Vereadora da Habitação da Câmara de Lisboa quer fazer da “co-governação” uma realidade

Paula Marques aponta o Programa BIP-ZIP, que tem sido convidada a apresentar noutros municípios e também no estrangeiro, e os gabinetes de apoio às áreas prioritárias como passos dados no sentido de “uma governação mais sustentável e duradora”.

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Argel tem um "plano ambicioso" de construção de habitação social Fayez Nureldine/AFP

Comparando aquela que era a política da Câmara de Lisboa ao nível da habitação com a que tem vindo a ser posta em prática nos últimos mandatos, a vereadora que assumiu este pelouro há pouco mais de um ano tem uma certeza: a cidade está a assistir a “uma mudança de paradigma”, assente na convicção de que deve haver “uma co-governação nos territórios”.

Para isso têm contribuído de forma decisiva, na opinião da vereadora Paula Marques, iniciativas como o Programa BIP-ZIP, que neste momento envolve 67 bairros e zonas considerados de intervenção prioritária, e os GABIP, os “gabinetes de apoio” a esses territórios. A autarca admite que “os processos participativos” que a câmara tem vindo a promover “demoram tempo”, mas sublinha, em declarações ao PÚBLICO, que têm a grande vantagem de ficar “ancorados”, contribuindo assim para “uma governação mais sustentável e duradoura”.

Em relação ao Programa BIP-ZIP, cuja vertente com maior visibilidade é aquela através da qual o município financia anualmente projectos de moradores e parceiros locais que contribuam para “o reforço da coesão socio-territorial” da cidade, Paula Marques acredita que este tem funcionado como “um gatilho para a mobilização da sociedade civil e das populações”.

Como frisa a vereadora dos Cidadãos por Lisboa, este programa tem sido capaz de pôr os diversos actores dos chamados bairros e zonas de intervenção prioritária “a pensarem em conjunto”, desde logo porque cada projecto apresentado tem de ter pelo menos uma entidade promotora e uma entidade parceira. Além disso, um dos critérios para avaliar as candidaturas é a participação dos cidadãos “na concepção, no desenvolvimento e na avaliação dos projectos”.

Acresce que as candidaturas vencedoras, que na última edição foram 39 e receberam uma verba de cerca de 1,6 milhões de euros, são depois concretizadas por quem as propôs. “A câmara é promotor e financiador. A execução é a comunidade que faz”, explica Paula Marques, sublinhando que este pretende ser um instrumento de “autonomização e empoderamento”.  

Quatro anos passados desde que esta iniciativa arrancou, a autarquia considera que é tempo de avaliar se as intervenções concretizadas um pouco por toda a cidade produziram resultados. Que é como quem diz avaliar se nos 67 bairros e zonas considerados prioritários houve, como ambicionado, alterações nos indicadores sociais, urbanísticos e ambientais que levaram àquela classificação.

Com esse trabalho ainda por fazer há já, além da mobilização de moradores, juntas de freguesia e organizações conseguida em vários locais da cidade, um resultado que Paula Marques não deixa de assinalar: o BIP-ZIP galgou as fronteiras do concelho, deu-se a conhecer noutros pontos do país e do mundo e pode até vir a ser adoptado na Turquia.

“Tem havido uma divulgação muito grande”, explica a autarca, segundo a qual têm chegado ao município “várias solicitações para ir explicar o que é a metodologia BIP-ZIP”, o que já aconteceu em sítios como Faro, Aveiro e Porto, mas também em no Equador, França, Itália e Suécia.

A título de exemplo, a autarca dos Cidadãos por Lisboa destaca a participação recente numa conferência internacional sofre o futuro das cidades, promovida pela Comissão Europeia, em Turim. Foi aí que o programa lançado em Lisboa em 2011 chamou a atenção de autarcas da cidade turca de Esmirna, que manifestaram a intenção de o introduzir na sua terra natal. “Eu exportei o BIP-ZIP para a Turquia”, diz Paula Marques com um sorriso.

A vereadora lembra também o trabalho feito ao nível dos Gabinetes de Apoios aos Bairros de Intervenção Prioritária (GABIP), que se reúnem regularmente e com os quais se pretende essencialmente “trabalhar de forma integrada” nesses territórios, partilhando não só “decisões” mas também “responsabilidades”.

Na prática aquilo que acontece é que, por exemplo no Bairro Padre Cruz (em Carnide, o primeiro em que este figurino foi aplicado), existe uma “comissão coordenadora” que “põe a trabalhar, a pensar em conjunto todos os serviços da câmara” com intervenção neste território. Depois, acrescenta Paula Marques, há uma “comissão executiva”, que além da vereação e dos técnicos municipais congrega representantes das juntas de freguesia e dos moradores. Por fim, há um “conselho consultivo” que reúne mais esporadicamente e no qual têm assento personalidades do meio académico e organizações não governamentais.

A vereadora acredita que os GABIP, que entretanto foram alargados à Mouraria, ao Bairro da Boavista e ao Alto da Eira, entre outros locais, são “uma forma de, sem atropelar as competências de cada um, se fazer uma plataforma de trabalho conjunta”. Algo que, sustenta, dá corpo à “visão de gestão da cidade” que os vereadores dos Cidadãos por Lisboa consideram ter trazido ao executivo socialista que integram.

 
No Gabinete de apoio do Alto da Eira não há perguntas sem resposta

Nas Torres do Alto da Eira, dois edifícios com 13 pisos na freguesia da Penha de França, vivem mais de 100 agregados familiares. Numa altura em que a Câmara de Lisboa está a promover a substituição da rede de gás e das janelas e a fazer obras nas coberturas e fachadas destes prédios, a vereadora da Habitação, representantes do município, da junta, da empresa municipal que gere os bairros sociais da cidade (Gebalis) e dos moradores estiveram reunidos para discutir o processo.

Este encontro do GABIP (Gabinete de Apoio ao Bairro de Intervenção Prioritária) das Torres do Alto da Eira, ao qual o PÚBLICO assistiu, prolongou-se durante mais de duas horas. Boa parte desse tempo foi ocupada a ouvir dois membros da associação de moradores, Helena Pina e Paulo Teixeira, e a responder às suas intervenções. Não só sobre problemas detectados durante as obras em curso, mas também sobre compromissos assumidos que ainda não saíram do papel.

O atraso na obra de substituição da rede de gás e algumas dificuldades criadas aos moradores com a colocação das novas janelas foram alguns dos temas levantados por Helena Pina. Já Paulo Teixeira alongou-se em pedidos de explicação ao município, a quem não se coibiu mesmo de reclamar uma solução para o excesso de pombos junto às torres. “Eu oiço os moradores todos os dias. Muitas vezes em vez de ligarem para a Gebalis ligam para mim", disse o representante dos moradores em jeito de justificação.

Desde o elevador “parado há um ano”, ao paradeiro das chaves dos fogos desocupados, passando pela altura das janelas e pela qualidade dos novos estores, nesta reunião do GABIP falou-se de tudo um pouco.

Pelo meio a vereadora da Habitação bateu com a mão na mesa quando lhe cortaram a palavra, pediu explicações a responsáveis da Gebalis e a técnicos municipais e até deu um puxão de orelhas a um deles, por ter decidido unilateralmente não avançar com uma iniciativa que estava prevista (a criação de um andar modelo num dos prédios para que os moradores pudessem testar as novas janelas) sem ouvir os parceiros. “Este grupo tem uma metodologia. É como um casamento. Quando uma das partes toma uma decisão e não ouve o outro dá asneira”, resumiu Paula Marques. 

 

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