Especialista em saúde pública diz que Portugal não está preparado para lidar com ébola

Ordem dos Médicos divulga parecer de colégio de saúde pública que critica "mensagens de enganadora tranquilidade" das autoridades nacionais de Saúde.

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O vírus do ébola CDC

A direcção do Colégio da Especialidade de Saúde Pública da Ordem dos Médicos (OM) está preocupada com a forma como as autoridades de Saúde portuguesas têm lidado com o problema da infecção pelo vírus de ébola e considera que têm passado “mensagens de enganosa tranquilidade” à população. Nesta quarta-feira, o director-geral da Saúde vai ao Parlamento clarificar as medidas que têm sido tomadas para enfrentar o problema, a pedido do Partido Socialista.

Num parecer muito crítico relativamente ao que tem sido feito até à data em Portugal para enfrentar a eventual entrada de doentes com ébola, Pedro Serrano, que preside a este grupo de especialistas e assina o documento divulgado no site da Ordem, defende que o país não está preparado para lidar com a possibilidade de importação de casos, um “risco teórico” que é “alto”, no seu entender, dadas as relações de proximidade com os países africanos de língua oficial portuguesa.

Pôr a tónica numa intervenção centrada apenas nos serviços hospitalares (em Portugal há três hospitais, dois em Lisboa e um no Porto, preparados para isolar casos suspeitos) é uma estratégia “errada”, acentua o médico, enquanto defende que se deve montar ou reforçar “uma apertada vigilância dos aeroportos e portos”.

Pedro Serrano pergunta, a propósito, onde está e como pode ser consultado o plano de contingência nacional, como se articulam os vários níveis de cuidados de saúde do país, e se a rede nacional de serviços de saúde pública já está activada para a vigilância epidemiológica de casos que venham a surgir.

Recordando a experiência da gripe pandémica, altura em que foi montada uma estrutura, criados circuitos e oleada uma máquina para “enfrentar uma epidemia à escala global”, o especialista em saúde pública propõe que tudo isto seja aproveitado e reactivado. Ao mesmo tempo, lamenta que até agora não tenha chegado ao conhecimento do público ou da generalidade dos profissionais de saúde “nenhuma orientação, integrada e global, que inclua desde uma estratégia nacional para lidar com o problema até à emissão de informação que responda às perguntas e ansiedades”.

Um eventual caso de ébola “não vai chegar com uma bandeirinha a assinalá-lo ao aeroporto da Portela, onde logo chegará uma ambulância do INEM, que o levará sem demora ao Curry Cabral [hospital de referência para casos suspeitos em Lisboa], onde espera por ele um quarto isolado e apetrechado”, caricaturiza Pedro Serrano, lembrando que o que a realidade tem vindo a demonstrar nos últimos tempos é bem diferente. “Como nos foi dado ver, primeiro nos Estados Unidos e logo em seguida em Espanha, nem os países com meios técnicos mais sofisticados conseguiram lidar eficazmente com apenas um caso de ébola”, faz notar.

O médico propõe ainda que se crie uma base de dados com os portugueses que residem nos países considerados de risco para monitorizar as suas deslocações e para lhes fazer chegar informações sobre medidas a adoptar.

Depois de na semana passada ter considerado que Portugal está razoavelmente preparado para lidar com este fenómeno, o bastonário da OM, José Manuel Silva, mostra-se agora mais cauteloso. O caso da doente que suspeitava estar infectada e que no domingo se dirigiu pelo seu pé para o Hospital de S. João, no Porto, depois de ter passado por uma unidade de saúde privada, veio provar, frisa, que são necessárias “medidas para além da publicação de brochuras e protocolos”. 

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