A consulta catalã “é um acto de propaganda pago por todos nós”

“Estamos numa fase em que já não acreditamos no que ouvimos”, diz Juan Arza, porta-voz de uma associação formada para contrariar o “discurso hegemónico” dos independentistas.

Foto
"Há muita gente na Catalunha que pensa que tudo isto é uma loucura ", diz Juan Arza Gustau Nacarino/Reuters

Juan Arza recebe-nos na recém-inaugurada sede da Societat Civil Catalana, promovida por “pessoas preocupadas” com a actuação do governo catalão, liderado por Artur Mas e pela CiU (Convergência e União, nacionalistas de direita), que em Novembro de 2012 se apresentou às urnas com a promessa de referendar a independência e em Dezembro anunciou uma consulta para 9 de Novembro deste ano. A associação, com 70 sócios e 3600 colaboradores, vive de doações. “É sexta-feira, gostava de estar em casa com os meus filhos, mas estou aqui”, diz o empresário no seu melhor português, aprendido com a mulher, portuguesa de Torres Vedras.

Por que é que surgiu a Societat Civil Catalana?
Somos um grupo de catalães, com ou sem militância partidária, empresários, académicos, advogados, e estávamos muito preocupados como o que está a acontecer na Catalunha. Queríamos dar voz às pessoas que não concordam com o processo em curso, achamos que a maioria dos catalães não quer a independência mas estávamos a assistir a uma hegemonia do discurso que não correspondia à verdadeira opinião das pessoas. Já debatíamos o assunto há algum tempo e a 23 de Abril apresentámos a associação ao público, no Teatro Victoria, em Barcelona. Foi um acto que teve muita gente e uma grande repercussão nos media.

Por que é que os partidos políticos que são contra a independência, como o Partido Popular, ou os socialistas, que defendem uma mudança constitucional para dar mais autonomia às comunidades, não conseguem contrariar esse discurso hegemónico?
Os partidos estão muito condicionados, têm os seus programas, os seus interesses, a sua história, estão limitados pelo que fizeram quando governaram. Os políticos estão sempre a medir as palavras e muitas vezes as pessoas não acreditam no que eles dizem. É mais fácil que as pessoas oiçam se for gente da sociedade civil a falar, sem essas limitações. Nós temos mais flexibilidade, somos catalães a falar com os nossos compatriotas. Há muita gente na Catalunha que pensa que tudo isto é uma loucura e não leva a lado nenhum. Mas esse discurso não era visível.

Mas há medo de quem não defende a independência?
Achamos que há um bocadinho de medo. A vida continua mais ou menos normal, mas é preciso perceber que é o governo que tem todos os meios na mão. Os impostos são recolhidos pelo Governo central e é em Madrid que se decide o valor que volta para a Catalunha, mas o orçamento está nas mãos da generalitat [governo regional] e é ali que se decide como usá-lo. Os líderes da Catalunha têm tentado apresentar a narrativa do David contra o Golias, a pobre Catalunha que desafia e resiste a Espanha. Mas é ao contrário, o governo da Catalunha é que é o Golias. Um exemplo é a televisão pública catalã [TV3, com cinco canais], tem 2000 trabalhadores e 300 mil euros anuais para gastar. Além da publicidade institucional, a generalitat é o maior anunciante da região, há subvenções públicas directas, não só à televisão mas a muitos jornais. Eles controlam as universidades, os sindicatos, toda esta gente precisa da generalitat para sobreviver. Em termos de formação da opinião pública a hegemonia é brutal.

Mas há várias sondagens que indicam que uma maioria de catalães quer a independência. E mais que mostram que uma maioria quer votar sobre o seu futuro político.
Desde há muitos anos que há um dado muito importante que todos os inquéritos confirmam. Quando se pergunta às pessoas se se sentem mais espanholas, mais catalãs ou igualmente espanholas e catalãs 40 a 50% diz sucessivamente que se sente espanhol e catalão, que partilha as duas identidades. Os que só se sentem catalães nunca ultrapassaram os 30%. Perante uma crise enorme, económica e de credibilidade das instituições do Estado, com dezenas de casos de corrupção, também se assiste a um crescimento da vontade de participação directa dos cidadãos, um grande desejo de votar sobre o seu futuro. O que os partidos no poder na Catalunha fizeram foi usar muito habilmente estas duas coisas, a crise económica e a vontade de participação. Assim, desviaram as atenções de todos os problemas da Catalunha.

As manifestações contra o governo, muito comuns entre 2010 e 2012, quase desapareceram.
Exacto, havia manifestações contra os cortes na Educação, por causa dos problemas na Saúde. O que eles conseguiram foi unir muita gente em torno desta ideia do ‘direito a decidir’ e tiveram um êxito enorme. Embrulharam a independência nesta vontade das pessoas de decidirem o seu futuro e na possibilidade de um amanhã novo, sem explicarem às pessoas as consequências que uma independência poderia ter. Viram que tinham uma janela de oportunidade histórica e estão a fazer tudo para a aproveitar. Transformaram o tema numa questão de ‘sim’ ou ‘não’, quando a maioria dos catalães o que deseja são reformas, não apoiam o statu quo das autonomias mas também não querem a independência.

O que vai acontecer com esta consulta?
Não sei, o que sei é que os políticos deveriam fazer política, trabalhar para propor às pessoas coisas razoáveis, negociar, não colocar os cidadãos numa situação de tensão e de escolha entre tudo ou nada. Nem o referendo, que não vai acontecer porque é ilegal, nem esta consulta são solução para nada.

E o que é que vai acontecer depois?
Não temos como saber, estamos a ouvir coisas muito preocupantes como Oriol Junqueras [líder da Esquerda Republicana da Catalunha] a dizer que tem de haver eleições e a seguir uma declaração unilateral de independência. Estamos numa fase em que já não acreditamos no que ouvimos. Junqueras chegou a propor uma greve geral de uma semana na Catalunha. O que nós sabemos é que pôr papéis dentro de uma caixa não é democracia. Só vai participar quem defende a consulta. Talvez tenham 2 milhões de votos, um pouco mais, que é o que estes partidos somam. Mas não pode haver nenhuma consequência política. Isto é um acto de propaganda pago por todos nós, uma situação surrealista.

Sugerir correcção
Ler 3 comentários