“Muita água terá de correr” para Portugal retomar cooperação com Timor

Passos Coelho fala pela primeira vez sobre a expulsão de magistrados e diz tudo ter feito para evitar esse desfecho.

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Passos e Xanana Gusmão em Fevereiro deste ano em Lisboa AFP/PATRICIA DE MELO MOREIRA

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, lamentou nesta quarta-feira a expulsão de magistrados portugueses pelas autoridades timorenses e disse tudo ter feito para evitar esse desfecho.

"Nós somos muito amigos de Timor, somos um país irmão de Timor, mas há regras e há limites que têm de ser respeitados. E quando não são, isso tem consequências. Tenho pena, lamento profundamente que tudo aquilo que foi a troca de informação que foi registada antes destas decisões serem tomadas não tivesse sido suficiente para evitar este desfecho", declarou o governante durante uma visita a uma empresa portuguesa da área das tecnologias de informação, em Algés.

Passos Coelho acrescentou que, face a isso, as autoridades portuguesas decidiram que "essa cooperação cessa imediatamente na área judiciária" e "todos os elementos que estão envolvidos nessa cooperação deverão regressar a Portugal".

"Poderemos estar abertos a retomar a cooperação com Timor na área judiciária — que é uma área muito particular e muito sensível — mas, para que isso aconteça, ainda muita água terá de correr debaixo das pontes, e muita coisa terá de ser reavaliada", disse o primeiro-ministro.

"Eu tenho a melhor relação com o primeiro-ministro de Timor-Leste, como com o senhor Presidente da República também. Estas questões não têm uma natureza pessoal. O próprio primeiro-ministro teve a amabilidade por mais do que uma vez de me mandar até uma carta explicando a situação e manifestando interesse em preservar as boas relações com Portugal. E eu acredito que genuinamente há esse interesse da parte do Governo de Timor-Leste. Mas, como se costuma dizer, amigos, amigos, negócios à parte", disse.

O primeiro-ministro português salientou que uma coisa é haver "insatisfação" do Estado de Timor-Leste com o desempenho dos magistrados timorenses, ou até uma decisão de "não renovar os contratos de trabalho desses magistrados", e outra, "muito diferente", é uma decisão de "os expulsar" do país.

"Apesar de ser uma jovem democracia, há ainda alguns problemas que têm de ser resolvidos em Timor-Leste, e eu espero que sejam resolvidos para que o prestígio do próprio Estado não fique internacionalmente afectado", considerou.

As declarações de Passos Coelho surgem no mesmo dia em que a ministra da Justiça manifestou a sua “preocupação com a grave situação criada” com a decisão do Governo timorense de expulsar daquele território seis magistrados portugueses e um polícia. Também para Paula Teixeira da Cruz, a medida “põe em causa” os “termos na base dos quais tem sido desenvolvida a estreita cooperação na área judiciária” entre Portugal e Timor.

Situação "grave e incompreensível"
A reacção da tutela surge depois de, na segunda-feira, Timor ter ordenado a expulsão, no prazo de 48 horas, de oito funcionários judiciais, sete portugueses e um cabo-verdiano. A decisão foi tomada depois de o Parlamento timorense ter aprovado, no dia 24 de Outubro, uma resolução para suspender os contratos com funcionários judiciais internacionais invocando “motivos de força maior e a necessidade de proteger de forma intransigente o interesse nacional”. Os juízes e procuradores que ali desempenham funções mas que não foram alvo desta medida foram igualmente mandados regressar.

Paula Teixeira da Cruz, através de um comunicado enviado às redacções, afirmou ainda que tem um “profundo respeito pelas deliberações assumidas pelos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, na sequência das decisões tomadas pelo governo de Timor Leste envolvendo a situação de magistrados portugueses no território timorense”.

“Tendo em atenção estes factos, bem como as deliberações dos Conselhos Superiores, cujo teor compreende como justificado em face da situação conhecida, a ministra da Justiça entende não estarem criadas as condições adequadas para prosseguir a política de cooperação na área judiciária sem que primeiro tenha lugar uma reavaliação cuidada de pressupostos e regras bem diversas das que conduziram à actual situação”, lê-se na nota.

Já o ministro da Presidência, Marques Guedes, afirmou nesta quarta-feira que a expulsão de magistrados judiciais portugueses de Timor-Leste é uma situação "grave e incompreensível" que põe em causa a cooperação judiciária mas não o relacionamento com o país.

"O que se passou relativamente à cooperação é uma situação naturalmente grave e que objectivamente põe em causa toda a cooperação nesta área judiciária. Se pode ser estendida a outras áreas, penso que não", afirmou Marques Guedes, em resposta a perguntas dos jornalistas no final da reunião do Conselho de Ministros.

O primeiro-ministro de Timor, Xanana Gusmão, já justificou a auditoria ao sistema judicial daquele país com as falhas detectadas nos processos contra empresas petrolíferas, que fizeram o país perder dinheiro. Porém, como noticiou o PÚBLICO, os funcionários portugueses trabalharam também em investigações de processos de corrupção que envolveram responsáveis políticos, antigos e actuais, de Timor-Leste.

Xanana nada tem contra Portugal
Já nesta quarta-feira, em entrevista à agência Lusa, Xanana Gusmão, disse que não tem nada contra os portugueses nem contra Portugal e que a expulsão de funcionários internacionais, a maioria portugueses, visou defender o seu país.

"Não permitiremos que a nossa soberania seja violada. Entendam que não é nada contra Portugal, não é nada contra os portugueses que estão aqui e não só portugueses, porque não são só portugueses" visados na resolução, disse o primeiro-ministro timorense.

 “Posso aceitar que a surpresa que causámos foi elevada a uma dimensão maior do que queríamos”, mas “o nosso desejo foi só o de interromper o ambiente viciado em que nós perdemos dinheiro quando exigimos às companhias [petrolíferas] para nos pagarem o que deduziram por fraude", salientou, pedindo a todos os portugueses para compreenderem que são questões de soberania e interesse nacional.

Os motivos de "força maior" e de "interesse nacional" invocados pelas autoridades timorenses nas resoluções referem-se a 51 processos no tribunal no valor de 378 milhões de dólares de impostos e deduções ilícitas que as empresas petrolíferas devem ao país, acrescentou.

"Em 16 casos já julgados, o Estado perdeu todos", disse Xanana Gusmão, explicando que foram perdidos 35 milhões de dólares.

"Os erros foram tantos, foram tão inadmissíveis que parámos para não influenciar o processo, porque estamos em recurso para recuperarmos o dinheiro que é nosso", afirmou.

Juízes de volta até ao final da semana
Até ao fim desta semana chegam a Lisboa todos os funcionários judiciais portugueses que se encontram em território timorense, incluindo os que não foram expulsos. Os órgãos que superintendem aos magistrados decidiram que terão também de regressar, depois do que sucedeu. “O Governo da República Democrática de Timor-Leste […] decidiu expulsar cinco dos sete juízes portugueses que se encontram a exercer funções em Timor-Leste”, refere um comunicado do Conselho Superior da Magistratura, datado desta terça-feira, que adianta que “tendo tomado conhecimento da decisão, o conselho deliberou revogar, com efeitos imediatos, as autorizações concedidas a todos os sete juízes que se encontram em Timor-Leste e, em consequência, determinar que todos regressem a Portugal”. No mesmo sentido, uma deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, órgão presidido pela procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, revogou igualmente, “por razões de interesse público”, a autorização para a permanência dos três magistrados do Ministério Público que se encontram em Timor — apesar de só um deles ter sido mandado sair do país. com Lusa

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