Fora da caixa

Na quinta-feira, dia de temporal em Lisboa, o meu guarda-chuva foi um dos que se virou do avesso. Aliás a cidade parecia um cemitério de guarda-chuvas estropiados e abandonados.

Dirigi-me a uma loja decidido a adquirir um bom guarda-chuva, depois de muitos anos a vê-los despedaçarem-se nas minhas mãos. Mas não me esperavam grandes notícias.

“Sabe, isto dos guarda-chuvas tem muito que se lhe diga”, começou o lojista, parecendo entendido no assunto. “Existem há três mil anos, mas é difícil encontrar um decente, porque a maioria das pessoas não está disposta a pagar muito por um.”

Lá meti conversa, concordando, e perguntei-lhe qual seria a solução: “bem, a solução é haver aí alguém com uma ideia fora da caixa que consiga fabricar um guarda-chuva resistente, atraente e a um preço módico e isso ainda não aconteceu.”  
Saí com um guarda-chuva tão frágil como qualquer outro e fiquei a pensar nas palavras do lojista. Para ele, dir-me-ia no fim, ‘isto só lá vai com ideias fora da caixa”, ficando eu sem perceber se falava de guarda-chuvas ou do estado do mundo.

É incrível como a expressão fora da caixa, devedora das noções de inovação ou criatividade, se incrustou no quotidiano. A imaginação tornou-se numa virtude enaltecida.

Hoje os produtos não podem ser apenas bons. Têm de ter mais qualquer coisa. Há dias passei por uma pastelaria que garantia que os seus pastéis de nata não eram os melhores ou os mais saborosos, mas sim os mais criativos da cidade de Lisboa.

Também as empresas e as organizações querem ideias fora da caixa por dá cá aquela palha e parecem desejar ter nos seus quadros gente criativa. Mas será mesmo assim? A mim parece-me que a maior parte dos indivíduos tem dificuldade em lidar com pessoas criativas, quanto mais organizações ou instituições complexas, tomadas pelos pequenos poderes.

Existem excepções. Mas não passam disso mesmo. As pessoas verdadeiramente criativas geram incertezas. São difíceis de encaixar. Precisam de tempo para experimentar. Tudo o que qualquer organização que deseja soluções rápidas, viáveis no imediato e facilmente reproduzíveis, não assimila.  

Claro que existe por aí muita criatividade da banha da cobra. Mas quem pratica a autêntica já sabe que é preciso persistência, gerir frustrações, muita disciplina, resiliência e saber lidar muitas vezes com o isolamento que advêm de algum tipo de rejeição social.

Tudo o resto é alguma hipocrisia. Celebramos os criativos, mas na maior parte das vezes apenas a partir dos efeitos das suas realizações. Festejamos os inovadores, mas os paradigmas educacionais continuam a valorizar mais a reprodução do conhecimento do que o pensamento crítico.

Enaltecemos as ideias fora da caixa mas olhamos invariavelmente a cultura, a arte, o filosofar ou as ciências sociais e humanas com algum desprezo, como se fossem prescindíveis e não fizessem parte do leque de soluções.

E contra isso, chapéu.

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