PS faz a sua primeira promessa eleitoral e reabilita Sócrates

Vice-primeiro-ministro e maioria criticam herança do ex-primeiro-ministro socialista.

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Ferro Rodrigues, líder parlamentar do PS Enric Vives-Rubio

Dois dias de debate do Orçamento do Estado para 2015 (OE) permitiram ao PS lançar a sua primeira promessa eleitoral – devolução integral dos cortes dos salários na Função Pública em 2016 – em resposta ao compromisso de Passos Coelho de manter uma redução nos vencimentos do Estado. Os socialistas começaram a recuperar o seu ex-primeiro-ministro no discurso e tornaram-se, por isso, o alvo de Paulo Portas, “chocado” com a “assombração” socrática.

A proposta de OE para 2015 foi aprovada, na generalidade, só com os votos da maioria parlamentar e uma abstenção do deputado centrista Rui Barreto, eleito pela Madeira.

Um dia depois de o primeiro-ministro e da ministra das Finanças terem assumido o compromisso de manter em 60% o corte salarial na função pública em 2016, mesmo suscitando dúvidas constitucionais, o PS responde com a promessa da reposição integral. É a primeira promessa desde que António Costa foi eleito candidato a primeiro-ministro, e que está ainda, como disse o próprio, numa fase de “transição”.

O anúncio foi feito no segundo dia de debate do OE. “Há uma coisa que o PS quer dizer solenemente ao Governo e aos deputados desta câmara: o Orçamento para 2016 - se os portugueses, como espero, confiarem no PS - será respeitador da Constituição e não afrontará o Tribunal Constitucional (TC) nem insistirá em manifestas inconstitucionalidades. A reposição integral dos salários é mesmo para 2016”, garantiu a vice-presidente da bancada do PS, Ana Catarina Mendes.

Para responder à promessa socialista, os deputados do PSD, do CDS, e depois, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, utilizaram os mesmos argumentos ao longo do debate desta sexta-feira: O PS não tem propostas, António Costa não diz ao que vem, mas está a reabilitar José Sócrates. Essa linha de argumentação foi amplamente explorada por Paulo Portas no discurso de encerramento.

Em 25 minutos de intervenção, o vice-primeiro-ministro gastou boa parte do seu tempo a apontar o dedo ao PS de António Costa, escusando-se a explorar a sobretaxa de IRS ou o compromisso assumido pelo parceiro de coligação para manter cortes em 2016.

Apesar de reconhecer que António Costa vive em “proverbial estado de graça”, Paulo Portas viu também um PS que nega o passado, quando os seus actuais dirigentes garantem que o antigo-primeiro-ministro Sócrates fez tudo para evitar a intervenção da troika. E isso, disse, até facilita a vida aos partidos que apoiam o Governo.

“O debate teria sido mais difícil para a maioria, se em vez de um PS em negação sobre o seu passado e até em aclamação sobre o seu passado, aparecesse um PS renovado com sentido crítico sobre o que aconteceu a Portugal e porquê. O PS continua a dizer que não deixou um problema e que teria resolvido de per si a questão. Deve ter sido por isso que o antigo ministro Teixeira dos Santos pediu o resgate em desespero - penso que até apesar do primeiro-ministro - porque os cofres estavam vazios”, afirmou.

Portas referiu-se mesmo directamente ao líder da bancada do PS que, momentos antes, “salientou” o nome de José Sócrates como aquele que se “bateu até aos limites” contra a intervenção da troika em Portugal. Para o número dois do Governo, este elogio foi uma "assombração" do “respeitável deputado” Ferro Rodrigues, que o deixou em “estado de choque”. E, perante os protestos dos socialistas, gracejou: “Falei numa assombração, escusam de ficar magoados.”

A declaração de Ferro Rodrigues, que arrancou uma forte salva palmas da bancada socialista, levou o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, a concluir que “o PS assumiu como prioridade política reabilitar José Sócrates”. E que António Costa “é um líder em “transição para abrir caminho ao verdadeiro líder: José Sócrates”.

Não há nomes proibidos
Já depois do debate, o líder da bancada socialista justificou aos jornalistas o seu elogio: “Não há nomes proibidos no PS, era só o que faltava. Não há nomes que tenham sido eliminados no PS. Isto não é propriamente o Partido Comunista [da extinta] União Soviética, em que se eliminavam as fotografias das pessoas que caiam em determinadas posições como [Leon] Trotsky”.

Mas a opção socialista suscitou críticas e um conselho. No discurso da tribuna, em jeito de sugestão, Portas encorajou os socialistas a pararem para pensar na estratégia eleitoral: “Ou o PS revê o seu passado - e isso é uma operação política que requer coragem - ou será sempre suspeito de querer repetir a receita e repetir a desgraça. Ou o PS dá garantias sobre prudência orçamental, ou assustará temivelmente uma classe média que não quer perder mais do que já perdeu pela vossa essencial irresponsabilidade.”

Apesar dos recados, Portas deixa a porta aberta ao diálogo, mas desta vez num apelo muito mais contido do que em ocasiões anteriores e também ele focado. “Depois do que passámos - e ninguém quer repetir -, vamos então ao debate de que o PS não é evidentemente dispensável. Até porque várias questões de futuro são questões tão intergeracionais e interpartidárias que recomendam um esforço sério de compromisso e de transparência naquilo que é preciso e necessário fazer pelos portugueses e pelo país”, afirmou, sem qualquer referência mais concreta.  

As declarações de António Costa de quinta-feira à noite, na Quadratura do Círculo, ao justificar a não apresentação de propostas com o momento de transição do partido, suscitaram uma resposta de Paulo Portas. “Ou bem que o pedido de eleições foi uma distração sobre coisas sérias ou bem que, na melhor hipótese, se aceitássemos eleições, o PS não teria senão ideias vagas ou propostas transitórias”, afirmou.

Na sua intervenção (que não esgotou os 30 minutos previstos), Portas fez um balanço das medidas do OE, salientando as propostas que considerou mais benéficas para as famílias e as empresas. E garantiu que este orçamento é diferente dos que foram elaborados sob o programa de ajuda externa. Diferente mas não de confronto.

“Ouvimos ontem a oposição dizer que este orçamento é mais do mesmo. Ninguém no seu são juízo esperaria que o primeiro orçamento depois da troika fosse um orçamento anti-troika. Não estamos para aventuras. Mas bem pode a oposição evoluir no discurso: o primeiro orçamento depois da troika é diferente dos orçamentos do ciclo da troika”, afirmou.

O líder do CDS não explorou a redução da sobretaxa do IRS, que pretendia, ou a devolução dos cortes dos salários na função pública em 2016, duas questões que têm gerado incómodo na coligação. Mas Paulo Portas já começou a namorar os eleitores: “Comparem o que queria dizer a palavra liberdade do ponto de vista de Portugal em 2011 e em 2015, e comparem o que queria dizer a palavra futuro em 2011 e em 2015”.

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