Um acaso ditou o início desta viagem. E hoje a Carristur é muito mais do que turismo

Uma das poucas empresas públicas de transportes que dá lucro está à procura de novos caminhos para crescer

Foto
De cinco a frota cresceu para 100 viaturas, que hoje guiam turistas por Lisboa, Porto, Funchal, Coimbra, Braga e Guimarães Miguel Madeira

Os milhares de turistas e curiosos que todos os dias se deixam levar pelas colinas de Lisboa no eléctrico da Carristur estão longe de pensar que a viagem se deve, em grande parte, a uma feliz coincidência. A ideia, revolucionária à época, de dar a conhecer a cidade sobre rodas nasceu num almoço, mas em Paris, ainda antes da viragem do milénio.

António Proença, líder da Carristur desde a fundação, há muito insistia que a Carris, onde era na altura director de operações, criasse este serviço, mas o caminho parecia fechado. Quando, durante aquele almoço, viu passar um autocarro turístico em plena cidade luz, questionou um alto quadro do operador público francês, a RATP, sobre se tinham investido naquele negócio. “Respondeu que tinham adormecido e que os privados se tinham antecipado”, conta. No regresso de avião a Portugal, o então presidente da Carris deu-lhe finalmente luz verde para avançar com o projecto.

O negócio nasceu primeiro, e muito timidamente, dentro da Carris e só passado alguns anos, mais precisamente em 1998, viria a ser criada a Carristur. Mas a terminação em tur, que à partida poderia parecer propositada tendo em conta a actividade a que se dedica, não é mais do que outra feliz coincidência. É que a verdadeira origem da empresa é a consultora ITUR, uma empresa que era detida em partes iguais pela Carris e pela desaparecida Rodoviária Nacional.

Foi o projecto que a ITUR ganhou para operar o transporte da Expo 98 que verdadeiramente lançou as bases da empresa liderada por António Proença, que começou na Carris como estagiário e já conta 40 anos ao serviço do grupo. “O projecto da Expo durou apenas seis meses, mas deu-nos notoriedade e vontade de continuar”, recorda o responsável. Nesse mesmo ano, nasceria a Carristur, que foi comprar à empresa-mãe, a Carris, os cinco autocarros que operava na capital.

De cinco, a frota cresceu para 100 viaturas, que hoje não levam apenas turistas e curiosos pelas colinas de Lisboa, mas também pelo Porto, Funchal, Coimbra, Braga e Guimarães. Nos primórdios da empresa, os motoristas precisavam de dominar a arte de conduzir e carregar em simultâneo no play dos quatro leitores de cassetes que serviam de guia aos passageiros, em quatro idiomas. Agora usam um sistema GPS que activa automaticamente a descrição dos pontos de passagem obrigatória, em dez idiomas. E, em breve, estará disponível um sistema que permitirá aos clientes receber, no telemóvel, as últimas informações sobre horários.

Esta ferramenta teria sido preciosa para os muitos passageiros que aguardavam, numa destas manhãs chuvosas de Novembro, pelo eléctrico que a Carristur recuperou para os mergulhar na cidade. Um condutor que decidiu estacionar o carro por cima dos carris obrigou a uma paragem forçada do circuito. E aos clientes não restou outra opção que não procurar abrigo dentro do eléctrico e esperar mais 45 minutos pela partida.

Mas o atraso ficaria rapidamente para trás, mal o obstáculo foi removido. Ingleses, belgas, italianos, espanhóis, franceses e portugueses seguiam presos à narrativa, de pequenos auscultadores nos ouvidos. Só os movimentos da cabeça os denunciavam. Ora para a direita, ora para a esquerda, aqui e ali completando o subconsciente sonoro de Lisboa com Madredeus ou GNR.

A Carristur lançou-se numa altura em que “o turismo começou a crescer e não havia concorrência”. E, por isso, “teve tempo para crescer”, afirma António Proença. A partir de 2003, os operadores privados vieram em força e, hoje, a empresa, que continua a ser líder deste mercado, mede forças com uma multiplicidade de actores, até com os tuk-tuk que invadiram Lisboa. “É um fenómeno novo que terá de ser regulado”, defende o responsável.

Mas é preciso uma adaptação diária aos clientes porque isto do turismo “é de modas”, diz. Só este ano, a Carristur inaugurou cinco novos produtos. Recuperou os eléctricos antigos para fazer um circuito histórico por Lisboa, passou a vender viagens de dia inteiro a Fátima e percursos até ao Cristo Rei e até inaugurou uma linha especial para levar os turistas às praias da Costa da Caparica. Dentro de portas, foi-se modernizando. Há dois anos passou a ter um sistema de bilhética que permite fazer contas às vendas a cada minuto e acabou com os bilhetes nas mãos dos motoristas. E em Junho juntou-se a dois alunos de mestrado do Instituto Superior Técnico para adoptar um novo modelo de gestão de frota, que garante ter posto a salvo os autocarros das cheias que a capital tem enfrentado em dias de forte chuva.

“Temos a obrigação de criar valor onde estamos”, frisa António Proença, que garante que o facto de o accionista ser o Estado não trouxe apenas dissabores. “Ser uma empresa pública dá-nos um atestado de credibilidade”, explica. Mas, por outro lado, torna mais difícil a gestão de recursos, a começar pelo facto de estarem vedadas as admissões de pessoal desde 2011. Ainda assim, a Carristur tem conseguido cumprir os requisitos e obter autorização do Ministério das Finanças para contratar trabalhadores. Sobre a privatização, o director da empresa prefere não falar.

É, porém, inegável o interesse que os privados deverão demonstrar na venda da Carristur. Além de líder de mercado, é financeiramente sólida e tem vindo a crescer de ano para ano. A facturação alcançou 12,4 milhões de euros em 2013. Dez anos antes, as receitas eram de 4,3 milhões. Apesar de residual e ao contrário da maioria das empresas públicas do sector, a Carristur dá lucro (de 557 mil euros no ano passado). O passivo, que no sector atinge cerca de 25 mil milhões de euros, é de apenas quatro milhões.

Mas estes resultados já há muito deixaram de depender apenas da operação turística, embora esta represente ainda quase 95% da facturação. Em 2006, a empresa apostou no negócio da formação, treinando motoristas mas também chefias intermédias em áreas como gestão do tempo e proactividade comercial. A crise refreou o investimento nesta área, mas a Carristur começa agora a sentir alguma retoma. E também presta serviços a terceiros, como a operadora de assistência em terra Groundforce.

Em 2008, lançou o Mob Carsharing, tornando-se o primeiro operador português de aluguer de automóveis à hora com combustível e parquímetro incluídos. O projecto, embora promissor, tem esbarrado “em questões culturais do país”, já que a população se mostra reticente em usar este tipo de serviços. E, por isso, a maioria dos clientes são “estrangeiros ou portugueses que viveram lá fora”. A Carristur tem hoje uma frota de 14 viaturas, mas António Proença admite que “as expectativas eram maiores”. Não está, porém, disposto a desistir a ideia que acredita ser “uma parte do futuro da mobilidade”.
 

   


 

   


 

   

Sugerir correcção
Comentar