Um peluche telecomandado conseguiu infiltrar-se em colónias de pinguins

Não é um brinquedo perdido no gelo, mas uma ferramenta científica para estudar estas aves ameaçada sem as perturbar em demasia.

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O rover, “camuflado” de falso pinguim bebé, aproxima-se de um pinguim-imperador e da sua cria Le Maho <i>et al.</i>

O interesse que os rovers, pequenos veículos telecomandados sobre rodas, apresentam para o estudo das colónias de pinguins acaba de ser demonstrada por cientistas da Universidade de Estrasburgo (França) e do Centro Científico do Mónaco, que colocaram um rover “mascarado” de pinguim bebé no meio de uma colónia destes animais.

Na origem deste estudo, liderado por Yvon le Maho, especialista de pinguins, uma constatação: os pinguins constituem um bom indicador do estado de saúde dos recursos marinhos do Oceano Austral. Portanto, o estudo da sua reprodução e sobrevivência permite perceber melhor o impacto das alterações climáticas sobre a biodiversidade.

Mas para isso, é preciso marcá-los individualmente. Ora, como a anatomia particular das suas patas não permite a colocação de braçadeiras nessa parte do corpo, o cientistas tinham optado por colocá-las numa das asas – o que, para mais, apresentava a vantagem de a informação poder ser lida à distância.

Mas em 2011, um estudo também realizado por Yvon le Maho mostrou que um tal sistema incomodava os pinguins quando se deslocavam na água – com consequências, justamente, em termos de sobrevivência e de sucesso reprodutivo.

Os cientistas encontraram então uma alternativa: a introdução, debaixo da pele das aves, de “uma etiqueta’ electrónica com menos de um grama de peso”, explica Yvon le Maho. Mais precisamente, de um circuito electrónico que emite um sinal de identificação.

Este sistema, que não incomoda os pinguins, tem contudo uma limitação técnica: o sinal de identificação que o circuito emite por radiofrequência (mais conhecido como RFID) tem um alcance muito pequeno, de cerca de 60 centímetros.

Até aqui, para localizar um pinguim assim “etiquetado”, era portanto preciso que um cientista circulasse dentro da colónia com o leitor de RFID na mão. E isso levantava o “risco óbvio de perturbar” os animais, segundo os autores do estudo.

Fato de camuflagem
Foi assim que estes cientistas tiveram a ideia de substituir o ser humano por uma antena sobre quatro rodas – ou seja, por veículos telecomandados equipados com leitores de RFID. Numa primeira fase, utilizaram um rover disponibilizado pelos serviços de desminagem do Ministério do Interior francês.

A equipa começou a testar o sistema em pinguins-reais na Ilha da Possessão, no arquipélago de Crozet (situado no Oceano Índico Austral, a uns 2500 quilómetros a sul de Madagáscar). Trata-se de animais que defendem o seu território.

Para comparar o stress gerado pela presença humana com o stress provocado pelo rover, os cientistas mediram a frequência cardíaca de pinguins-reais que estavam a chocar o seu ovo.

As aves defenderam o seu território da intrusão do rover com bicadas e batendo as asas, como se de um dos seus congéneres se tratasse – “e com um aumento equivalente da sua frequência cardíaca” ao que acontece quando defendem o seu território de outros elementos da colónia. E mal o rover parava de andar, passava a ser totalmente ignorado pelos pinguins.

Quanto à intrusão humana, os autores constataram ainda que ela se traduzia “num aumento muito maior da frequência cardíaca [dos animais] quando comparada com o aumento suscitado pela aproximação do rover”, diz Yvon le Maho. E que a presença humana também provocava “uma desorganização da estrutura da colónia”.

Os cientistas prosseguiram o estudo numa outra colónia, desta vez de pinguins-imperador, situada nas proximidades da estação antárctica francesa de Dumont d’Urville, na Terra de Adélia (território reivindicado pela França). Mas estes animais, que não defendem o seu território, começaram a recuar quando viram o rover a aproximar-se.

Os cientistas tiveram então a ideia de “camuflar” o rover colocando em cima do veículo um falso pinguim-imperador bebé. O engenho conseguiu assim aproximar-se das aves sem as afugentar – e elas tentaram mesmo “comunicar com ele através de vocalizações”, fazem notar os autores.

Estes resultados abrem o caminho “a pesquisas mais aceitáveis do ponto de vista ético (…), evitando ao mesmo tempo os enviesamentos científicos ligados à perturbação dos animais no seu habitat natural”, frisa Yvon le Maho.

Os rovers também poderiam ser utilizados na identificação electrónica de mamíferos marinhos, tais como os elefantes-marinhos, salientam os cientistas.

Estes trabalhos, cujos resultados foram publicados no último domingo na revista Nature Methods, foram realizados com o apoio do instituto polar francês (Instituto Paul-Emile Victor), da fundação da empresa petrolífera francesa Total e da Agência francesa da Investigação Científica.

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