A sobretaxa é “um segundo IRS”, diz ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Rogério Fernandes Ferreira questiona o porquê de a receita da sobretaxa de IRS não ser contabilizada de forma autónoma.

Foto
Rogério Fernandes Ferreira considera que há “alguns riscos” nas previsões da receita fiscal de 2015 Rui Gaudêncio

Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, defendeu nesta quarta-feira que a receita da sobretaxa do IRS deveria ser contabilizada no orçamento de forma autónoma, discriminada do conjunto das receitas do IRS. Porque este é, do ponto de vista jurídico, “um segundo IRS”, afirmou o fiscalista, lembrando como a sobretaxa é comumente referida como uma “aberração” que vigora à margem do código do imposto das pessoas singulares.

Durante uma conferência sobre os impostos no Orçamento do Estado para 2015, organizada pela Ordem dos Economistas na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, Fernandes Ferreira questionou se a receita da sobretaxa extraordinária de 3,5% “não devia estar à parte”.

O fiscalista, que liderou a pasta dos Assuntos Fiscais no último Governo socialista de António Guterres, explicou as razões pelas quais a sobretaxa é, do ponto de vista jurídico, “um segundo IRS”: é uma taxa própria (“nem sequer é uma taxa proporcional”), tem sujeitos passivos autónomos e tem uma retenção na fonte própria. E sendo autónomo – explicou então –, o montante que o Estado vai encaixado mês a mês deveria ser discriminado também de forma autónoma.

No entanto, acrescentou, essa especificação não acontece porque o IRS é um imposto único: “Percebe-se a razão de ser da sua não previsão” à parte, pelo faco de não poder haver “dois impostos sobre o rendimento”.

Sobre as previsões de receita fiscal para o próximo ano, o fiscalista considera que há “alguns riscos” que espera terem sido tidos em conta pelo Governo. Rogério Fernandes Ferreira limitou-se a constatar o aumento da receita projectado pelo executivo, sem querer especular se o reforço se deve às alterações introduzidas nos impostos e taxas ou se ele “deriva do crescimento económico”.

A economia portuguesa, afirmou ainda, precisa que haja “estabilidade” nas leis fiscais – o “verdadeiro instrumento de competitividade”. Para o fiscalista, é preciso um “consenso para os próximos cinco a dez anos” não apenas como aconteceu no caso do IRC, mas também ao nível do IRS e da dívida pública.

A mudança de posição do PS em relação ao acordo do IRC não foi referida pelo fiscalista, mas ficou dado um aviso: “Não podemos estar a propor medidas e a revogá-las imediatamente”.

A demora dos tribunais
Na mesma mesa redonda – onde se esperava a presença do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que, no entanto, atrasou a sua intervenção na conferência para a parte da tarde, devido a uma audiência no Parlamento – a necessidade de estabilidade e competitividade fiscal marcou as intervenções dos outros dois fiscalistas convidados, Diogo Leite Campos, ex-vice-presidente do PSD, e de Maria Torres, da consultora PwC.

Segundo a fiscalista, uma das coisas que os investidores, nacionais e estrangeiros, mais procuram “é ter alguma garantia de que vamos ter estabilidade”. E se a estabilidade não tem existido nas últimas décadas, o facto de “não haver alterações [significativas]” no Orçamento do Estado para 2015 é um ponto importante, acrescentou Maria Torres.

“Os investidores vão querer ver aqui dez anos de estabilidade”. Maria Torres falou da sua experiência profissional, referindo que os investidores “ficam cochados” quando percebem que, havendo alguma questão judicial que se coloque, possa demorar uma década a ser resolvida.

Diogo Leite Campos defendeu também a necessidade de se promover a competitividade fiscal e referiu igualmente que o número de processos demorados que estão em tribunal é um dos obstáculos que se colocam.

Sugerir correcção
Comentar