Passos Coelho enfrenta Europa dividida nas interligações da electricidade

Portugal parte para o Conselho Europeu decidido a defender metas vinculativas de 15% nas redes europeias de energia.

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Estratégia europeia para o clima e energia nos próximos anos começam a ser debatidas hoje em Bruxelas Miguel Madeira

O primeiro-ministro Pedro Passos Coelho chega hoje ao Conselho Europeu que deverá fechar o pacote Clima Energia da União Europeia 2030 no meio de uma forte resistência francesa à proposta portuguesa de que a Europa fixe metas vinculativas para a capacidade de interligação das suas redes eléctricas.

Portugal já admitiu que poderá bloquear o Conselho se as metas para o reforço das interligações não forem de cumprimento obrigatório. A proposta inicial portuguesa defendia uma capacidade de interligação de 30% da capacidade de produção instalada de electricidade, mas a meta apresentada pela Comissão Europeia não vai além dos 15%. Para Portugal esta meta só será aceitável se houver um compromisso vinculativo. “Há vários meses que temos pré-anunciado que as interligações são uma pré-condição para um acordo Clima Energia”, sublinhou ontem o Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, à saída de um encontro sobre o Conselho Europeu com os parceiros sociais.

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Frisando que se está perante uma “questão política”, o ministro diz que numa reunião em que é necessária a aprovação por unanimidade das conclusões do Conselho Europeu, os olhares não se devem voltar para Portugal e Espanha mas sim para os países “que podem e devem criar condições para que a Península Ibérica [que tem uma capacidade de interligação com França de apenas 1,5%] não continue isolada do ponto de vista energético”. Por isso, a pergunta que deve ser feita”, diz o ministro, “é porque é que alguns países que têm beneficiado com o mercado interno da energia para exportar a sua electricidade, em muitos casos nuclear, não aceitam que a Portugal e a Espanha sejam dadas condições, que não são um privilégio, mas um benefício para toda a Europa”. O argumento é simples: o reforço das interligações entre a Península Ibérica e a França permitirá que portugueses e espanhóis ajudem os parceiros europeus a cumprir com menores custos as metas de energias renováveis (convertendo-se em exportadores de electricidade) e assegurará o papel da Península como porta de entrada de gás natural na Europa num momento vital do debate sobre segurança energética. Segundo Moreira da Silva, que acompanhará Passos Coelho a Bruxelas, com novos investimentos, a Península Ibérica tem condições para substituir 40% das importações europeias de gás russo.

Mas se as ambições portuguesas e espanholas têm chocado de frente com o proteccionismo francês, poderão também esbarrar numa Alemanha mais cautelosa em relação à França num momento em que as relações entre os dois países estão mais sensíveis devido à questão orçamental, e com a oposição britânica.

Está tudo em aberto nesta cimeira europeia. Dela poderá sair tanto um pacote completo, tal como a Comissão Europeia tinha proposto, como apenas parte do mesmo. O cenário mais minimalista seria obter um acordo apenas sobre a meta de redução de emissões de CO2 – que muito provavelmente será de 40% para 2030, um valor praticamente consensual. Os restantes pontos seriam adiados.

Há razões de sobra para supor que não será uma discussão fácil. Há apenas uma semana, havia ainda posições muito antagónicas nalguns pontos. Na proposta da Comissão, a meta para a eficiência energética seria de 30%, aplicada a toda a UE e apenas indicativa, sem força vinculativa. Uma boa parte dos Estados-membros concorda, mas três, incluindo Portugal, querem que a meta seja vinculativa e oito países do Leste sugerem antes 25%.

O Reino Unido e Chipre vão mais longe e não querem meta nenhuma. É um dos principais pontos pelo qual se bate o Governo de David Cameron, pressionado pela necessidade de provar internamente que não é Bruxelas quem manda em Londres. Com uma grande central nuclear na forja e mais planos em carteira, o Reino Unido também não quer metas nacionais para as energias renováveis, embora aceite a meta europeia de 27%.

Quem está decepcionado são os ambientalistas, que não vêem no que está sobre a mesa a ambição necessária perante o problema das alterações climáticas. “O texto que será acordado neste Conselho mostra-se abaixo do esperado pelas organizações não-governamentais de ambiente”, sustenta a associação Quercus, num comunicado. “Neste cenário, Portugal e a UE darão um sinal político pouco ambicioso, perspectivando-se o agravamento das consequências das alterações climáticas, como secas mais graves e frequentes, inundações e eventos meteorológicos extremos”.

Às metas propostas pela Comissão Europeia (de renováveis, eficiência energética e redução de emissões poluentes), juntou-se a proposta portuguesa de obrigar os países a construírem mais capacidade de interligação de energia eléctrica entre os Estados-membros, ao fim de 12 anos em que a meta indicativa de 10% se arrastou sem sucesso. Em Junho, altura em que a crise ucraniana pesava, o Conselho Europeu admitia uma interligação de 15% mas sem carácter obrigatório.

Contra a oposição do protectorado nuclear francês e o argumento britânico de que a proposta portuguesa tem custos, o Mercado Ibérico de Electricidade serve de exemplo do retorno de um mercado mais interligado. Desde que as plataformas de negociação do Mibel ficaram ligadas ao resto da Europa, o país conseguiu ter durante uma hora o mesmo preço que a Finlândia e não ocorre mais, segundo os peritos, porque não há capacidade de interligação. Nos primeiros anos do Mibel, em 2007, Portugal e Espanha passavam 87% do tempo com os seus mercados separados e com um diferencial de preços de 10 euros por megawatt/hora. Em 2014, a separação de mercados ocorre em 10% do tempo e o diferencial é já de um euro por megawatt/hora, de acordo com os dados do mercado.

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