A diplomacia de Machete

Rui Machete não está a facilitar a vida de Passos Coelho. Mais um elo frágil na máquina governativa

O ministro dos Negócios Estrangeiros andava discreto há muito tempo. É de estranhar, no caso de Rui Machete, mas o silêncio do governante era um sinal promissor. Afinal, e ao contrário do que sucede com o frenesim habitual dos outros ministros, o mínimo que se espera de um chefe da diplomacia é que exerça o seu cargo com muita prudência, bom senso e uma dose q.b. de recato. Por vezes – demasiadas vezes – Machete esquece-se destes princípios elementares e ei-lo nas bocas do mundo. Como está agora, depois das declarações feitas numa entrevista à Rádio Renascença sobre os jihadistas portugueses, em que revela a vontade de alguns desses jovens regressarem ao nosso país. Como é evidente, trata-se de informações sensíveis que podem ter consequências graves e imprevisíveis e, por isso, não admira que um coro de vozes se tenha levantado de imediato com apreciações pouco abonatórias da qualidade política do ministro. Tanto mais quanto não são de agora as polémicas em que o ministro se envolve, todas da sua directa responsabilidade e todas devido a imprudências de discurso. Às vezes, parece que Rui Machete fica  tão inebriado com as suas próprias palavras que se esquece das importantes funções que exerce enquanto representante de Portugal. O que é difícil esquecer é o dia em que, da longínqua Índia, o titular dos Negócios Estrangeiros resolveu proclamar que o país teria de sofrer um segundo resgate caso as taxas de juro a 10 anos não estivessem abaixo dos 4,5%. Faltavam sete meses para terminar o programa de ajustamento e o Governo geria com pinças a relação com a troika, enquanto secretamente congeminava a “saída limpa” do resgate. Muito poucas declarações seriam tão inoportunas quanto esta, tendo em conta o que estava em causa.

E a polémica à volta de Angola? Vale a pena recordar. Apenas três meses depois da posse, Machete deu uma entrevista à Rádio Nacional daquele país em que resolveu pedir desculpas pelas investigações que o Ministério Público português tinha em curso sobre as actividades de alguns empresários angolanos. Como se já não bastasse o golpe sobre o princípio constitucional da separação de poderes, o ministro pôs-se a jeito para fortalecer todos os que, do outro lado do Atlântico, pretendem manter sem escrutínio a sua actividade empresarial. Consequências: ameaças e adiamento, até hoje, de uma cimeira bilateral sob a égide dos chefes de Estado dos dois países. Isto para não se falar da própria tomada de posse do ministro, acusado de ter mentido à comissão de inquérito sobre o BPN, que o queria ouvir sobre as suas ligações à instituição. Machete negou qualquer cargo ou relação, mas posteriormente acabaria por revelar ao PÚBLICO ter sido cliente, accionista e até figura de proa do Conselho Superior da SLN/BPN.

Enfim, Rui Machete, um senador que já foi praticamente tudo neste país, fragilizou o Governo. Mais uma vez. Tudo o que Passos Coelho não precisa.

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