes

Em Janeiro de 2015 algumas das competências na área da educação que hoje se inscrevem na esfera do Ministério da Educação e Ciência (MEC) deverão já estar nas mãos das autarquias. Nas últimas semanas o Governo intensificou as reuniões com as autarquias envolvidas, que andarão já perto das duas centenas, e esta quinta-feira, o assunto está em cima da mesa na reunião entre o ministro Nuno Crato e a Federação Nacional de Educação (FNE).

Óbidos, Matosinhos, Famalicão, Abrantes, Estarreja, Oliveira de Azeméis, Maia, Águeda, Batalha, Oliveira do Bairro, Castelo Branco, Cascais e Oeiras são alguns dos municípios que aparentemente estarão receptivos à ideia de assumir responsabilidades na gestão das escolas básicas e secundárias e na definição da respectiva oferta curricular. Estes encontros têm decorrido longe dos holofotes, para que o necessário “acertar de agulhas” não saia prejudicado pela veemente oposição da Fenprof, a maior federação sindical de docentes, ao processo.

Pela parte que toca à FNE, nada a opor a esta transferência de competências, desde que esta seja acompanhada “pela transferência de financiamento para que os municípios tenham capacidade para executar”, como adiantou ao PÚBLICO João Dias da Silva. O líder da FNE ressalva ainda também que as câmaras não devem poder impor-se às escolas no domínio curricular. “Nas áreas onde passará a haver intervenção local, da acção social aos transportes, e mesmo na componente dos currículos e de organização do calendário escolar, os conselhos municipais de educação terão de ganhar um protagonismo novo, pelo que as suas competências e composição terão de ser revistas”.

O autarca de Óbidos, Humberto Marques (que não gosta de falar de “municipalização” das escolas mas de “descentralização territorial assente numa estrutura sócio-comunitária”), adiantou ao PÚBLICO que pelo menos uma dezena dos municípios envolvidos no processo reclamaram já várias alterações à proposta inicial do Governo. “Houve uma oportunidade de discutir uma minuta do contrato e há várias coisas com que não concordámos, designadamente com a lógica de municipalização, porque o que nós procuramos é um modelo de governança assente numa certa territorialização através do Conselho Municipal de Educação, cujas competências e composição terão de ser distintas do que são hoje”, explicou.

Autarcas recusam incentivos à redução dos docentes
 “O que os autarcas procuram não é a sincronização da escola com o calendário eleitoral, até porque o pior que podia acontecer à educação era ficar dependente de um determinado autarca ou ciclo eleitoral”, reforça Humberto Marques. O autarca assegura mesmo que a generalidade dos municípios envolvidos recusou a possibilidade de haver incentivos financeiros à redução do número de docentes. “Afastámos em absoluto qualquer ligação a essa ideia de as autarquias receberem qualquer prémio por conta da eficiência, até porque, se os docentes vão continuar vinculados ao ministério, as autarquias não podem gerar eficiência por uma coisa que não é delas”.

Apesar de o ministro Nuno Crato continua a garantir que a transferência de competências não passa por pôr os municípios a gerir a carreira, a colocação ou o salário dos docentes, as propostas que têm vindo a ser apresentadas aos autarcas contemplam a possibilidade de as autarquias serem “premiadas” financeiramente pelo MEC caso consigam trabalhar com um número de docentes inferior àquele que seria expectável. No caso de Matosinhos, a proposta sugeria que o município receberia cerca de 12.500 euros por casa docente “poupado”. A proposta de Famalicão estipula igualmente que “sempre que o número real de docentes seja inferior ao número de docentes estimados (…), e desde que o diferencial não ultrapasse 5% dos docentes que se estima como referência, o MEC partilha 50% do diferencial do número de docentes em valor. O que no caso, e segundo os cálculos plasmados na proposta, daria qualquer coisa como 13.500 euros.

“Isso é uma coisa esdrúxula, que não faz o mínimo sentido”, reage o autarca de Óbidos, para quem “só por lapso” se admite que tal possibilidade não tenha desaparecido dos documentos oficiais.  Ora para a Fenprof esta proposta, aliada à possibilidade de até 25% do currículo passar a ser definido localmente, denuncia precisamente a intenção escondida de transferir para as autarquias a responsabilidade pelo pessoal docente, além do não docente. “Isto mostra-nos claramente que até 25% dos professores passam a ser recrutados directamente pelas câmaras”, insurge-se Mário Nogueira, assegurando que apetição que a Fenprof lançou para contestar este processo “conta já com milhares de assinaturas”. “Se isto avançar, vamos voltar a ter os professores na rua”, conclui o líder sindical. 

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