RTP tira Liga dos Campeões à TVI em negócio de milhões
Há três anos o Governo impediu a RTP de concorrer às transmissões. Agora, a estação pública ganha à TVI com proposta milionária. Canal de Queluz fala em desregulação do mercado.
Os direitos de transmissão da Liga dos Campeões vão passar novamente para as mãos da RTP nas próximas três temporadas já a partir do próximo ano por uma verba que pode rondar os 18 milhões de euros.
A RTP bateu a TVI com uma proposta milionária que, segundo avançou o Jornal de Negócios, ronda os 18 milhões de euros. O PÚBLICO apurou que a RTP terá ainda de apresentar uma garantia bancária para que o negócio se concretize.
Questionada pelo PÚBLICO, fonte da administração da RTP negou que o valor anual a pagar pelos jogos seja tão alto, afirmando que é “muito menos do que os seis milhões” por época. E disse que a decisão oficial será tomada até sexta-feira, estando ainda a decorrer negociações.
O mesmo, aliás, é dito num comunicado emitido nesta quarta-feira à noite: "O Conselho de Administração da RTP tem conhecimento de que o concurso para a Champions League está ainda a decorrer.” A equipa liderada por Alberto da Ponte acrescenta: "Estranha-se, contudo, que sob forma anónima seja atribuída uma suposta vitória da RTP, com valores que nada têm a ver com os constantes da nossa proposta e que um operador se permita fazer comentários a destempo e que nos escusamos de adjectivar."
No Congresso das Comunicações da APDC, onde foi questionado pelos jornalistas, o presidente da RTP recusou comentar o assunto. O PÚBLICO questionou o gabinete do ministro da tutela, Miguel Poiares Maduro que remeteu explicações para o novo Conselho Geral Independente, que é o órgão que desde há dois meses assegura a supervisão do serviço.público de rádio e televisão em substituição do Governo.
Acusações da TVI
Já Helena Forjaz, directora de comunicação da Media Capital, proprietária da TVI, disse ao PÚBLICO que a estação ainda não tem qualquer confirmação oficial da UEFA sobre quem venceu o concurso.
Porém, com base nas notícias que avançam com valores a rondar os 18 milhões oferecidos pela RTP, considera que os “números são absurdos”, sendo “40% superiores aos oferecidos pela TVI”.
“Nunca aceitaríamos ir a concurso oferecendo estes valores” acrescentou. Salientando que os valores que a estaçã pública terá oferecido não são possíveis de rentabilizar, Helena Forjaz acusa a RTP de estar “distorcer totalmente o mercado”. “Esperamos que o serviço púbico regule o mercado e não que o desregule”, disse ainda.
Já fonte da direcção de informação da TVI que pediu o anonimato, afirmou ao PÚBLICO estranhar que “nenhum canal tenha concorrido às transmissões dos jogos da Liga Nacional” e “agora apareça a RTP a oferecer um valor absurdo pela Liga dos Campeões” onde “nem sempre está garantida a presença de uma equipa portuguesa ao longo da competição”.
“A haver serviço público, se é que o futebol pode ser considerado serviço público, ele estaria na Liga portuguesa e não na Liga dos Campeões”, afirmou a mesma fonte.
A direcção de informação da TVI acusa ainda o canal público de “inflacionar os preços” e questiona a “possibilidade de rentabilizar o negócio”, uma vez que os seus espaços comerciais são, por lei, metade dos praticados nos operadores privados.
A rentabilização do investimento é feita através da publicidade angariada nos intervalos dos jogos e dos programas que a estação dedicar à prova, a que se podem somar eventuais patrocínios. A dificuldade para a estação pública está no facto de a RTP só poder ter seis minutos de publicidade por hora, enquanto as privadas estão autorizadas a ter 12 minutos. Além disso, estando a facturação publicitária indexada às audiências, estas serão tanto maiores quanto mais longe forem as equipas nacionais ou equipas internacionais nas quais se encontrem jogadores ou treinadores portugueses – como aconteceu na final deste ano, no estádio da Luz, com o Real Madrid.
O PÚBLICO apurou ainda que os valores oferecidos pela RTP são muito superiores aos avançados pelo concorrente TVI: a proposta do canal de Queluz foi pouco superior a quatro milhões de euros anuais. Já o canal público avançou com cerca de seis milhões de euros por época.
O negócio envolve a transmissão de 16 jogos da Liga dos Campeões, resumos e programas dedicados à prova.
A última vez época em que a RTP deteve os direitos da Liga dos Campeões foi na de 2011-2012. Quando terminou o contrato, a administração da estação pública tencionava fazer nova proposta, mas o Governo de Passos Coelho, então recentemente eleito, travou a RTP numa altura em que a pasta da comunicação social era tutelada por Miguel Relvas.
Na altura, com o país sob um programa de ajustamento da troika, o executivo entendeu que a crise que se estava a viver não permitia que o canal público se envolvesse em negócios de milhões. A TVI concorreu sozinha e ganhou.
Agora, as circunstâncias financeiras do país e da RTP parecem ter mudado, já que o canal público foi autorizado a avançar com aquela que será a proposta mais alta de sempre pelos direitos da competição.
A SIC, que detém os direitos da Liga Europa, voltou a não entrar na corrida aos direitos da Liga dos Campeões.
Bloco diz que o valor é "desequilibrado e quase insultuoso"
Entretanto, o Bloco de Esquerda considerou que o valor do negócio é “desequilibrado e quase insultuoso”, tendo em conta a situação da RTP. Numa pergunta escrita, a deputada Cecília Honório questionou o gabinete do ministro da tutela sobre este negócio, lembrando que o valor corresponde a mais de metade do empréstimo que a administração diz ser necessário para implementar o plano de reestruturação da empresa e a metade das receitas de publicidade do ano passado.
O BE quer saber se Poiares Maduro considera “aceitável” a oferta de 18 milhões de euros pelos direitos de transmissão da Liga dos Campeões, como é que o ministro analisa a “homogeneização da oferta do serviço público em relação à oferta privada” e como justifica a “manutenção do plano de rescisões” perante uma despesa deste valor nestes conteúdos.
A bloquista lembra que o director de Informação admitiu esta quarta-feira numa entrevista a “descapitalização profunda” da empresa e que nos últimos anos, “sempre em nome da débil situação financeira”, a RTP tem desinvestido na grelha, quase não recorre à produção de conteúdos nacionais nem emite conteúdos originais que se distingam das privadas.
Redução de 400 trabalhadores
Desde 2011, quando começou a ser aplicado o primeiro plano de sustentabilidade ainda com a administração de Guilherme Costa, a empresa teve uma redução de fundos públicos de 75 milhões de euros, conseguiu cortar 84 milhões de euros de custos e reduziu à volta de 400 trabalhadores em sucessivos planos de rescisão amigável.
O fantasma do despedimento colectivo foi levantado pelo anterior ministro da tutela, Miguel Relvas, e tem pairado sobre a empresa com a administração de Alberto da Ponte que admite recorrer a essa solução só em último caso. Insiste sempre, porém, na necessidade de reduzir custos.
“Os custos com pessoal, para haver equilíbrio orçamental, não podem ultrapassar os 60 a 62 milhões de euros”, disse o presidente há dois meses no Parlamento, adiantando que essa despesa situa-se actualmente nos 70 milhões de euros anuais.
No início deste ano, o Governo aumentou a contribuição para o audiovisual para 2,81 euros mensais, cobrados a todos os consumidores de electricidade. O valor não era actualizado desde 2011 e esta foi a maneira de compensar parcialmente (em 26 milhões de euros) a perda da indemnização compensatória que a empresa recebeu do Estado até ao ano passado (e que foi em 2013 de 52 milhões de euros). Em 2014, a RTP não recebeu qualquer indemnização através do Orçamento do Estado, financiando-se apenas com a taxa e as receitas comerciais.
Fonte da administração disse ao PÚBLICO que o operador público de rádio e televisão irá fechar as contas deste ano com lucro, sem as ajudas de instrumentos financeiros como swaps, algo que aconteceu em 2012.
Em Setembro, quando foi ouvido no Parlamento, o presidente disse que este ano a RTP conseguirá mais receitas do que as previstas no Orçamento (209,6 milhões de euros, em vez dos 200,1 milhões iniciais) e que a despesa com a grelha também ficará abaixo do previsto (será de 87 milhões em vez de 89,5 milhões).
Notícia actualizada às 10h45 com a resposta do gabinete do ministro Miguel Poiares Maduro e corrigindo a data da última época em que a RTP transmitiu a Liga dos Campeões.