O mundo nunca teve tantos jovens mas há muito a fazer para os aproveitar

Fundo para a População das Nações Unidas lembra que um quarto dos habitantes do planeta tem entre 10 e 24 anos, o que deve ser encarado como uma vantagem. Mas obriga a políticas adequadas.

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Charlie Wandji considera que “os jovens de África e do resto do mundo precisam de um ambiente empreendedor favorável para concretizarem as suas capacidades”. O desejo deste jovem camaronês é também o das Nações Unidas, que alertam para uma nova realidade: nunca houve tantos jovens – 1,8 mil milhões de pessoas, quase um quarto dos habitantes do planeta, têm entre 10 e 24 anos – e o seu número continuará a aumentar, principalmente nos países menos desenvolvidos. Pode ser um problema ou uma oportunidade, dependendo da aposta na educação e na saúde.

Se algumas das regiões do mundo, principalmente as mais desenvolvidas, Europa incluída, têm uma população envelhecida, no seu conjunto a humanidade é jovem – a maior parte dos cerca de 7,3 mil milhões habitantes têm menos de 30 anos, segundo o relatório de 2014 do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), esta segunda-feira divulgado. Os dados avançados apontam também pistas sobre as políticas de desenvolvimento para o pós-2015, quando chegar ao fim o prazo de concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.

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Nove em cada dez pessoas que têm entre 10 e 24 anos vivem em países menos desenvolvidos, uma categoria criada pelas Nações Unidas que reúne todas as regiões africanas, a Ásia excepto o Japão, as Caraíbas e a Melanésia, Micronésia e Polinésia, no Pacífico. Aquele grupo etário representa 32% da população desses países, uma quota substancialmente maior do que os 17% dos países desenvolvidos – Europa, América do Norte, Austrália/Nova Zelândia e Japão.  

O retrato é tudo menos animador: 60% dos que vivem em regiões consideradas em desenvolvimento não são escolarizados nem têm ocupação regular e 73,4 milhões dos que têm entre os 15 e 24 anos estavam desempregados em 2013. Mais de dois milhões dos que têm entre 10 e 19 anos sofrem de sida, 39 mil raparigas com menos de 18 anos são todos os dias mães. Mais de 500 milhões dispõem de menos de dois dólares por dia para viver. O digital, elemento dinamizador das economias modernas, é algo inacessível à grande maioria.

Nos 48 países menos desenvolvidos, uma categoria em que se incluem todos os africanos de expressão portuguesa – a maior parte da população tem menos de 19 anos. E no Chade, Níger e Uganda metade não chegou ainda aos 16.

O país com mais pessoas no grupo etário 10-24 é a Índia, com 356 milhões, seguido da China, com 269 milhões, e a Indonésia, com 67. Estados Unidos, 65 milhões, Paquistão, 59, Nigéria, 57, e Brasil, 51, estão acima da fasquia dos 50 milhões.

A dimensão da população jovem “pode parecer assustadora para decisores políticos e instituições governamentais”, mas deve ser vista como “um recurso, um activo, uma força de desenvolvimento económico e social e de transformação”, indica o relatório, sintomaticamente intitulado “O poder de 1,8 mil milhões”.

Para os países com elevados níveis de população jovem a opção é descurar essa realidade – vendo as taxas de fecundidade subirem e tendo crescentes encargos para acudir às necessidades de uma população com uma mão-de-obra pouco especializada  – ou responder ao desafio, proporcionando instrução e saúde e ganhando, a prazo, uma força de trabalho mais produtiva, que faça crescer a economia.

O exemplo asiático
O fundo das Nações Unidas lembra que o “milagre económico” de vários países asiáticos resultou de grandes apostas nas competências dos jovens e no planeamento familiar, nas décadas de 1950 e 1960, e que, com as políticas certas, muitos países pobres, particularmente da África subsariana, podem ter um trajecto semelhante. Mas sublinha que para isso é preciso melhorar o acesso à educação e à saúde, incluindo a saúde reprodutiva. Ignorar a realidade só agravará a situação; responder de modo adequado abre caminhos, alerta o relatório.

O desejado salto em frente depende da criação de um “ambiente propício” ao crescimento económico e – “mais importante” – da criação de condições para uma “transição segura e saudável” da adolescência para a idade adulta e para a aquisição de competências. “Políticas que capacitem os jovens, associadas a esforços para os envolver activamente nas decisões que afectam as suas vidas e moldam o seu futuro podem significar a diferença entre uma tendência demográfica que afunda as economias ou as mantém à superfície através de um dividendo demográfico.”

Políticas de género
O “dividendo demográfico” é o potencial de crescimento que pode resultar de mudanças na estrutura etária da população, principalmente quando a proporção da população activa, 15-64 anos, é maior do que a não activa. A possibilidade de o explorar é identificada em muitos países africanos – incluindo Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe –, mas também em estados latino-americanos e nalguns do Médio Oriente. Mas o potencial demográfico tem de ser acompanhado de políticas que levem a uma redução da fertilidade e da mortalidade.

A necessidade de políticas de género é também evidenciada por dados preocupantes: uma em cada três jovens a viver em países em vias de desenvolvimento casa antes dos 18 anos e até metade dos ataques sexuais a raparigas visam adolescentes com menos de 16.

Medidas como a proibição do casamento de menores, a prevenção da gravidez adolescente, a aposta na saúde sexual e reprodutiva dos jovens, a pedagogia contra a violência de género, o combate à mutilação genital feminina e a promoção da paridade deveriam ser objecto de políticas específicas.

Mas os obstáculos ao aproveitamento do potencial populacional não se limitam à ausência de políticas governamentais. A manutenção, em muitos países, de diferentes papéis sociais para rapazes e raparigas também é um problema que se reflecte, por exemplo, na maior dificuldades que elas têm no acesso à educação.

“O número actual, sem precedentes, de 1,8 mil milhões de jovens é uma oportunidade enorme de transformar o futuro”, reforça o director executivo do fundo, Babatunde Osotimehin. Muitos, como Charlie Wandji, falam, por exemplo, em empreendedorismo. Outros, mais de 500 milhões, têm de viver com menos de dois dólares (1,6 euros) por dia.  

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