A "mais gabaritada" aguentou-se

Foto

Dilma Vana Rousseff (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1947) é uma política brasileira que nasceu nas classes abastadas, combateu no extremismo de esquerda em nome dos pobres e, quando chegam as eleições, acaba a suplicar os votos da classe média. O primeiro acto público, em 2011, foi torcer a ortografia do seu cargo — passou a ser a Presidenta que é a residenta do Palácio do Planalto — e o segundo foi suspender ad aeternum esse bicho malparido do Acordo Ortográfico, portanto lábia não lhe falta. Ponham os olhos naquela língua a enrolarrr os erres.

Acabada de reeleger, há uma semana, depois de uma campanha em que choveram mais cobras e lagartos do que água na Amazónia, Dilma vestiu uma imaculada camisola branca. Foi em “sinal de reconciliação” e para mostrar que cumpriu o sonho de ter uma máquina de lavar (numa sondagem publicada nesta quinta-feira pela Confederação do Comércio, os outros maiores desejos materiais dos brasileiros são: uma televisão, um “celular” e um sofá).

Logo a seguir, anunciou que a sua prioridade vai ser “o diálogo”. Oh diacho, onde é que os portugueses já ouviram isto? Não terá sido do Guterres dos Refugiados, numa outra vida? Dilma, escute quem lhe quer bem, e quem não lhe quer bem, e até quem a detesta, porque o pessoal anda desconfiado do seu valor, Presidenta: veja se não acaba a saltar da política como um sapo socialista com cólicas, para o seu país “não cair no pântano”. Conselho de “povo irmão”. Por cá, também andamos escaldados com os políticos, né.

Para cumprir seu desiderato após a piora da sua reputação (ela e Lula falam mais ou menos assim, aliás o histórico herói do PT disse que Dilma é “a mais gabaritada” criando assim mais do que um neologismo um neoelogismo), Dilma anunciou na televisão que vai haver referendos populares. Ainda não explicou quais, mas há prioridades. Recorde-se que, depois de anos de crescimento e melhor distribuição da riqueza (os programas sociais de Lula resgataram da miséria 22 milhões de brasileiros), o país sofreu um abanão enorme. Em 2013, as cidades foram varridas por uma onda de protestos violentos contra a corrupção endémica, os enormes gastos nos estádios da Copa do Mundo, quando não havia dinheiro para as falhas na Saúde, Educação e Transportes Públicos.

Urge, portanto, organizar dois referendos essenciais e de uma só pergunta — Sim ou Não?

REFERENDO 1: Concorda com a imposição de um número máximo de gols (1 gol) que a seleção brasileira de futebol pode sofrer quando joga contra a Alemanha, porque o 1-7 foi aberração histórica da mula-sem-cabeça?

REFERENDO 2: Concorda que o grande objetivo da República Federativa do Brasil deve deixar de ser “Três Refeições por Dia para Todos” e passar para “Três Corrupções por Dia para Todos”?

Sobre este assunto, a presidente do PT não podia ser mais clara, na segunda entrevista televisiva desta semana: “Eu não trato de corrupção somente em época eleitoral. Se você mantém a impunidade, você está sancionando a corrupção. Então eu quero essa investigação doa a quem doer, não deixando pedra sobre pedra”, explicou Dilma, sacudindo da lapela a caliça que tombava do tecto do Palácio do Governo.

Porque isto, enfim, começa a ser um problema no Brasil, dizem as más-línguas. Para ser honesto, um problemão desde 1500, porque quem desembarcou primeiro nas bonitas praias foram os portugueses. E não para as colonizar, mas para as saquear*. Conversa puxa conversa, a corrupção é também parte da genética do Partido dos Trabalhadores (PT). Recorde-se que Dilma, economista que em 2005 estava a ter um reconhecido trabalho como ministra das Minas e Energia, teve de subir à força para chefe da Casa Civil, depois de ter sido revelado o escândalo do “mensalão”, a compra de parlamentares do Congresso Nacional do Brasil — votavam a favor das leis do governo do PT, com um “salário” escondido. José Dirceu, o principal acusado, ex-chefe civil de Lula da Silva, foi em 2012 condenado a mais de dez anos de prisão. Especula-se em Brasília e Lisboa que, quando sair do presídio, só vai conseguir uma boa mesa nos restaurantes quando lembrar à gerência que é muito amigo de Miguel Relvas, e eles facilitam.

O problema é que o Brasil tem petróleo e a Petrobras, e o petróleo tem mel para untar muitas mãos. A carreira de Dilma, como Presidente, tem sido a de trocar de ministros em desgraça como quem troca de camisas sem graça (ou lá o que são aqueles meios macacões… que aliás lhe ficam bem, senhora Presidenta!). Não vamos criar um incidente diplomático. Dilma é famosa pelo mau feitio. Destrata ministros, põe homens a chorar. Diz ela que só a atacam por ser mulher, o seu temperamento seria elogiado nos homens. Se calhar, também a atacam porque a economia brasileira está anémica, só a crescer 0,3% e já esbarrou no tecto de 6% de inflação.

Mas foi ela a primeira mulher que conseguiu pôr à espera o Presidente dos Estados Unidos no corredor das Nações Unidas. Para não ter de ouvir o arraso que Dilma lhe dava na Assembleia Geral pelo escândalo das escutas aos chefes de Estado amigos. Obama, claro, tinha um auricular da CIA no ouvido e não perdeu a diatribe da brasileira.

Relatório secreto Edward Snowden. Telefonema de Dilma para a chanceler alemã Merkl:

— Angela, que é que leva no banquete do G8?

Tailleur azul.

, e eu é que vou ter de mudar de novo, corta essa!

Piada sexista, piada de género, tem razão, senhora Presidenta. Mas Dilma escondeu armas debaixo da cama na juventude e aguentou 22 dias de tortura, quando esteve presa durante a ditadura militar. Corajosa, astuta, aguenta tudo, até uma biografia mal gabaritada, e muito parcial, de uma política completa.

 

* ver entrevista ao psicanalista Contardo Calligaris, PÚBLICO de 26 de Outubro

Sugerir correcção
Comentar