Sexo, mentiras e dor nas costas

Não sei mais o que dizer. Na primeira noite após a leitura do sábio acórdão, declarei: “Hoje não, meu bem. Legalmente, não tenho vontade.” Felizmente, não funcionou.

Tenho encontrado alguma dificuldade em compatibilizar os impulsos naturais do ser humano com a jurisprudência agora em vigor. Em momento recente de grande inspiração, como todos sabemos, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu que passado meio século de existência o cidadão comum está condenado a recolher armas e bagagens, vítima irreversível de minguante apetite sexual. Com esta nobre interpretação, baseada em evidências científicas desconhecidas mas irrefutáveis, os doutos magistrados fixaram a mais temida fronteira da civilização humana. E com ela reduziram a indemnização a uma mulher a quem um erro médico aniquilou a vida sexual.

Eu, cá por mim, acho que os juízes não leram a bibliografia toda, em particular a revista Maria. E, sejamos francos, como a votação foi unânime, decididamente algo não vai bem na vida íntima daquele colectivo.

Muito mais útil para os cinquentões foi uma intervenção oportuna de estudiosos da Universidade de Waterloo, no Canadá, que avaliaram as implicações músculo-esqueléticas do acto sexual. Aqui sim estamos perante matéria de manifesto interesse, pois se as dores nas costas já são em si uma tortura universal, pior ainda se advêm de manifestações práticas da libido. As sequelas psicológicas podem ser piores do que as musculares.

Os especialistas mediram detalhadamente os movimentos das articulações durante o concúbito, através de sensores instalados em pontos estratégicos do corpo de vários voluntários. Em nome da ciência, o laboratório onde se realizou a experiência viveu dias de grande forrobodó.

E valeu a pena. Agora, sabe-se exactamente que posturas são mais maléficas para determinados tipos de patologias da coluna, evitando-se assim que curtos momentos de prazer — relativamente falando, é claro — dêem lugar a longas penitências ósseas.

E está tudo registado numa espécie de atlas, um item essencial nas mesas de cabeceira, ao lado do preservativo e do anti-inflamatório, e que deveria ser comparticipado pelo Sistema Nacional de Saúde, para o bem vertebral da nação. Para toda a gente que preza o esqueleto, convém ter à mão este Kama Sutra reumatológico.

Quando tomei nota deste estudo, através de um programa de rádio, fiquei a pensar nas recorrentes vezes em que fico com as costas em frangalhos só de estar sentado à frente do computador. Que castigo mais mal empregue.

Os  mais atentos, que sabem que esta rubrica tem a ver com a saúde do planeta, estarão a perguntar-se por que raios é que se está cá a falar da saúde sexual. Não se esqueçam de que um dos três pilares da vida em harmonia com a Terra é o bem-estar da sociedade — não só material, mas também físico e psicológico. O tema, por isso, tem pleno cabimento aqui. O sexo não só é absolutamente essencial para o desenvolvimento sustentável como, do ponto de vista prático, também requer alguma sustentabilidade. Se é razão para sofrimento, então nem com o mundo cheio da passarinhos a felicidade será atingida.

É claro que se já temos mais de 50 anos, nada disso mais se aplica. E se um erro médico — como ir a um dentista e sair de lá eunuco — nos der cabo do que resta da sexualidade, tanto pior. De nada adianta pedir à suprema justiça que ao menos nos compense.

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