Governo ponderou ajuda pública ao BES, apesar de ter dito o contrário

Sugestão partiu de Carlos Costa e Maria Luís Albuquerque manteve-a na acta da reunião que teve com os chefes da supervisão – mesmo que, publicamente, rejeitasse essa hipótese. Foi a última reunião antes do fim do BES.

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Daniel Rocha

Não houve, ao contrário do que disseram em público, quer Pedro Passos Coelho, quer Maria Luís Albuquerque, uma recusa liminar do executivo em recuperar o BES com dinheiros públicos. No dia 18 de Julho, 13 dias antes da “resolução” do banco, Maria Luís Albuquerque teve uma reunião com o governador do Banco de Portugal em que lhe foi sugerida, por Carlos Costa, a criação de um “grupo de trabalho para operacionalização de soluções alternativas para uma eventual recapitalização do BES com apoio público”.

A reunião decorreu no Ministério das Finanças e começou às 16h. Além da ministra e do governador estiveram presentes Carlos Tavares, presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), e José Almaça, presidente do Instituto de Seguros de Portugal (ISP). Os quatro constituem o Comité Nacional para a Estabilidade Financeira (CNEF). Esta era a 13.ª reunião, como atesta a acta, assinada pela ministra, e feita pela sua chefe de gabinete, Cristina Sofia Dias, “que secretariou a reunião”. Foi, como revelou Carlos Tavares, o último “contacto com o Governo” do regulador bolsista antes do fim do GES. O “ponto único” da reunião era “a análise dos desenvolvimentos recentes do BES e do GES”. 

Na véspera, no dia 17, a ministra tinha ido ao Parlamento garantir: “Não estamos a preparar a recapitalização do BES.” “O Governo não se pronuncia, o Governo não interfere nessa matéria.” Aliás, garantiu Maria Luís, “nada indica que a recapitalização seja necessária”. Se nada o indicava no dia 17, no dia 18 essa era uma hipótese que constava de uma acta da reunião presidida pela ministra.

A única nota de (moderado) optimismo introduzida por Carlos Costa, na reunião nas Finanças, foi a existência de “vários investidores estrangeiros”, fundos e bancos, interessados em “participar num eventual aumento do capital do BES, uma vez clarificada a questão angolana e afastada a hipótese de bail-in dos credores do BESA”. Assim, se o BES estivesse a salvo do negócio angolano, não faltariam interessados. No mesmo dia 17 em que a ministra garantia aos deputados que não seria necessário recapitalizar o BES, Carlos Costa participou numa reunião do conselho de governadores do Eurossistema. 

Duas incertezas
Desse encontro com os congéneres europeus trouxe, para a reunião com os supervisores e a ministra, “duas grandes áreas de incerteza” sobre o BES: o tratamento das autoridades angolanas dado aos créditos do BES na sua filial BESA e a “liquidez” de alguns depósitos estrangeiros “que se caracteriza por envolver grandes montantes e ser muito volátil”. Foi esta a informação fundamental que a ministra recebeu, oficialmente, na reunião, tal como revela a acta. Carlos Tavares expressou “preocupação” com os clientes que tinham aplicações “na convicção de que têm depósitos” e quantificou em cerca de 2000 milhões o valor desses fundos vendidos aos clientes do BES. José Almaça, do ISP, “fez um ponto da situação” sobre a venda da companhia de seguros do grupo, a Tranquilidade (ver texto ao lado).

Ouvido anteontem na comissão de inquérito parlamentar (CPI) que investiga a gestão do GES/BES, Carlos Costa explicou que o cenário em cima da mesa, na altura em que se reuniu com o comité, era, de facto, o da recapitalização do BES. Um aumento de capital levado a cabo pelo próprio banco, na altura já sob gestão de Vítor Bento, se necessário, com recurso a capitais públicos. “Quando o CNEF se reúne a 18 de Julho, não havia os factos detectados a partir do fim-de-semana de 25, o que significa que não tinha sentido falar do plano B”, explicou o governador, quando a deputada Mariana Mortágua, do BE, lhe perguntou pela reunião de 18 de Julho.

Carlos Costa foi claro nesse ponto. “Só pudemos desencadear o plano B quando o A passou a ser impossível”, explicou, em resposta ao socialista Pedro Nuno Santos. Assim, para o governador, havia um plano A, a recapitalização, e um plano B, a resolução. Venceu o B, porque o banco não conseguiu apresentar um plano: “E isso só aconteceu quando o conselho de administração do BES anunciou que não conseguia em tempo útil elaborar um plano de capitalização.” Até 30 de Julho, o plano A era o que contava.

Voltemos, então, à acta n.º 13, da reunião da CNEF. Ao terminar a intervenção, o governador sugeriu a criação de dois grupos de trabalho. Um, do CNEF, “para partilha de informação”, o outro, só entre representantes das Finanças e do Banco de Portugal, “para operacionalização de soluções alternativas para uma eventual recapitalização do BES com apoio público”. Isso contrariava a informação dada pela ministra aos deputados, na véspera: “Não estamos a preparar a recapitalização do BES.” Afinal, estavam.

Carlos Costa, por seu lado, lembrou, na sua audição no Parlamento: “Os acontecimentos precipitaram-se.” E, adiantou, o grupo de trabalho que sugeriu criar com as Finanças nem chegou a reunir-se. O Governo, ao mais alto nível, não parecia ter o mesmo plano A que o governador. No dia 11 de Julho, falando em Castro Verde, Pedro Passos Coelho deixara um recado com destinatário óbvio: “Os contribuintes portugueses não serão chamados a suportar perdas privadas (...). Nós não utilizamos instrumentos públicos para resolver problemas de natureza privada”, afirmou.

No dia 12, falando no 40.º aniversário da JSD, o primeiro-ministro repetiu o argumento: “As empresas que olham mais aos amigos do que à competência pagam um preço por isso, mas esse preço não pode ser imposto à sociedade como um todo e muito menos aos contribuintes.”

Diferentes hipóteses em jogo
A posição do primeiro-ministro não impediu, como se vê, que a ministra das Finanças estivesse envolvida no estudo de outras hipóteses. O próprio ministro da Presidência, Marques Guedes, admitiu implicitamente, a 1 de Agosto, quando o destino do BES já estava traçado (pelo BCE), que podia haver dinheiro dos contribuintes em jogo. O ministro afirmou que “a primeira linha” de capitalização do banco “deve passar necessariamente primeiro pelo mercado, pelos accionistas privados”. A primeira linha, não a totalidade.

Mas, como Carlos Costa confirmou, a administração de Vítor Bento não conseguiu delinear um plano de recapitalização, e o BCE ameaçou, na noite de 31 de Julho, “o fim da qualidade de contraparte do BES, no dia seguinte”. Os dois factos são praticamente simultâneos, adianta Carlos Costa: “Quando tinha acabado de receber a carta do conselho de administração do BES a dizer que o plano A não ia para a frente, recebo a informação de que haveria uma teleconferência de governadores.”

O governador português conseguiu que Mario Draghi adiasse essa decisão até à segunda-feira seguinte, dia 4. A resolução do BES foi decidida “no dia 1 de Agosto ao meio-dia”, adiantou o governador. E mesmo a resolução só foi possível graças a dinheiros públicos. O Fundo de Resolução tinha apenas dois dias de existência, quando o BES precisou de recorrer a essa fonte de financiamento. Não tinha dinheiro. A ministra explicou isso mesmo, no Parlamento: “O que acontece é que o Fundo de Resolução chamado para a recapitalização do banco, uma vez que foi criado há pouco tempo, não dispunha de meios suficientes e, dada a urgência inadiável, pediu nos termos que a lei permite o apoio do Estado.”

Esse montante, no valor de 3400 milhões de euros, será mais tarde reembolsado pelos bancos comerciais. Essa é a tese de Maria Luís Albuquerque, que sempre garantiu que o sistema financeiro no seu conjunto tem de pagar todo o montante que o Estado adiantou, independentemente do montante ou do prazo da venda do Novo Banco. Uma garantia que o futuro confirmará.

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