O sonho antigo de transformar o telemóvel em carteira

A Apple estreia nesta segunda-feira um sistema de pagamentos móveis, uma tecnologia que não tem despertado o interesse dos consumidores.

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O fórmula da Apple, liderada por Tim Cook, foi associar-se à Visa e à Mastercard Robert Galbraith/Reuters

A tecnologia para fazer pagamentos com o telemóvel está muito longe de ser uma novidade. Em Janeiro de 2007, a Nokia, então a maior fabricante do sector, lançou o seu primeiro modelo que permitia ao utilizador pagar em lojas aproximando o aparelho de um sensor. Foi testado num projecto-piloto em alguns estabelecimentos nos EUA, incluindo um McDonald's em Nova Iorque.

Meses mais tarde, a empresa reuniu no seu centro de investigação tecnológica em Oulu, na Finlândia, jornalistas de várias publicações, entre as quais o PÚBLICO, para traçar um futuro próximo em que os telemóveis poderiam substituir dinheiro, cartões de crédito ou passes de transportes públicos. Era um cenário que a empresa vinha a pintar aos jornalistas, pelo menos, desde 1999.

Mais de sete anos depois do lançamento daquele Nokia, a Apple, cujo iPhone fez a marca finlandesa ruir, lança a sua plataforma de pagamentos por telemóvel, em parceria com importantes empresas de serviços financeiros, entre as quais a Visa e a Mastercard. O sistema começa esta segunda-feira a funcionar nos EUA.

Chamado Apple Pay, permite aos utilizadores usarem o iPhone, o iPad e o Watch (o novo relógio inteligente da marca) para fazer pagamentos dentro de aplicações - por exemplo, as aplicações de uma loja de roupa ou hipermercado. Também pode ser usado em compras em lojas físicas. A empresa promete segurança e privacidade: contrariamente ao que acontece com um cartão bancário, o vendedor não saberá o nome nem outros dados pessoais do comprador. A Apple diz que não registará o histórico de transacções. 

A Apple foi muito bem-sucedida com o sistema de pagamento electrónico do iTunes, uma loja online que começou por vender música e que estendeu o sistema de compra em poucos cliques a filmes, séries, livros e aplicações. A Apple não dá números precisos sobre esta loja online, mas só com a venda de aplicações facturou no ano passado dez mil milhões de dólares. Ainda assim, não é certo que consiga fazer vingar uma tecnologia que tem demorado a entrar no mercado.

“A Apple está a lançar esta solução, que não tem nada de novo. Mas, como é muito grande, conseguiu um acordo com a Mastercard e a Visa. É esse acordo comercial entre dois gigantes que torna isto uma novidade”, diz Carlos Ribeiro, professor no Instituto Superior Técnico, e que no ano passado encabeçou o projecto MobiPag, um consórcio de grande escala para o desenvolvimento de uma plataforma de pagamentos móveis. 

O MobiPag envolvia três universidades, vários bancos e os três operadores de telecomunicações. O objectivo era criar uma forma de pagamento electrónico alternativa aos cartões bancários, destinada a transacções de valor reduzido e que fosse mais barata para os comerciantes do que os terminais de multibanco.

Desenvolver a tecnologia não foi o problema. O complicado foi tentar pô-la no mercado. “Um dos problemas das soluções que têm sido desenhadas é que requerem várias entidades: empresas que vendem telemóveis, operadores de telecomunicações, instituições financeiras”, explica Carlos Ribeiro. No MobiPag, as entidades envolvidas não chegaram a acordo sobre o modelo de comercialização e “a solução comercial falhou completamente”. 

Este é um modelo que interessa tanto à banca como aos operadores de comunicações, observa o académico. “O que os operadores querem é vender serviços sobre a infra-estrutura. A banca teve o [monopólio do] negócio financeiro durante anos. Se o perde, fica sem uma percentagem das receitas”.

Em Portugal, a PT lançou este ano o Meo Wallet, com o qual os utilizadores podem fazer um carregamento de saldo e usá-lo em compras. O serviço permite fazer pagamentos de várias formas: com um SMS, através de um QR Code (uma espécie de código de barras que pode ser reconhecido pelas câmaras dos telemóveis) ou simplesmente aproximando o aparelho de um terminal próprio, com recurso a uma tecnologia chamada NFC (algo que nem todos os telemóveis têm). 

O PÚBLICO não conseguiu obter da PT dados sobre a adesão ao serviço. A empresa lista no site cerca de 30 comerciantes em várias cidades que estão a usar a plataforma, a maioria dos quais na área da restauração.

Também a SIBS, empresa responsável pela rede Multibanco, já anunciou no seu site que vai lançar aplicações móveis que permitirão aos utilizadores fazerem compras.

No mundo desenvolvido, onde já há outras soluções de pagamento electrónico e onde o sistema bancário é de fácil acesso, os pagamentos móveis têm tido uma adesão lenta. Entre as excepções estão os países nórdicos e o Japão. Contudo, em vários países da África e Ásia, a falta de serviços bancários popularizou os pagamentos via telemóvel, que chegam a ser usados como substitutos dos bancos, tanto em compras como em transferências de dinheiro.

Uma análise da Mastercard a 34 países de todos os continentes (entre os quais não está Portugal) concluiu que o Quénia é aquele onde os pagamentos móveis estão mais difundidos: 89% dos habitantes do país estão familiarizados com a tecnologia e dois terços já a usaram. Em segundo lugar estava a Nigéria e em terceiro, as Filipinas.

Artigo corrigido: o relógio inteligente da Apple chama-se Watch e não iWatch, como estava escrito.

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