Serenidade na tempestade

Um disco luminoso. Mas não é uma luz efémera. É a luz de quem aceitou que se morre e se renasce muitas vezes ao longo da vida.

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Thurston Moore mostra sem complexos que o rock continua a ser um formidável lugar colectivo para habitar

Ainda há gente traumatizada com a dissolução dos Sonic Youth depois da separação conjugal de Thurston Moore e Kim Gordon, mas felizmente os próprios parecem mais interessados em seguir em frente, sem delongas em relação ao passado recente. Muito activo tem estado Thurston Moore, que regressa agora com novo álbum, numa linha mais eléctrica que os maioritariamente acústicos Trees Outside The Academy (2007) e Demolished Thoughts (2011) e menos tempestuosa que o projecto concretizado no ano passado Chelsea Light Moving. 

Para o ajudar recorreu aos serviços da baixista Deb Goose (My Bloody Valentine), do guitarrista James Sedwards e do baterista e seu ex-parceiro nos Sonic Youth, o baterista Steve Shelley. 

Qualquer álbum que os membros dos Sonic Youth lancem hoje está condenado a não ter o mesmo impacto cultural que alcançaram obras iniciáticas como Evol (1986), Sister(1987), Daydream Nation (1988) ou Goo (1990). É natural. 

Por norma os anos em que isso acontece são os primeiros. É aí que uma certa ideia de som surge e vai sendo aprimorada com concisão. Mas isso não significa, como o discurso estafado do rock & roll tantas vezes reifica, que depois tudo seja mero decalque. 

The Best Day

 é um disco luminoso. Mas não é uma luz efémera aquela que brilha por aqui. É a luz de quem aceitou que se morre e se renasce muitas vezes ao longo da vida e que não há que temê-lo. Talvez por isso seja um disco de enorme serenidade. 

Claro que existem por aqui ângulos de ruído, altercações com guitarras barulhentas e uma secção rítmica marcadamente repetitiva, mas o que há acima de tudo é um controle absoluto sobre todos os elementos, como quem se mantém tranquilo e seguro de si, apesar de saber que há um temporal a rodeá-lo. 

É um disco de canções com estrutura reconhecível, sem abstracções inesperadas, apesar da duração dos dois magníficos temas de abertura – mais de oito minutos para Speak to the wild e mais de onze para a notável digressão Forevermore.

É um álbum onde Thurston Moore nem se dá ao trabalho de se tentar mascarar, aceitando sem qualquer tipo de subterfúgio as naturais influências dos Sonic Youth, ao mesmo tempo que mostra sem quaisquer complexos que o rock continua a ser para si um formidável lugar colectivo para habitar. Excelente.

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